Sempre um clássico

Músicos e críticos avaliam novo disco de Paul McCartney, gravado sozinho durante a pandemia num estúdio caseiro na Inglaterra

Irlam Rocha Lima
postado em 07/01/2021 20:42
 (crédito: Steve Jennings/AFP)
(crédito: Steve Jennings/AFP)

 

Quando esteve no Brasil pela primeira vez, em 1990, para show no Maracanã, Paul McCartney contabilizava duas décadas de carreira solo, após a saída dos Beatles, e o consequente fim da mais importante banda da história do rock. O cantor, compositor e instrumentista inglês, nascido em Liverpool, já havia também lançado dois álbuns de uma trilogia, que tinham o seu sobrenome como título. Agora, chega ao mercado o McCartney III, o 18º disco individual do artista.
O McCartney saiu em 1970, logo depois de deixar os Beatles; e McCartney II é de 1980, quando desfez a Wings, sua segunda banda. Paul não tinha planos para gravar disco no ano passado, até porque iria viajar pelo mundo com uma nova turnê. Mas, por imposição da pandemia, teve que se manter em casa com a família, no sul da Inglaterra, cumprindo quarentena. Para ocupar o tempo, passou a compor novas canções — algumas delas baseadas em músicas antigas, que não haviam sido lançadas.
A decorrência desse trabalho é o CD de 11 faixas, entre rocks e baladas, gravados em estúdio caseiro, na maior parte das quais colocou vocais e tocou guitarra e piano ao vivo, complementando com com baixo e bateria, executados por ele no estúdio. Em declaração recente à Reuters, ele disse: “Comecei a gravar com o instrumento em que compus a canção e, gradualmente, ia acrescentando camadas”. Na abertura do McCartney III ouve-se o instrumental Long tailed winter bird à qual adicionou as falas: “Você sente a minha falta?/ Você consegue me sentir?/ Você confia em mim?” Entre as outras faixas do set list estão: Find may way, Petty boys, Women and wives, Deeep deep felling, Seize the day e Winter bird/ When winter comes, que fecha o set list.
Guitarrista e fundador da Let it Beatle, banda brasiliense cover dos Beatles, Rodrigo Karashima é só elogio ao falar sobre o lançamento de McCartney III. “Paul poderia estar apenas colhendo merecidamente os frutos de seu gigantesco legado para este mundo. Mas está compondo, tocando e produzindo aos 78 anos de idade. Neste álbum, Paul mostra que as habilidades de compositor continuam afiadas. Assim como nos McCartney (1970) e McCartney II (1980), ele tocou todos os instrumentos e adotou o mesmo conceito experimental, livre de qualquer padrão”.
Karashima acrescenta: “Só de abrir com Long tailed winter bird, uma ótima faixa de cinco minutos, praticamente instrumental, já quebra qualquer padrão de música pop atual. Assim como Deep deep feeling, com mais de oito minutos de climas dark e melancólico. Mesmo na candidata a hit Find my way temos mudanças de climas e trechos instrumentais não convencionais. Mas também há faixas bem acessíveis aos fãs como Seize the day, The kiss of Venus e When winter comes (essa com um bonito clipe), canções delicadas e melódicas como só Paul sabe fazer. Não temos uma Maybe I’m amazed (minha música preferida), mas definitivamente esse novo álbum segue a pegada dos McCartney anteriores, ousando e sendo absolutamente honesto e sem maquiagens.A voz pode não ser a mesma de décadas passadas, mas em tempos tão difíceis, se tem alguém que queremos para sempre fazendo música, é esse homem”.
Sergei Quintas, vocalista e guitarrista da Friends, fã dos Beatles praticamente desde o surgimento da banda, lembra: “Em 1965, os Beatles lançaram o disco Help e, ao ouvir a canção Yesterday, de rara beleza melódica e rico instrumental com violinos, violas e violoncelos em arranjo de George Martin, me certifiquei que tinha início ali um fenômeno musical extraordinário que duraria por anos. Assim me acostumei com a sensibilidade tão presente na obra dos Fab Four, cantei suas canções com o grupo Friends por 50 anos e, como tinha de ser, os Beatles acabaram”.
Ele vai além: “Agora, decorridos 55 anos, longe do tietismo da beatlemania fui ouvir a terceira obra da trilogia de Paul McCartney e me surpreendi porque em nada se compara aos anos dourados dos Beatles ou mesmo da carreira solo de McCartney. Pesa a valia do trabalho gravado com muita qualidade e do melhor da atual da tecnologia onde Paul foi o maestro, arranjador, diretor musical, vocalista, backing vocal, baixista, guitarrista, baterista, tecladista, percussionista, exibindo o talento e a genialidade que lhe transborda. Porém, é sim a compilação de canções de melodias distantes dos tempos de The long winding winding road, talvez afetadas pelo medo da atual pandemia, com ritmos frenéticos, a maioria cantada por uma voz claramente no ocaso dos 78 anos. But, shut up! This is Sir Paul McCartney!”

 

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Só e bem acompanhado

 

É mais um rito de passagem. Quando os Beatles se separaram, houve o primeiro grito de independência e ele lançou McCartney, um solo absoluto, quando tocou todos os instrumentos. Em 1980, depois da dissolução dos Wings, mais um grito: McCartney II, gravado numa fazenda, novamente um mergulho solitário.
A separação da banda atual, forçada pela pandemia, deu origem à terceira parte dessa aventura onanista de Paul McCartney, que estreia em primeiro lugar nas paradas britânicas. Nada mal para um músico de 78 anos, gregário, que ainda se surpreende com a vontade que tem de continuar fazendo música.
McCartney se preparava para mais uma turnê mundial — Brasil incluído — quando o vírus parou o mundo. Podia jogar bridge o dia inteiro, quarar o pé no sol ou não fazer nada; preferiu ir para o estúdio e sai com mais um disco em que mostra a mesma vontade de soar original.
O novo McCartney traz um punhado de boas canções — como Deep down, Pretty boys, Find my way — mas é o conjunto que encanta, numa bem bolada sinfonia criada a partir de um riff de violão, que abre e encerra a gravação. Falta polimento, mas a matéria prima é da melhor qualidade.



 

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