LANÇAMENTO

Devoção à literatura: em obra, autor explica como a arte escrita pode ser um fetiche

Professor universitário, poeta, biógrafo e antologista, Italo Moriconi apresenta o 'Literatura, meu fetiche'

Devana Babu*
postado em 05/02/2021 06:00 / atualizado em 05/02/2021 16:32
 (crédito: Arquivo Pessoal)
(crédito: Arquivo Pessoal)

“A literatura é um fetiche porque ela é sagrada”, afirma, em entrevista ao Correio, o crítico literário Italo Moriconi, carioca que cresceu em Brasília. Ele acaba de lançar, pela Companhia Editora de Pernambuco (Cepe) o livro Literatura, meu fetiche, coletânea de ensaios produzidos durante a penúltima década para sites, publicações acadêmicas e apresentações orais.

Professor universitário, poeta, biógrafo e antologista, Italo é organizador de compilações como Os cem melhores contos brasileiros do século e Os cem melhores poemas brasileiros do século. “Quando digo que a literatura é o meu fetiche, é no sentido de que ela é um objeto de devoção da minha parte, sobre o qual me debruço de maneira ávida, procurando um gozo particular”, conceitua.

A obra é organizada pelas escritoras e professoras de teoria literária Ieda Magri e Paloma Vidal, de quem partiu a ideia de produzir o livro. Os textos foram revistos e atualizados pelas organizadoras, em constante diálogo com Italo, um trabalho a seis mãos. “Foi uma curadoria afetiva conjunta”, pontua Italo.

Fruição

Na primeira parte da publicação, encontram-se ensaios gerais sobre a literatura contemporânea a partir dos anos 2000, analisando mudanças proporcionadas pela cultura digital e novas dinâmicas de circulação e fruição da arte. A segunda parte, tem textos sobre autores como Clarice Lispector, Caio Fernando Abreu, Torquato Neto e Michel Foucault. “Um dos meus argumentos, no livro, é que a gente precisa acreditar que a literatura tem valor próprio, a priori, para que a literatura consiga sobreviver. Então eu, na verdade, faço um elogio da literatura como um fetiche”, considera.

Em cada texto, pulsam algumas das preocupações centrais do autor: a defesa de uma nova pedagogia, a via de mão dupla com o mercado e o reconhecimento de novas vozes e atores no campo literário. “A partir dos anos 2000/2010, a vida literária vai assumir uma dimensão mais próxima do mercado e das relações profissionais. Vão surgir circuitos de fabricação de celebridades, a influência da televisão. A relação com as editoras, às vezes no circuito de editoras pequenas, vai ser mais determinante do que a participação no mundo da cultura e da crítica universitárias”, explica. “Esses meus textos são marcados pela defesa de uma pós-graduação em literatura, que seja formadora de profissionais do livro para o mundo editorial e midiático. Estão muito marcados por esse caráter do fetiche como algo positivo.”, conclui.

Quatro perguntas// Italo Moriconi

Como se deu a seleção e edição dos textos do livro?

Acabou sendo uma coisa coletiva que eu fiz com a Paloma e, depois, a Ieda entrou e essa escolha foi sofrendo modificações. Basicamente, é uma coletânea de tudo que eu escrevi na minha vida profissional enquanto professor universitário. A maioria desses textos foi escrita para periódicos universitários. Nas conversas com Paloma, foi se afunilando o projeto. O pontapé inicial foi dado pela Paloma, que leu a primeira montanha de textos. A Ieda teve também um papel muito importante na edição de alguns ensaios, porque, em alguns casos, eu tinha dois ou três ensaios que eram parecidos. A gente escolheu o melhor e a Ieda editou.

Os textos passaram por algum tipo de adaptação ou atualização?

São textos que estavam esgotados e que sempre foram lidos e valorizados pelos leitores quando circulavam academicamente. É um balanço do panorama cultural brasileiro no início do século 21. Como só saiu em 2020, quando já se passaram duas décadas inteiras do século 21, eles foram atualizados. Eles não foram reescritos, mas eu incluí coisas, porque eles eram muito contemporâneos, mas poderiam se tornar mais atuais ainda.

Desde o período em que você escreveu originalmente os ensaios, o que mudou e o que continua valendo no cenário da literatura brasileira contemporânea?

Uma diferença muito grande é uma politização que vai acontecer naturalmente a partir de 2013 com as manifestações (de junho daquele ano), e vai se exacerbar completamente a partir de 2016, do impeachment da Dilma. Então, todo o ambiente cultural é mexido, aparece uma direita, elege-se um presidente de extrema direita, derruba-se um presidente, então todo aquele Brasil, de certa forma, estável, ao qual se referia minha relação (nos ensaios) entre universidade e mercado, todo aquele contexto que era dotado de uma certa estabilidade perdeu essa estabilidade, e as posições que estavam no topo passaram a ser as combatidas. Todos os favores do Estado foram perdidos para os direitos básicos, que a gente achava que era autoevidente. Hoje, eu diria que a literatura está em uma de ativismo, mas isso não quer dizer que ela seja panfletária. Mas aparecem esses valores, questões de identidades – negra, mulher, trans – e desidentidades, o jogo político contemporâneo. Já na década de 2010, e agora, em 2020, se coloca muito esse conflito entre identidade e desidentidade. Então, estamos em um momento em que tanto uma quanto a outra se manifestam esteticamente de maneira política. A resistência está sendo pela literatura e pelas artes, e até com pandemia. Essa é a grande diferença entre o contexto dos anos, digamos, de 2008 até 2016. E aí veio o trauma do impeachment e da campanha contra o PT, que foram aspectos muito importantes. Tento, no meu ensaísmo, naquilo que ele possa ter de político imediato, não ser partidário. Estou falando do ponto de vista de um trauma sofrido pela cultura crítica e universitária brasileira. Então, houve um trauma sofrido e criaram-se as condições para uma cultura de resistência e ativismo, em diálogo tenso com os discursos propriamente políticos. Mas ela está sendo muito o discurso de “como eu vivo a política”. Muitos textos que eu tenho lido de ficção, dos nossos melhores escritores, são muito isso, “como eu vivo”. É a vivência de um conflito coletivo pelo sujeito individual. Como se dá a questão do racismo em mim, que sou objeto dele. Como se dá a questão da violência da mulher em mim, que sou mulher. Então, acho que essas marcas politizantes são muito mais proeminentes em 2020 do que eram em 2010, que é o clima geral desses ensaios meus.

E a crítica literária, como foi afetada por estes novos tempos?

A crítica universitária não morreu. Pelo contrário, ela floresceu. Mas aquilo que determinava mesmo as coisas era muito mais a inserção profissional e o mundo editorial. O curador passou a ser uma das grandes figuras desse momento na vida literária brasileira, ou os próprios editores, figuras assim. Quer dizer, a defesa de um lugar para o doutor em letras, doutor em literatura como sujeito preferencial para posições decisórias no mundo editorial continua válido, o que não prejudica em nada o aspecto mais erudito, a pesquisa de arquivo, a pesquisa histórica e a crítica séria. A avaliação do literário está mais diluída, hoje. Você tem a rede, os blogs, os influencers, os booktubers. Então, você tem uma possibilidade de vivência e de avaliação da literatura mais espraiada e um pouco anônima, onde você não tem o espaço público comum. Tem nomes e os seus seguidores. Mas a crítica, enquanto tal, sobrevive, em alguns suplementos que ainda se dedicam a isso. A crítica universitária tem uma importância porque é ela que lê com mais cuidado, mais atenção, os livros.

*Estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira

Literatura, meu fetiche

De Italo Moriconi. Cepe editora. 228 páginas. R$ 45 (impresso) e R$ 18,90
(e-book), à venda pelo site da editora (www.cepe.com.br/lojacepe/) ou nas livrarias. Live de lançamento hoje, às 19h, pelo canal da editora no YouTube, com conversa entre Italo Moriconi, Ieda Magri e Paloma Vidal com mediação de Schneider Carpeggiani.

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