Literatura

''Faço literatura para colocar graça na vida'', afirma Janaína Michalski

Autora de contos e livros infantis, a jornalista e produtora brasiliense Janaína Michalski ficou entre os semifinalistas do concurso Pena de Ouro com o conto 'A bem da verdade'

Devana Babu*
postado em 29/01/2021 10:02 / atualizado em 29/01/2021 10:03
A escritora, jornalista e produtora cultural brasiliense Janaína Michalski, com quadro de Caio Gomez ao fundo -  (crédito: Autorretrato/divulgação)
A escritora, jornalista e produtora cultural brasiliense Janaína Michalski, com quadro de Caio Gomez ao fundo - (crédito: Autorretrato/divulgação)

Apesar de ter publicado três livros e participado de importantes projetos de comunicação e produção cultural em Brasília e no Rio de Janeiro, a escritora, produtora e jornalista Janaína Michalski considera a própria vida profissional meio sem graça. “Faço literatura para colocar graça na vida, quando posso”, afirma, modestamente.

Autora dos livros infantojuvenis Onde o sol não alcança, de 2009, Céu de fundo do mar e outras memórias, de 2015, e A princesa acelerada, de 2016, Janaína é responsável também pela instalação Não duvide, no estilo “livro-livre”, e, nessa mesma pegada, participou da concepção do projeto Livrar, do rapper Marechal.

Recentemente, ficou entre os semifinalistas do concurso lusófono Pena de Ouro com o conto A bem da verdade. "O reconhecimento é a coisa mais importante para eu continuar escrevendo. Percebi isso quando ganhei a Bolsa Funarte de Criação Literária (que deu origem ao livro Céu de fundo de mar). Era uma banca cega, de dez especialistas, um em cada estado brasileiro. Sem conhecê-los, sem trocar uma palavra, eles disseram: 'Ei, você é artista. Acreditamos em você. Siga em frente. Quero ver esse livro aí.' Com o Pena de Ouro, voltei a sentir isso ainda mais forte", considera. "Assim, a gente fura os guetos. As tribozinhas literárias que só gostam disso ou daquilo, e acabam nos colocando para baixo, achando que a nossa expressão não tem valor”, provoca.

O conto

Livremente inspirado em uma situação real vivida por Janaína, comum a muitas mulheres, o conto traz uma narradora com sotaque interiorano que fala durante toda a narrativa com um companheiro, que está presente, mas não diz uma palavra sequer. "Eu estava em um relacionamento. Em relacionamentos heterossexuais, tem muito essa coisa: eu fico 'blá blá blá blá blá' e o cara só responde: 'Tá'. A gente fala, fala, fala, e o cara não fala nada, fica em silêncio. Óbvio que tem aquele silêncio que é uma arma cruel do machismo, também. E eu quis fazer esse exercício, me desafiar a fazer um conto em que só a mulher fala e o cara está ali, presente”, contextualiza. "Tem um imbróglio policial no meio, um crime, e tudo aquilo é resolvido a partir da fala dela. Ela grita com ele, fala baixo, sussurra, eles transam, terminam, voltam, o ciúme aparece, o amor. E muita raiva, óbvio, porque é um cara que não fala."

O conto surgiu, também, em um momento em que a escritora foi impactada pela obra de dois autores que havia conhecido recentemente, Ricardo Lísias e Altair Martins. "Eu estava muito inquieta com esses caras, com uma idade relativamente parecida com a minha, aquela visão de mundo. Uma escrita com malicia, cheia de segundas intenções, corajosa, trazendo um contemporâneo mais corajoso, um politicamente incorreto, muitas vezes", destaca.

História

Janaína nasceu em Porto Alegre (Rio Grande do Sul), e mudou-se para Brasília, com a família, aos 7 anos. Quando os pais se separaram, a mãe, professora da UnB, ficou na cidade, enquanto o pai, funcionário público, foi transferido para o Rio de Janeiro. "Me considero de Brasília, do Rio e de Porto Alegre, onde nasci", afirma Janaína, que cursou o primeiro grau em Brasília, o segundo no Rio de Janeiro, e vive entre as duas cidades. Atualmente, mora na capital federal, onde o filho, de 20 anos, estuda na UnB.

Na escola, alternava anos em que interagia mais com as amigas, e outros em que se trancava na biblioteca, devorando livros de Monteiro Lobato ou Condessa de Ségur. "Eu era uma péssima aluna na escola, não gostava de nada. Não gostava de matemática, de inglês. Odiava os meus professores e achava que eles me odiavam também. Depois cresci e aprendi que não é bem assim", recorda. "A única coisa que eu gostava era de português, das histórias. Eu tenho 44 anos, vou fazer 45 este ano, e, na minha geração, a disciplina de língua portuguesa se chamava Comunicação e expressão. É engraçado porque eu sinto que eu trabalho com isso, hoje em dia: com comunicação e expressão. Porque comunicação é o jornalismo, e a expressão é a literatura”, compara.

Ainda na infância, teve o primeiro contato com o teatro no projeto Criança Fazendo Arte, no Teatro Nacional. Foi lá que escreveu os primeiros roteiros para o grupo de teatro do projeto. "Hoje, com a maturidade, vejo que sempre fui escritora. Sempre inventei e contei histórias, e estava interessada nas histórias das pessoas e em histórias bem escritas", reflete. Na adolescência, também chegou a escrever poemas e, depois estudou jornalismo no UniCeub.

Também chegou a cursar alguns semestres de artes cênicas e fazer cursos técnicos na área. Costumava fazer adaptações teatrais para alguns amigos, de forma despretensiosa e sem assumir os créditos. "Dentro do meu mundo, as pessoas sempre me viram como escritora, e eu não sabia. Eu só assumi isso com a literatura infantil, quando o Márcio Vassallo, com quem trabalhei numa peça de teatro, falou: 'Você tem que escrever essa história', que foi meu primeiro livro, Onde o sol não alcança.”

Entretanto, ela observa que, para uma escritora, as coisas são mais complicadas do que para os escritores. “Muitos grandes escritores viveram, ou vivem, só de escrever. Não posso fazer isso. Criei um cara que hoje tem 20 anos, e criar um filho dá bastante trabalho, e você tem que trabalhar para sobreviver, também", aponta. "Dentro daquela Pirâmide de Maslow, a arte está lá na ponta, e, embaixo, está a sobrevivência. O indivíduo não consegue chegar lá na ponta da arte se a sobrevivência, e outras coisas importantes relacionadas a ela, não estão organizadas. Então, passo grandes períodos sem escrever, sem criar, sem fazer arte, porque eu estou muito envolvida com a sobrevivência", teoriza.

"Então, sempre que você se deparar com um texto meu, que seja literatura, que seja realmente considerado arte, foi um momento sublime de transcendência, no qual eu pude fazer aquilo, ir para uma outra plataforma, outro platô de vida, um pouco acima da realidade”, conclui.

Marechal

Durante muitos anos, Janaína trabalhou em uma produtora cultural no Rio de Janeiro, e mergulhou fundo no universo do hip-hop e seus quatro (ou cinco) elementos, produzindo diversas ações ligadas a essa cultura. Ela afirma que esse mergulho foi uma grande formação para ela. Um dos clientes era o MC Marechal, com o qual trabalhou na Batalha do Conhecimento, criada por ele.

Janaína se lembra da seguinte maneira da gênese do projeto: "Marechal me falou que pegou o cachê que ele tinha ganho (num show), que era bem pouquinho, quase simbólico, e comprou a caixa de livros na hora. Ele fez isso de coração. Ele comprou a caixa de livros do garoto e distribuiu (no show que ele faria logo em seguida, em outro local, mais comercial), e que foi uma emoção muito grande para todo que estavam ali”, recorda.

A partir desta história, eles tiveram a ideia transformar aquilo em um projeto e pensaram no nome. "Me lembro que, quando a gente batizou o projeto de Livrar, era (uma contração das palavras) livro mais levar. Só que aí ficou lindo o nome, porque você livra o conhecimento, livra a si mesmo e aos livros, que são libertos daquele ambiente onde ninguém vai usar, passam a circular. Passava por todos esses romantismos de expressão do conhecimento e amor à literatura.”

*Estagiário sob a supervisão de Adriana Izel

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação