Mostra

Violência, terror e luxúria, com toque retrô, dão tom de mostra no CCBB

Com exibição de praticamente um décimo da produção do estúdio de terror Hammer, mostra do CCBB reúne filmes ingleses de Drácula e Frankenstein, aqueles que todos temem

Ricardo Daehn
postado em 16/02/2021 10:10 / atualizado em 17/02/2021 13:32
'O cão dos Baskervilles' (1959) traz Peter Cushing vivendo Sherlock Holmes -  (crédito: Hammer/ Divulgação)
'O cão dos Baskervilles' (1959) traz Peter Cushing vivendo Sherlock Holmes - (crédito: Hammer/ Divulgação)

Sempre destacado para interpretar o esbelto e sensual vampiro Drácula, por incontáveis vezes, o ator Cristopher Lee teve como colega de cena Peter Cushing. Requisitado para encenar Frankenstein, em incontáveis ocasiões, Cushing chegou a brincar: "Se eu vier a interpretar Hamlet, seguirão dizendo tratar-se de um filme de horror". Mortos, respectivamente, em 2015 e em 1994, Lee e Cushing, entre os espectadores nerds associados às participações em O Senhor dos Anéis e em Guerra nas estrelas, reinam absolutos na telona, na programação de filmes integrada na mostra (com entrada franca) Estúdio Hammer — fantástica fábrica de horror, a partir de hoje (16/2) e até 14 de março no CCBB. Eduardo Reginato e Danilo Crespo respondem pela curadoria.

Montada com exibição de 30 filmes, a mostra contempla a décima parte da produtora inglesa Hammer, influente nas obras de Quentin Tarantino e Tim Burton entre outros. Considerado um gênero, o Hammer horror foi instituído pela lucrativa empresa criada por Will Hammer e pelo exibidor James Carreras. O auge da produção dos filmes se deu entre 1954 e 1968. Antes que Roger Corman produzisse fitas adaptadas dos livros de Edgar Allan Poe, encabeçadas por Vincent Price, a Hammer já calibrava erotismo com as participações de expoentes como Ursula Andress e Raquel Welch, em filmes que não poupavam exposição de sangue e demais elementos visuais, e, por vezes, contavam com talentos consagrados como os de Joan Fontaine e Nastassja Kinski, por exemplo.

'O monstro do Himalaia' (1957) abre a mostra, hoje (16/2), às 18h, no CCBB
'O monstro do Himalaia' (1957) abre a mostra, hoje (16/2), às 18h, no CCBB (foto: Hammer/ Divulgação)

Embalada para agradar ao gosto popular, a Hammer usou uma casa de campo em ficavam os Bray Studios, tendo conquistado, pelos resultados, distinções como o Queen´s Awards for Industry. Para se ter ideia, A maldição de Frankenstein (1957), feito a partir de 65 mil libras, rendeu 2 milhões de libras (a metade por causa de espectadores americanos). Mesmo diretor por trás da façanha, Terence Fisher se projetou com o clássico Vampiro da noite (1958), tendo por base o texto de Bram Stoker. A glacial presença de Christopher Lee, com o personagem que traz caixão forrado de terra e hábitos noturnos, implanta o desespero em figuras como Arthur, Jonathan Harker e as moças Lucy e Mina, além da empregada Gerda (Olga Dickie), que, apavorada, reluta em ações simples como adentrar uma adega, por causa das assombrações.

'As noivas de Drácula' (1960): produto com a assinatura de Terence Fisher
'As noivas de Drácula' (1960): produto com a assinatura de Terence Fisher (foto: Hammer/ Divulgação)

Dono de agilidade nas filmagens e editor desde 1933, Terence Fisher, um ex-marinheiro mercante e vitrinista, foi o típico autor do estilo Hammer, tendo assinado filmes como As noivas de Drácula (1960) e Drácula, príncipe das trevas (1966). Valorizado na França, por vezes, amargava crítica de não ter filmografia à altura dos produtos de terror da Universal, populares desde a década de 1930.

Dicotomias de personalidade (O monstro de duas caras, de 1960), obsessão pelo rejuvenescimento (O homem que enganou a morte, de 1958) e, em Frankenstein tem que ser destruído (1969), a idealização de um transplante de cérebro (arquitetada pelo personagem de Cushing) estão entre os registros de Fisher que, em A Górgona (1964), deu à atriz Prudence Hymann a personagem que petrifica vítimas. A diversificação dos filmes da Hammer trouxe às telas personagens como o Sherlock Holmes de Peter Cushing, em O cão dos Baskervilles (1959), destacado para proteger uma família de um cão vindo do inferno.

Confira o trailer de A múmia (1958)

Origens

Vindo de Hollywood e com estilo documental adquirido ao servir na Segunda Guerra, Roy Ward Baker foi outro diretor consagrado pela Hammer. Um ano antes de assinar O médico e a irmã monstro, fundado na trama da vida eterna para o monstro que, progressivamente, consome hormônios femininos, Ward Baker, em, 1970, assinou os filmes O conde Drácula e Atração mortal, esse último em torno de uma condessa que se revela vampira. Entre extravagâncias, o diretor, ao lado do colega Cheh Chang, em A lenda dos sete vampiros, transpôs para a China o alcance do famoso personagem da Transilvânia.

'Os ritos satânicos de Drácula' (1973) será exibido no CCBB no dia 21, às 18h
'Os ritos satânicos de Drácula' (1973) será exibido no CCBB no dia 21, às 18h (foto: Hammer/ Divulgação)

Na mostra do CCBB, há lugar ainda para a lenda do Yeti, vertida para as telas por Val Guest, ex-jornalista em Hollywood e que assinou filmes de ficção científica, e em 1957, criou O monstro do Himalaia. Unidos pelo gosto das imagens elaboradas, os cineastas Freddie Francis e John Gilling, para além das experiência de combatentes ingleses, traçaram caminhos diferenciados. Freddie deslanchou na Hammer nos anos de 1960, depois de consagrada carreira de diretor de fotografia de longas como Os inocentes, Almas em leilão e Filhos e amantes (pelo qual ganhou o Oscar). Em 1968, ele conduziu Drácula: o perfil do diabo, com Christopher Lee. Tornado pintor na Espanha, John Gilling assinou filmes como Epidemia de zumbis e A serpente, ambos de 1966. No último, uma mulher é transformada pelo marido em réptil cultuado em estranho ritual.

Confira o trailer de A Górgona (1964)

 

 

Duas Perguntas// Eduardo Reginato

Qual o diferencial entre Hammer e os filmes de monstros dos anos 30 da Universal?

Os filmes de monstros do estúdio Universal dos anos 30 produziram filmes em preto e branco com forte influência estética do expressionismo alemão. Nesses filmes a luz e sombra eram os elementos que denotavam o terror. As caracterizações e interpretações, tirando a de Boris Karloff como a criatura de Frankenstein, eram bastante afetadas, remetendo ao cinema mudo. Além, de nenhuma sensualidade e violência gráfica presente nos filmes. A Hammer trouxe para o cinema um colorido incrível em sua fotografia e uma violência gráfica inesperada. Diferente da Universal, nos filmes da Hammer havia sangue, muito sangue vermelho vivo. Além de uma sensualidade nos monstros e nas vítimas que poucas vezes o cinema de terror possuiu. Enquanto a Universal era uma beleza plástica em seu preto e branco expressionista, a Hammer era uma explosão colorida de terror e desejo.

O que determinou a queda dos dividendos do estúdio?

Foram vários fatores. Mas, elenco alguns: primeiro foi o desgaste da fórmula da Hammer diante do cinema de autor, principalmente nos EUA, no final dos anos 60 e durante os anos 70. Havia uma revolução estética e cultural que modificava o terror também. Filmes como A noite dos mortos vivos, de George A. Romero, O Bebê de Rosemary, de Roman Polansky, O Exorcista, de Willian Friedkin e O massacre da serra elétrica, de Tobe Hopper, traziam uma violência estética e terror psicológico nunca vistos, além de questionamentos com temas atuais como o Vietnã, Watergate, crueldade, feminismo e racismo, longe dos filmes da Hammer que eram coloridas e fugazes manifestações do gótico e do vitoriano na Inglaterra. Segundo foi a crise do petróleo no início dos anos 70 que causou uma gravíssima recessão financeira mundial, mas na Europa foi bastante dramática ocasionando milhares de falências, índice de desemprego alarmante e crise financeira em todo o setor cultural.

Danilo Crespo, curador da mostra de terror
Danilo Crespo, curador da mostra de terror (foto: Arquivo pessoal)

Duas perguntas// Danilo Crespo

Qual o maior sucesso a ser mostrado e existe um lado B para a Hammer?

O maior sucesso da Hammer é O Vampiro da Noite (1958), e isso acontece em vários níveis: recriou o vampiro, dando cor ao sangue e sexualizando o ato da mordida no pescoço. Deu visibilidade a dois personagens incríveis em Drácula e Dr. Van Helsing, bem como seus atores fenomenais: Christopher Lee e Peter Cushing respectivamente. A Hammer cresceu a partir do lado B, mas até ela tem seu próprio lado B, por exemplo, na mistura ousada de vampiros com kung fu em A Lenda dos Sete Vampiros (1974).

Está ultrapassada a fórmula Hammer? Quem hoje em dia absorveu as qualidades da Hammer, assumidamente, se é que existiu fórmula?

A Hammer seguia, sim, uma fórmula muito importante para a sua época: seus filmes tinham monstros, sensualidade, violência gráfica e o bem que sempre derrotava o mal. As repetições desses elementos criaram familiaridade com a marca e fãs no mundo todo queriam sentir o horror de forma divertida. Apesar de ultrapassada como um todo, o mundo do cinema inteiro absorveu um pouquinho de cada aspecto da Hammer, de Zé do Caixão a Martin Scorsese, passando por Tim Burton e Guillermo Del Toro, e até em telenovelas brasileiras, como Vamp. Quem não se lembra dos vampiros de Ney Latorraca e Cláudia Ohana, as versões tupiniquins de Christopher Lee e Ingrid Pitt? Realmente, a Hammer influenciou muito.

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  • 'O monstro do Himalaia' (1957) abre a mostra, hoje (16/2), às 18h, no CCBB
    'O monstro do Himalaia' (1957) abre a mostra, hoje (16/2), às 18h, no CCBB Foto: Hammer/ Divulgação
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    'Os ritos satânicos de Drácula' (1973) será exibido no CCBB no dia 21, às 18h Foto: Hammer/ Divulgação
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    'As noivas de Drácula' (1960): produto com a assinatura de Terence Fisher Foto: Hammer/ Divulgação
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    Danilo Crespo, curador da mostra de terror Foto: Arquivo pessoal
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