Associada à astrologia e ao feminismo, Lilith volta e meia é pivô de polêmicas por colocar em xeque o início da humanidade tal qual é concebida religiosamente. Isso porque há correntes que acreditam que tenha sido ela, e não Eva, a primeira mulher do mundo. Nesta quinta-feira (25/2), foi a vez de brasileiros se juntarem à discussão, após um vídeo que questiona desde o papel dela e de Lúcifer no Éden, bem como na concepção de Caim e Abel. O termo “Lilith” acabou entre os principais tópicos de discussão no Twitter.
ISSO DEIXOU A BÍBLIA MIL VEZES MAIS INTERESSANTE pic.twitter.com/L3CRB3Guqy
— julia | ????: tog¹ (@leostolls) February 24, 2021
A narrativa gerou polêmica. Para explicar sobre esse tema, o Correio conversou com o historiador Rodolpho Bastos, que tem doutorado em história das religiões pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e realizou pesquisas sobre a figura mítica. “Lilith é uma das personagens mais controversas que existem na tradição judaica e cristã. Ela está em voga há algumas décadas, principalmente por ser entendida pelo movimento feminista como um ícone de insubmissão e subversão”, conta.
De acordo com o especialista, as interpretações sobre Lilith são variadas e começam em uma tradição sumério-acadiana, de aproximadamente seis mil anos antes de Cristo. Neste período, Lilith era vista como uma junção de três espíritos, todos associados ao submundo de trevas e escuridão.
Anos depois, ela viria a ser demonizada por hebreus. E o povo, que futuramente se tornaria judeu, também colocaria sobre ela uma característica negativa: um demônio feminino. O mesmo é interpretado atualmente no cristianismo. “No manual da inquisição para caçar bruxas, Lilith é classificada como um demônio sexual, que faz orgias e abominações sexuais. Para o cristianismo, ainda é um demônio”, afirma Bastos.
O historiador também conta que a polêmica de ter vindo antes de Eva é uma das interpretações mais conhecidas no mundo ocidental. Livros apócrifos, que não são aceitos pela Igreja Católica ou pelos protestantes, contam a história de que ela foi a primeira mulher de Adão — que seria o primeiro ser humano criado no mundo. Ela teria sido criada ao mesmo tempo que o homem, e do mesmo material, por isso, teria a personalidade de não aceitar receber ordens e querer igualdade.
Essa interpretação conta que Lilith teria constantes discussões com Adão e, com isso, chegou a enfrentar Deus e optou por sair do Jardim do Éden para viver no deserto. No novo local, teria se relacionado com um demônio e se tornado amaldiçoada. Com a sua ausência, criou-se Eva. Desta vez, a partir de Adão, para ser uma "extensão" do homem.
“Isso marca o principal argumento de padres medievais, de dizer que a mulher é inferior porque o nascimento é inferior e, por isso, ela deveria obedecer e seguir as ordens do homem”, explica. “Na idade média, em alguns imaginários, há essa associação entre Eva e Lilith. Feita pelo homem para ser auxiliar e serva. Eva ainda assim desobedeceu às ordens do criador e cede ao erro. As duas figuras são entendidas como entidades demonizadas. Lilith no judaísmo e Eva dentro da tradição do cristianismo”, completa.
Uma terceira interpretação sobre Lilith, no entanto, é positiva. Algumas crenças do neopaganismo, como a Wicca e algumas vertentes de bruxaria enxergam na figura uma divindade, com traços de autonomia e igualdade. "Normalmente mulheres vão ter algum tipo de identificação". A identificação em não haver submissão também é levada por alguns movimentos feministas.
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