Foi num repouso tranquilo, entre sonhos, que o roteirista francês Jean-Claude Carrière morreu, ontem (8/2), pelo que informou a filha dele Kiara à imprensa internacional. Antes de toda a carga cultural que o levou à escrita de livros como A linguagem secreta do cinema e Prática do roteiro cinematográfico, além da perspectivas multiculturais cravadas em Índia, um olhar amoroso e Contos filosóficos do mundo inteiro, Carrière acumulou a sabedoria e o ideal de se ver como um escritor "a serviço de autores". Vale lembrar que as colaborações o posicionaram a lado de mestres das artes como Buñuel, Andrzej Wajda e Milos Forman. Carrière será enterrado ao sul da França, na região de Hérault, onde foi criado em meio à vinícola familiar.
Diretor da escola de cinema pública La Fémis, Carrière foi um dos grandes pesquisadores da linguagem do cinema. Interesses múltiplos trouxeram o olhar dele para o Brasil, com incursões únicas como o comando de um curso de roteiro, promovido em Brasília pela Funarte, em 1996. Inspirado no país, escreveu Brasil em tempo de cinema e, atento à condição fragilizada de indígenas, não se limitou a colaborar no roteiro de Brincando nos campos do Senhor, de Hector Babenco; tendo ainda dado base a um espetáculo, como Paulo José, feito em 2000, a partir da obra A controvérsia. Na criação, justiça e religião pactuam acercam da existência da alma entre indígenas colonizados no século 16.
Ganhador de um Oscar honorário, em 2015, pelo conjunto da obra, mais de 50 anos depois de uma estatueta anterior, pelo curta Feliz aniversário, feito ao lado do artista gráfico Pierre Étaix, Carrière foi um empenhado Bibliófilo e aprofundado estudioso da religião e das crenças mundo afora. Mas o cinema sempre trouxe maiores holofotes, desde a escrita do segundo livro, Meu tio, que veio apoiado na obra imortal de Jacques Tati para o cinema. Autor de roteiros fundamentais na filmografia do espanhol Luis Buñuel, entre os quais A bela da tarde (1967), O discreto charme da burguesia (1972) e Esse obscuro objeto do desejo (1977). A parceria foi tão intensa que Buñuel confiou a Carrière a "autobiografia" chamada Meu último suspiro.
Ao lado da esposa iraniana Nahal Tajadod, Carrière assinou traduções, entre criações literárias entre ensaios (o último sendo O vale do nada, de 2018), romances e séries de entrevistas. Verter pensamentos e crenças milenares para textos reflexivos, levou o escritor a ter encontros com personalidades como o Dalai Lama e, na base do sincretismo, esteve engajado na série assinada pelo inglês Peter Brook, que comandou uma obra audiovisual com mais de cinco horas de duração, nos anos de 1990: O Mahabharata (adaptado da mitologia).
No cinema, ao lado do diretor Louis Malle, em Viva Maria! colocou as estrelas Brigitte Bardot e Jeanne Moreau a cantar em cena, com letras de sua autoria. O apreço pela literatura aproximou Carrière de Philipp Kaufman, com quem colaborou em A insustentável leveza do ser (1988) e o gosto pelas artes plásticas o colocou em parceria com o cineasta Julian Schnabel (em O portal da eternidade, em torno do icônico van Gogh).
O roteiro de um longa inédito, chamado The crusade, firmou das últimas parcerias com cineastas, tendo por companheiro o ator e diretor Louis Garrel, astro e filho do diretor Philippe Garrel, com quem Carrière realizou muitos trabalhos, entre os quais o elogiado O sal de lágrima (2020). Para Louis, ainda assinou o roteiro de Um homem fiel (2018) e, com Phillipe, fez Á sombra de duas mulheres (2015) e Amante por um dia (2017).
Importantes roteiros de Carrière
A bela da tarde (1967)
O discreto charme da burguesia (1972)
Esse obscuro objeto do desejo (1977)
Danton, o processo de uma revolução (1982)
A insustentável leveza do ser (1988)
O Mahabharata (1989)
Cyrano de Bérgerac (1990)
Brincando nos campos do Senhor (1991)
Sombras de Goya (2006)
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