Em 2015, acometida por uma síndrome que imobilizou braços e pernas, Kelly Amorim perdeu as esperanças. “Fiquei sem emprego e minha casa. Não tinha mais esperança de fazer nada na vida e foi aí que o grafite entrou na minha história. Conhecia outras artes, mas nenhuma delas veio até onde eu estava. Ele me devolveu a esperança e me permitiu fazer algo na situação em que me encontrava”, relembra a jovem de 28 anos, que há dois anos leva cores para diferentes pontos de Brasília sob a assinatura de Key Amorim.
Com o seu relato e a sua arte, Key Amorim integra e personifica um dos eixos de discussão e reflexão propostos pela 1ª Virada Criativa de Brasília, um festival com artistas e painelistas de todas as regiões do Distrito Federal, que começa hoje. Dividido em quatro frentes, o evento virtual propõe o debate sobre vivências, resistências e transformações incorporadas a partir das temáticas ambientais, culturais, econômicas e sociais. “Como fazer com que um evento virtual pudesse ser forte e ter um grande potencial de encantar? Nossa arma foi ter uma curadoria bem focada na cultura popular brasileira, nos povos e artistas periféricos e nas pessoas que normalmente são marginalizadas dos centros de poder, econômico e da cidade”, explica, Ian Viana, presidente do Instituto No Setor, um dos idealizadores do evento.
Com foco na cultura periférica, o evento, idealizado pela Instituto Rosa dos Ventos e pelo No Setor, conta, ao todo, com cinco debates on-line e quatro webséries gravadas, com cerca de 45 participantes, que buscam representar, na essência, a diversidade do patrimônio que compõe o “ser” cerratense. Os quatro eixos serão apresentados, um por semana, e servem como guia para toda a programação. O evento começa nas quintas-feiras com um debate on-line, ao vivo, que abre as atividades e, às sextas-feiras, um episódio da websérie com painel, atrações musicais, visuais e cênicas encerra o conteúdo.
Visibilidade
Criada antes da pandemia, a Virada Criativa nasceu com a proposta de ser um evento com programação 24h em diferentes pontos do Setor Comercial Sul, lugar no qual o No Setor atua, com ocupação urbana e atividades de ressignificação do espaço. Com as recomendações de isolamento e distanciamento social, o projeto foi remodelado e migrou para a internet, sem perder a essência. “A curadoria pensou além dos números, pensou em quem precisa ser valorizado e ainda não está sendo valorizado da forma como deveria. Temos mestres e mestras da cultura popular muito potentes nas suas artes e que são esquecidos. Não tocam nas rádios, nos programas de tevê, nos canais do YouTube. Como estamos inseridos em um território que sofre muito estigma, o mínimo que a gente faz é tentar acolher, estender a mão, por saber que é muito bom e não está sendo visto da forma como deveria. É usar a visibilidade de uma forma positiva”, detalha Viana.
Os quatro eixos estabelecidos dialogam com o trabalho desenvolvido pelo No Setor. “É o pensar globalmente e atuar localmente”, define Viana. “A partir do Setor Comercial Sul e da nossa atuação cotidiana, a gente pensa no estado, no país, no continente e no mundo. É como se déssemos um zoom no que está sendo feito para tentar expandir e pensar o DF, o Centro-Oeste e o Brasil”.
A estreia do projeto é com o debate do eixo ambiental, intitulado Como lidar com o absurdo instaurado?, em referência à necessidade de se pensar alternativas de sustentabilidade, e com o lançamento da Feira do Empreendedorismo Cultural, na loja online “Mercado dos Ventos”, com marcas de produtores locais.
Na segunda e terceira semanas, serão apresentados os eixos cultural e econômico numa perspectiva de aproximação. No cultural — A atuação cultural como ferramenta de transformação —, a narrativa visa dar luz às contradições sociais, políticas, sentimentais e, portanto, culturais. No eixo econômico, o debate gira em torno da contradição entre escassez de material e a infinita capacidade de a cultura se reinventar e criar boas alternativas — Cultura popular e a escassez material.
Por fim, a última semana dá luz ao eixo social — Crise e a alternativa de existência, no qual será abordado o valor das conexões plurais como meio de combate à miséria e ao desencanto. “Foi muito importante participar do projeto, ainda mais no Setor Comercial Sul, que é um setor que respira cultura há anos em Brasília. Além disso, o festival resgata a história e traz eixos de pensamentos que devem ser conversados não só pelo setor cultural, mas pela sociedade em si”, comenta Key.
Com traços e cores fortes, a artista tentou passar uma mensagem de pertencimento e empoderamento feminino e negro no trabalho que apresenta. “De que a mulher, o preto e principalmente essa arte, o grafite, podem ocupar esse espaço. Quis trazer também o povo nordestino, o povo negro que veio construir Brasília, pessoas que vieram para o centro e foram marginalizadas”, descreve. Além dela, outros nomes se unem na variada e extensa programação do evento. São eles, Ellen Oléria, GOG, Mestra Martinha do Côco, Batalá, Emília Monteiro, entre outros.
O Bando Matilha, do Gama Leste, leva para o festival, dentro do eixo ambiental, a apresentação de capoeira intitulada BÊ-A-BÁ do Berimbau. “Não tem como falar da capoeira e não falar da mata”, afirma o professor conhecido como “Tá Ligado”. “Por si só, o nome dela é mato ralo. Durante anos, a mata serviu de casa, de abrigo nas fugas, como templos. A gente traz essa homenagem aos seres e aos orixás”, descreve. Além disso, o professor pontua que os próprios instrumentos musicais da capoeira vêm da mata, como o berimbau, a cabaça, as madeiras do tambor. “Desde a luta como ancestralidade até culturalmente, e sendo apresentado artisticamente, a gente tenta passar tudo isso de preservação, de respeito e de culto”, acrescenta.
1ª Virada Criativa de Brasília
De hoje até 5 de março. Transmissão pelo Twitch TV No Setor. Evento gratuito. Livre para todos os públicos
MÚSICA
» Emília Monteiro e Felipe Fiúza
» GOG
» Duo Strauss-Janoville e Leo Brito
» Breno Alves e Ana Reis
» Batalá e Mestra Martinha do Côco
» Éllen Oléria
» Tambor de Crioula Flores de São Benedito e Duo Alvenaria
» Murica e Thabata Lorena
ARTES CÊNICAS
» Bando Matilha
» Pedro Caroca, com o espetáculo O Violinista Mosca Morta
» Marina Mara, com a performance BlasFêmea
» Performance de Ultra Martini
ARTES VISUAIS
» Tatá Weber
» Breu
» Key Amorim
» Clube de Colagem de Brasília
» Soneka
Confira a programação completa:
11/02 – LANÇAMENTO DA 1ª VIRADA CRIATIVA
Lançamento da Feira do Empreendedorismo Cultural “Mercado dos Ventos”
EIXO AMBIENTAL: Como lidar com o absurdo instaurado?
11/02 - 19h às 22h: Debate Online 1
- Mediação: Aretha Monteiro (Cientista ambiental do Instituto No Setor)
- Ana Arsky (Processos regenerativos x processos de escassez)
- Bruno Macedo (Um novo modelo de interagir com o planeta)
- Fernanda Bocorny Messias (A criatividade como dimensão da sustentabilidade)
- Rafael Reis (Economia Circular e Transformação Territorial)
12/02 - 18h: Websérie 1
- Painelista Convidada: Mãe Darilene
- Intervenção Arte Urbana: Soneka (grafite)
- Artista Cênico: Bando Matilha
- Artista Musical Local: Emília Monteiro e Felipe Fiúza
- Artista Convidado: GOG
EIXO CULTURAL: A atuação cultural como ferramenta de transformação.
18/02 - 19h às 22h: Debate Online 2
- Mediação: Sammara Oliveira (Produtora executiva do Instituto Rosa dos Ventos)
- Mestra Betinha do Asè Dudu (A mulher na cultura tradicional)
- Celin du Batuk (A experiência inclusiva do Grupo Cultural Batukenjé)
- Layla Maryzandra (Tranças em verbos nagôs)
- Mr.PinGO (Fala sobre sua trajetória pessoal na Cultura)
- Professor Luciano (A contextualização da dança em vários conceitos)
19/02 - 18h: Websérie 2
- Painelistas Convidados: Kirá e a Ribanceira e Larissa Umayta
- Intervenção Arte Urbana: Key Amorim (grafite) e Clube de Colagem de Brasília (entrevista)
- Artista Cênico: Pedro Caroca (espetáculo “O Violinista Mosca Morta”)
- Artista Musical Local: Duo Strauss-Janoville e Leo Brito
- Artistas Convidados: Breno Alves e Ana Reis
EIXO ECONÔMICO: Cultura popular e escassez material.
25/02 - 19h às 22h: Debate Online 3
- Mediação: Luisa Porfírio (Coordenadora do núcleo de direito à cidade do Instituto No Setor)
- Angelo Varella (Como melhorar a sociedade por meio da Arte e da Cultura?)
- Aryane Sánchez (Gestão da Carreira Criativa)
- Chris Ramirez (Ativismo cultural e a lei Aldir Blanc)
- Thay (Economia Criativa como Solução para os 4 eixos: ambiental, cultural, econômico e
social)
26/02 - 18h: Websérie 3
- Painelistas Convidados: Samba de Folha e Professora Mutante
- Intervenção Arte Urbana: Breu (grafite)
- Artista Cênica: Marina Mara (performance “BlasFêmea”)
- Artista Musical Local: Batalá e Mestra Martinha do Côco
- Artista Convidada: Éllen Oléria
EIXO SOCIAL: Crise e alternativa de existência.
04/03 - 19h às 22h: Debate Online 4
- Mediação: Lara Oberdá (Agente comunitária do Instituto No Setor)
- Abder Paz (Mercado Sul como espaço de resistência)
- Flora Carolina (Empretecendo o autocuidado)
- Max Maciel (A periferia é o centro)
- Rebeca Realleza (O rap e o trabalho social)
05/03 - 18h: Websérie 4
- Painelista convidada: Dona Conceição (ambulante do SCS)
- Intervenção Arte Urbana: Tatá Weber (instalação artística)
- Artista Cênica: Ultra Martini (performance)
- Artista Musical Local: Tambor de Crioula Flores de São Benedito e Duo Alvenaria
- Artistas Convidados: Murica e Thabata Lorena
05/03 – ENCONTRO DOS EIXOS
Debate via zoom aberto a participantes e espectadores para refletir sobre as alternativas e os
desafios dos quatro eixos. Vai acontecer assim que a websérie do eixo social terminar.
Transmissão: Twitch TV No Setor
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