Teatro

Peça em homenagem a Clarice Lispector retoma temporada neste sábado

O trabalho do ator Odilon Esteves com os textos da escritora brasileira, intitulado 'Na sala com Clarice', volta a ser apresentado ao vivo pela plataforma Zoom

Para homenagear o centenário do nascimento de Clarice Lispector, comemorado em dezembro de 2020, o ator Odilon Esteves recorre a companhias bastante conhecidas do universo da escritora: a palavra e a subjetividade. Na peça literária on-line Na sala com Clarice, cuja segunda temporada tem início neste sábado (9/1), Esteves oferece ao público a possibilidade de se deliciar com crônicas e contos da escritora a partir de uma leitura interpretativa direto da casa do ator.

O monólogo é um convite de Esteves para que as pessoas entrem, se acomodem e escolham o cardápio literário daquela noite. "Metaforicamente, sou um cozinheiro no palco", descreve o ator. O serviço inclui entrada, prato principal e sobremesa com o ingrediente mais importante: a palavra de Clarice Lispector.

Fernando Badharó/Divulgação - Peça on-line 'Na sala com Clarice' com Odilon Esteves

A escolha do público é feita, ao longo da sessão, por enquete eletrônica. Ao todo, o ator preparou 20 textos, sendo que o menu de cada sessão tem em torno de 11 e 12 trabalhos. Para a nova temporada, Esteves adianta que adicionou novas obras de Clarice. "Já está claro a proposta do restaurante, mas você chega e escolhe uma massa e não outra. Nas artes, as coisas também poderiam ser dessa maneira".

Do palco para a tela

A ideia do espetáculo surgiu há alguns anos, planejada para ocorrer de modo presencial no ano passado. Contudo, em razão do fechamento dos espaços culturais por conta da pandemia do novo coronavírus, os planos mudaram. "Em setembro, surgiu a oportunidade de fazer on-line dentro da programação do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Achei que era adaptável e possível fazer pela internet, já que o trabalho tem um caráter interativo e nisso o Zoom até facilita", detalha o ator.

Minutos antes de abrir a sala e começar a peça, Esteves aproveita para conhecer o público, olhando cada janela da plataforma. "É um jogo de faz de conta. A gente brinca de sentir", descreve. O virtual, na avaliação do ator, também permite um elemento surpresa, afinal, o público pode se posicionar subjetivamente diante do leque de opções que lhe é oferecido, contribuindo para que haja um entrelace dos imaginários comuns dos espectadores reunidos naquela sessão. "É imprevisível. Não sei como estão o humor e os desejos das pessoas que se reuniram naquele dia. Então, é estimulante", acrescenta.

Divulgação - Peça on-line 'Na sala com Clarice' com Odilon Esteves

O formato resgata ainda tradições brasileiras como a dos saraus literários. "Esse encontro artístico pode se dar também em casa, em reuniões de amigos, de um jeito mais íntimo. É muito bonito como possibilidade".

Palavra como protagonista

Apesar do foco na palavra e no texto, que o ator faz questão de frisar, entram em cena, em cada esquete, a interpretação, os detalhes da casa de Esteves, os cortes de câmara e alguns detalhes de iluminação. "A gente está descobrindo aos poucos como usar os recursos de câmera e luz. Há uma limitação da própria casa, mas vimos que cada canto podia ter um enquadramento diferente, um ambiente, uma luz", explica. Durante a leitura, contudo, não tem movimento ou corte. "É uma peça literária, a protagonista é a palavra, o próprio texto. Como se eu dissesse ao espectador: ouça. Claro que tem a minha interpretação, mas o meu desejo está a serviço do texto, é o que me norteia. Quando entra uma luz, um gesto, um movimento, espero que seja para auxiliar a interpretação. Mesmo se fosse presencial, se alguém dizer que isso não é teatro, é literatura oralizada, não será uma ofensa", complementa.

O ator teve o primeiro contato com a obra de Clarice na adolescência, por meio justamente do teatro, em uma montagem de 1997. "Fiquei encantado com aquele universo, aquele mergulho dentro da própria subjetividade", relembra. Para Esteves, a relação com o feminino nos textos da escritora também o aproxima. "Vivi numa casa só de mulheres após a morte do meu pai. Me sinto um pouco íntimo desse universo da Clarice. É como se ela me revelasse um pouco mais daquelas mulheres que eu convivi, da diversidade que é o ser humano, cheio de contradições, sentimentos inconciliáveis".

O reverberar de cada trabalho de Clarice no ator é o que ele oferece no espetáculo. Na sala com Clarice, ao trazer essa potencialidade e essa diversidade da escritora para dentro da casa do público e, principalmente, de Esteves, estabelece um diálogo com o universo clariciano. "O autor é isso. Ele coloca a obra dele a nossa disposição e enquanto leitor a gente vai lá e escolhe. E no caso da Clarice, está tudo lá, a gente consegue ter desde mergulhos na gente mesmo até contos com uma mesma linguagem que podem ser contados de outras formas. Como ator, só posso oferecer para o espectador como o texto dela vive em mim. Se ela abre a subjetividade dela para que a gente se reconheça, aqui, o que ofereço é a minha leitura subjetiva, como eles batem em mim, que é só um dos infinitos jeitos".

Para Esteves, esse é um convite que a arte faz de forma geral. "A arte e a realidade não têm um jeito só de serem lidas. Neste momento de tanta polarização, você diz: são só formas de olhar e que, às vezes, as duas formas residem dentro de um mesmo indivíduo".

Serviço:

Na sala com Clarice
De 9 a 31 de janeiro, sábado às 20h e domingo às 19h. Duração: de 60 a 90 minutos (dependendo das escolhas do público). Ingressos gratuitos pelo site do Sympla. Não recomendado para menores de 12 anos.
Sessões com intérprete de LIBRAS: 29/01 às 20h
Ingressos gratuitos pelo site: https://www.sympla.com.br/nasalacomclarice


Palestras:
11/01/2021 - Noemi Jaffe

É escritora, professora e crítica literária. Doutora em literatura brasileira pela USP, dá aulas de Escrita Criativa na Casa do Saber, no curso de Formação de Escritores do Instituto Vera Cruz e n'A Escrevedeira. Também trabalha como crítica literária para o jornal Folha de São Paulo.

25/01/2021 - Maria Homem

Graduada em Psicologia pela USP, com mestrado em Psychanalyse et Esthétique pelo Collège International de Philosophie e pela Universidade Paris VIII, e doutorado em Teoria Literária e Literatura Comparada pela USP. Atualmente colabora com a PUC-SP e FAAP. Tem experiência na área de Psicanálise, Cultura e Estética, atuando principalmente nos seguintes temas: psicanálise, literatura, cinema e subjetividade.