Notre Dame: antes de pensar na comédia dirigida e estrelada por Valérie Donzelli esqueça as duas referências que vêm à mente, quando se fala do templo católico; o filme não traz nem dados do incêndio de 2019 e, no enredo, também não versa sobre o clássico literário de Victor Hugo, que trazia a referência ao deformado protagonista, um sineiro de bom coração.
Mas, sim há referência sutil ao universo Disney (que adaptou O corcunda de Notre Dame e gerou Mary Poppins, que é citada em brevíssimo momento), por causa do detalhe que embala a comédia leve conduzida
por Donzelli. A protagonista é Maud, uma arquiteta grávida que não partilha da política de trabalho extra, no horário de expediente, corriqueira entre os colegas. Envolvida com plantas e maquetes, a serviço do intransigente chefe, Maud cairá nas graças da prefeita de Paris, devido a equivocado enaltecimento de um projeto dela abraçado como um modelo para a esplanada próxima ao metrô, avizinhada da famosa catedral.
Ainda que com um cotidiano desfigurado por atrocidades (no transcorrer do longa, um anônimo estressado distribui tapas à revelia entre desconhecidos), Maud preserva certa ingenuidade e segue a vida em frente. No empenho em fortalecer o turismo e integrar a sociedade, na circulação pelo metrô, porém a arquiteta contará com uma caça às bruxas, visto que, pela opinião pública, encampa um projeto arquitetônico assemelhado a um pênis.
Entre protestos e a discussão dos limites das artes, a diretora sabiamente expõe o debate sobre purismo e intransigência, remetendo à perseguição real ao artista conceitual Daniel Buren, que responde pelas 200 colunas integradas no pátio adjunto ao Palácio Real (Paris). A intervenção nos jardins e arredores trouxe bom burburinho. E que, na ficção, faz eco com os 121 milhões de euros a serem aplicados nas metas de Maud, vista como devaneio para alguns críticos.
Recorrendo a um estranho e festivo número musical ao fim do filme, Valérie Danzelli por vezes força na busca pela harmonia atrelada em contraponto à vida caótica que Maud conduz. Das escapadelas com o ex-marido Martial (Thomas Scimeca), que não descola da da antiga morada, e se apresenta sempre nu, até a trepidante investida amorosa feita junto ao jornalista Bacchus (Pierre Deladonchamps), Maud se revela presente, como uma mulher comum, sem problematizar desmedidamente o mundo. Divertido e leve, Notre Dame traz um estranho presságio (ainda que descolado da pandemia): por horas, uma rósea névoa tóxica obriga franceses à quarentena.
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