Música

Clássicos despontam no repertório de novo disco romântico de Fagner

Em novo disco, Fagner traz um repertório romântico em que se destacam clássicos do cancioneiro brasileiro, como 'Lábios que beijei' e 'Deusa da minha rua'

Artista consagrado, Raimundo Fagner, ao longo da carreira, prioritariamente gravou músicas autorais, várias delas compostas com parceiros. No disco que acaba de lançar, porém, ele enfatiza sua faceta de intérprete. Intitulado Serenata, o álbum lhe permite reverenciar grandes mestres, autores de clássicos da seresta — gênero que remete à tradição da MPB. A única faixa que tem a assinatura do cearense é Mucuripe.

Esta canção, composta com Belchior, vencedora do 1º Festival do Ceub, em 1970, foi determinante para Fagner obter o reconhecimento nacional, após deixar Brasília, onde era estudante da Universidade de Brasília (UnB), e radicar-se no Rio de Janeiro. Lá, lançou Manera Fru Fru, o disco de estreia. Contribuiu para isso o fato de Elis Regina, além de gravar Mucuripe, tornar-se uma das maiores incentivadoras do então jovem cantor, que buscava se inserir no mercado fonográfico.

Mas, foi ainda em Fortaleza, no começo da adolescência, que Fagner teve o interesse despertado para a serenata, influenciado pelo irmão Fares, que era um grande seresteiro. Tempos depois, já famoso, ao visitar a cidade fluminense de Conservatória, considerada o “berço da serenata”, teve a ideia de realizar algo com essa temática. O tempo passou e, por circunstâncias diversas, o desejo foi sendo adiado. A decisão de levá-lo adiante surgiu quando recebeu convite da Biscoito Fino para gravar um álbum, que coincidiria com data emblemática — o cinquentenário da trajetória artística de Fagner.

Para desenvolver o projeto, o artista teve ao seu lado o amigo e produtor José Milton, profundo conhecedor desse gênero musical, que contribuiu também na seleção das 12 canções registradas no Serenata, entre elas Lábios que beijei (J. Cascata e Leonel Azevedo), Malandrinha (Freire Júnior), Maringá (Joubert de Carvalho) e Deusa da minha rua (Newton Teixeira e Jorge Faraj). Obviamente, não ficou de fora a simbólica Chão de estrelas, tida como “hino” desse estilo musical, composição de Sílvio Caldas e Orestes Barbosa. O cantor teve a companhia de três grandes violonistas: João Camarero, João Lyra e o goiano-brasiliense Rogério Caetano.

Fagner concedeu entrevista exclusiva ao Correio, na qual se deteve ao falar sobre aspectos que cercaram a gravação do Serenata, 35º álbum de sua discografia, entre os que foram registrados em estúdio. Fez comentários também sobre como tem ocupado o tempo durante a interminável quarentena; sobre um novo disco de inéditas, que pretende lançar em 2001; e da vontade de fazer duetos com Caetano Veloso e Maria Bethânia. Deixou claro também que ficou desiludido pelo apoio que deu a Jair Bolsonaro, quando candidato à Presidência da República.

 

Entrevista/ Raimundo Fagner


Quando você se aproximou do universo das serestas?

Nasci num ambiente musical, ouvindo Orlando Silva, Sílvio Caldas e outros famosos cantores da era do rádio. Em frente à casa da minha família morava o Ewaldo Gouveia, que era afilhado dos meus pais. Ainda na infância, acompanhava meu irmão Fares Cândido, um grande seresteiro em Fortaleza, nas serenatas que fazia. Ele me influenciou muito a gostar de futebol e na minha paixão pelo Fortaleza, clube do qual foi presidente. Esse disco que estou lançado é dedicado ao Fares.

O que o levou a gravar o Serenata?

A ideia de gravar um disco com serestas é antiga. Certa vez, a convite do Paulinho Tapajós, fui a Conservatória, cidade bucólica, no interior do Rio de Janeiro, considerada o berço da serenata, terra natal de Paulo Tapajós, pioneiro do rádio no Brasil, e vivi um dos dias mais emocionantes da minha vida. Fui homenageado por uma multidão, que fazia coro cantando Mucuripe, em frente a uma casa que tinha o nome da música que compus com Belchior. Saí de lá decidido a gravar um disco de seresta, mas outros projetos surgiram e fui adiando meu plano. Mas, finalmente, chegou o momento.

Algo foi determinante para a concretização desse projeto?

Estava pensando o que faria para comemorar 50 anos de carreira. Aí recebi o convite da Biscoito Fino para gravar um disco lá. Então, vi que havia chegado a hora de fazer esse disco, o que me trouxe muita satisfação. Ao lado do meu amigo e produtor José Milton, profundo conhecedor do universo da seresta, partimos para a produção. Inicialmente, fizemos a escolha das músicas que seriam gravadas, que foi a parte mais difícil, diante de tantas canções belíssimas, que tínhamos à disposição. Eu conhecia praticamente todas, mas acabamos chegando a um consenso.

Você e o Chico Buarque foram amigos por muito tempo, mas acabaram se distanciando por diferenças no campo da política. Entre as músicas escolhidas está Valsinha, de Chico Buarque e Vinicius de Moraes. Houve necessidade de pedir autorização ao Chico?

A produção cuidou disso, mas quero deixar claro que, da minha parte, não tenho nenhum problema com o Chico. Ao gravar Valsinha, quis homenagear Vinicius de Moraes, que gostava muito de mim. Nos conhecemos em Paris, apresentados pela Gilda
Mattozo, a última mulher dele. Eu estava em Salvador para participar de uma festa em homenagem ao Dorival Caymmi, quando a Gilda me ligou para dizer que o Vinicius havia morrido, o que me deixou extremamente abalado.

Por que do duo póstumo com Nelson Gonçalves?

Eu e o Nelson éramos grandes amigos. Sempre fui fã dele. Mas, quando gravei Noturno (do disco Coração alado), a música, por ser tema de abertura de novela homônima, fez enorme sucesso. O Nelson deu uma entrevista à revista Manchete e me criticou, dizendo que eu gritava quando cantava e outras coisas mais. Certa vez, eu estava no Aeroporto do Galeão com o Luiz Gonzaga e ele se aproximou de nós e me pediu desculpas. A partir dali nos tornamos próximos. Cheguei a participar de um disco dele na RCA, intitulado Eles e eu. Quando fui gravar o Noturno, o José Milton, pesquisando na Sony, encontrou uma gravação de Serenata com o Nelson. Aí quis fazer esse duo com ele e dei o nome da canção ao CD, como uma forma de homenageá-lo.

Lançar esse disco em meio à pandemia da covid-19 não foi temerário?

O disco foi gravado nos primeiros meses do ano. Quando surgiu a pandemia, eu já havia colocado a voz, mas como sou perfeccionista, refiz em outubro. Desde o lançamento de Lábios que beijei, o primeiro single, nas plataformas digitais, a repercussão foi muito boa. Acredito que o CD chega ao público no momento certo, quando as pessoas estão querendo ouvir música de qualidade.

De que forma ocupou o tempo ao longo da quarentena?

Tenho trabalhado bastante em casa, inclusive fazendo faxina e colocando as coisas nos lugares. Me desfiz do que era inútil e descobri que guardava fitas cassetes e outras gravações das quais nem me lembrava mais, como as de músicas com o Cazuza, de quem era amigo. Houve uma época que ele vinha bastante em minha casa e aproveitávamos para gravar algumas coisas. Vou fazer uma seleção, para ver o que posso aproveitar.

Por falar em gravação, é verdade que gostaria de fazer algo com o Caetano e a Maria Bethânia?

Já tive desavenças com o Caetano, mas gostaria, sim, de gravar com ele. Acho que com a Bethânia poderíamos fazer algo interessante, por sermos intérpretes que trabalham com a emoção.

Tem projeto de novo disco de canções inéditas?

Em 2021 vou lançar um novo disco de inéditas. Já tenho músicas para esse projeto, compostas em parceria com Moacyr Luz, Zeca Baleiro, Oswaldo Montenegro, Clodo e Climério Ferreira.

Como alguém que apoiou o candidato Jair Bolsonaro, que avaliação faz da atuação dele como presidente?

Conheci o Bolsonaro num avião. Ele fez foto comigo, disse que era para a mulher, mas publicou no Instagram. Me pediu para participar de uma manifestação que o aguardava e eu disse que estava fechado com o Ciro (Gomes). Depois, declarei meu apoio a ele num vídeo. Mas, agora, desaprovo totalmente a maneira como ele vem conduzindo o país, o desrespeito como trata as pessoas, sendo negacionista em relação a tudo que se refere à pandemia. Só voltei a vê-lo na posse do ministro Luiz Fux, na presidência do Supremo Tribunal Federal, quando cantei o Hino Nacional. Mas, naquela ocasião, não nos falamos.