Recado
“O pensamento voa. As palavras vão a pé. Aí está o drama do escritor.”
Julien Green
Este, esse ou aquele?
Paulo, funcionário do Banco Central, quis mudar de ares. Foi requisitado para o Ministério da Economia. No ofício de encaminhamento, o BC frisava que “os ônus correrão por conta dessa instituição”. Chegou o fim do mês. Cadê salário?
O banco dizia que o ministério deveria pagar. O ministério dizia que era o banco. E daí? O xis da resposta estava no pronome “dessa”. Impõe-se conhecer o emprego do este, esta, esse, essa, aquele, aquela.
Eles são dedos-duros. Indicam situação no espaço, no tempo e no texto. Desvendado o mistério, oba! A resposta brilha.
Discurso
Para entender o assunto, lembre-se das pessoas do discurso. Discurso, no caso, significa conversa. As pessoas do discurso são as que tomam parte em um bate-papo. São três. Uma fala (1ª pessoa). Outra escuta (2ª pessoa). A última é o assunto, sobre o que se fala (3ª pessoa).
Imagine que Rafael telefone para João e lhe pergunte se foi ao cinema. No caso, Rafael fala. É a 1ª pessoa. João escuta. É a 2ª. Do que eles falam? Da ida ao cinema. É a 3ª.
1. Situação no espaço
Este indica que o objeto está perto da pessoa que fala (pode ser reforçado com o advérbio aqui): esta bolsa (aqui); este jornal (referindo-se ao jornal que está perto); esta sala (a sala onde a pessoa que fala ou escreve está).
Esse informa que o objeto está perto da pessoa com quem se fala (pode ser reforçado com o advérbio aí): esse livro aí (o livro está perto da pessoa com quem se fala); essa sala (a sala onde a pessoa com quem se fala ou a quem se escreve está).
Aquele diz que o objeto está longe tanto da pessoa que fala quanto da pessoa com quem se fala (pode ser reforçado pelos advérbios lá ou ali): Aquele quadro lá; aquele livro ali.
A solução do drama do Paulo está nesse emprego. O essa se refere ao ser com quem se fala. No caso, o Ministério da Economia. Se fosse o Banco Central, o texto diria que os ônus correriam por conta “desta instituição”.
2. Situação no tempo
Este indica tempo presente: este ano, este mês, esta semana (o ano, o mês e a semana em que estamos); este fim de semana (o fim de semana próximo, que o falante considera presente).
Esse ou aquele exprimem tempo passado (esse, passado próximo; aquele, distante): Visitei Santos pela primeira vez em 1970. Nesse (ou naquele) tempo, eu morava em Porto Alegre.
Eis um nó
Como saber se o passado é próximo ou remoto? Guarde isto: presente se escreve com t. Este e esta também. Passado se grafa com ss. Esse e essa idem.
3. Situação no texto
Este indica referência anterior: Paul Valèry deu esta sugestão aos escritores: “Entre duas palavras, escolha sempre a mais simples; entre duas palavras simples, escolha a mais curta” (a sugestão é anunciada antes e expressa depois).
Esse anuncia referência posterior: “Entre duas palavras, escolha sempre a mais simples; entre duas palavras simples, escolha a mais curta.” Essa sugestão, escrita por Paul Valèry, é um dos mandamentos do texto contemporâneo.
Resumo da ópera
Situação no espeço: perto da pessoa que fala (esta, este, isto), perto da pessoa com quem se fala (essa, esse, isso), perto da pessoa de quem se fala (aquela, aquele, aquilo).
Situação no tempo: presente, passado e futuro próximos (esta, este), passado distante (aquela, aquele).
Situação no texto: referência anterior (esta, este), referência posterior (essa, esse).
Leitor pergunta
Ora ouço dois milhões de doses. Ora, duas milhões de doses. Quem está certo?
Joel Machado, Guarujá
Milhão é masculino e não abre: um milhão de doses, dois milhões de doses.
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