Literatura se faz com histórias. De amor, de ficção, de suspense, de terror, de humor e também de fatos reais. A literatura brasileira está cheia delas. De Pero Vaz de Caminha, escrivão oficial da caravana de Pedro Álvares Cabral, a autores best-sellers internacionais, como Paulo Coelho, são inúmeras e diversas as narrativas. Contudo, pouca gente conhece os bastidores por trás de textos como o poema No meio do caminho, de Carlos Drummond de Andrade (confira trecho).
Os fatos — e causos — não revelados da literatura brasileira são, agora, protagonistas do novo livro do jornalista, escritor e cartunista Edson Aran. Em Histórias jamais contadas da literatura brasileira, o mineiro reúne pequenos contos, crônicas e anedotas que perpassam os maiores e principais expoentes da literatura, bem como os movimentos literários, mas sem a pretensão de explicá-los ou descrevê-los. “É um livro essencialmente de humor. São textos curtos, histórias inventadas, montadas em cima da literatura brasileira. É a nossa literatura, e tem muita gente interessante dentro dela. Você olhar para isso com humor e desmistificar coisas que são tão mistificadas é interessante. Poder dizer, por exemplo, que o Raul Pompéia é um péssimo escritor, só com o humor (risos). Até para valorizar quem é bacana. O humor e o livro se prestam a isso”, descreve Aran.
Escrito durante a pandemia do novo coronavírus, o livro, o primeiro lançamento da Revista Bula como editora, traz pequenos episódios de até quatro páginas, envolvendo esses escritores em situações divertidas e engraçadas. Com uma linguagem coloquial e parodiando o estilo e a forma de escrever de cada autor, Aran conta, por exemplo, como Pero Vaz de Caminha escreveu guias turísticos do Brasil; como foi o bate-boca entre Machado de Assis e José de Alencar na Confeitaria Colombo; e como Nelson Rodrigues supostamente se apaixonou por uma mulher comunista do calcanhar sujo — uma das histórias preferidas de Aran. O guru político da extrema-direita, Olavo de Carvalho, também não escapou e aparece com seu horóscopo para o jornal Terra Plana News.
“Tentei, sempre que necessário, entrar na linguagem do autor, parodiando mesmo. Mas é um livro de humor, a linguagem é o tema do livro o tempo todo”, afirma o escritor. “Muita gente leu sobre esses autores e essas escolas em algum momento da vida ou, ao menos, ficou sabendo. O livro é uma sátira literária em cima da nossa literatura. É sobre fazer humor sobre coisas que as pessoas levam muito a sério”, acrescenta. O trabalho, assim como as referências de Aran, resgata a pegada literário e ferina de nomes como Woody Allen e Millôr.
Além da irreverência textual e das referências dentro de cada conto, Aran usou do talento como cartunista para fazer as ilustrações do livro que também carregam sátiras. “Acredito muito que, cada vez mais, o livro físico vai virar um objeto de colecionador, como era antes. Então, um dos objetivos no início era, além de ser divertido, que fosse um livro bonito”, justifica.
Ao fazer uso do humor, o escritor caminha dentro de uma área que lhe é de costume. Mesmo quando atuava diretamente como jornalista ou em outras publicações da carreira esse senso estava presente. “Acho também que é uma vertente muito importante da nossa literatura que a gente não reconhece, que os acadêmicos não reconhecem. Ninguém leva a sério, mas, apesar de não ser para se levar a sério, é a coisa mais séria que existe, porque fala de cultura, da nossa sociedade e de outros temas importantes”.
Provocar o riso é, sem dúvidas, um dos objetivos de Histórias jamais contadas da literatura brasileira. Contudo, Aran confessa que, se o livro, além de divertir, servir como um guia de leitura, ficaria feliz — como leitor voraz que é. “É a literatura que vai construir o imaginário de um país. Não é um livro de autoajuda nem de ativismo. É preciso voltar a falar de literatura, de autores que são instigantes e inteligentes”, afirma. Para ele, o leitor certo encontra o livro certo.
Histórias jamais contadas da literatura brasileira
Bula Livros. 150 páginas. R$ 70. (na loja virtual da revista é possível comprar uma edição autografada do livro)
» Trecho
Carlos Drummond de Andrade e A pedra no meio do caminho
"Escrever um poema é uma atividade complexa e burocrática. É preciso aprovar o orçamento, selecionar as palavras certas e depois fazer um monte de combinações até que o texto fique pronto para chegar ao público.
Quem lê os versos acabados nem imagina o trabalhão que há por trás de cada um deles. Agora, pela primeira vez na história, você vai ver o making of de um poema! No caso, o famoso No meio do caminho, de Carlos Drummond de Andrade, com todas as anotações e correções do autor antes da versão final ir para as lojas.
No meio do caminho tinha uma pá
Tinha uma pá no meio do caminho
Comentário do poeta: Merda, isso tá parecendo bilhete do síndico. Pá não dá. Ok, vamos tentar de novo.
No meio do caminho tinha uma paca.
(...)
No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Comentário do poeta: Foda-se! Vai ficar pedra mesmo."
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.