A trajetória de Walter Brito: uma feliz exceção

» Naum Giló*
postado em 03/03/2021 19:41
 (crédito: Arquivo pessoal)
(crédito: Arquivo pessoal)

Nunca se discutiu tanto a questão racial no Brasil, bem como o legado que a população negra tem na construção do país. Após a onda de protestos em todo o mundo no ano passado, o racismo virou de vez uma pauta massificada, causando reflexões e ações em todos os extratos da sociedade. Muito ainda precisa ser debatido e mudado, mas é inegável que estamos em um momento de franca transformação. E é nesse momento que o jornalista Walter Brito decidiu lançar a segunda edição do seu livro Memórias de uma família negra brasileira, publicado inicialmente em 2006.
Agora com o título Vidas negras importam: memórias de uma família negra brasileira, Brito atualizou a obra de recordações pessoais e familiares com os últimos acontecimentos que mudaram os rumos da luta pela igualdade racial no mundo.

Trajetória

Para começar a falar da vida de Walter Brito, é necessário retornar no tempo, quando sua mãe, porteira de uma escola de Formosa (GO), cidade natal da família, com apenas dois anos de educação formal, repetia para os filhos o mantra “só uma educação de qualidade muda o destino de um povo”. E foi com esse valor que dona Dejanira Carvalho de Brito mudou o futuro da família, fazendo com que seus filhos virassem exceção numa época em que a desigualdade racial era ainda mais profunda.
Walter Brito e os irmãos conseguiram furar os diversos bloqueios sociais impostos às pessoas negras e puderam construir trajetórias de sucesso e reconhecimento, fios condutores do livro de sua autoria. O percurso de Brito começa ainda na educação básica, “no tempo que o ensino público era de qualidade”, segundo ele. “Aos 14 anos, fui editor do jornal estudantil da minha escola, em Formosa. O periódico falava de religião, esporte, interesses da classe estudantil e política, mesmo em tempos de ditadura. Foi aí que comecei a me interessar pelo jornalismo”, lembra o autor, que chegou a lecionar matemática para o ensino médio em Goiânia e Formosa, de onde saiu aos 16 anos.
Mudou-se para o Rio de Janeiro no fim da década de 1970, quando conheceu Leonel Brizola, recém-chegado do exílio político. Trabalhou na campanha do ex-governador, eleito em 1982 e, no mesmo pleito, ajudou na eleição do ex-deputado federal Carlos Alberto de Oliveira, amigo pessoal e autor da lei Caó, tida como uma das mais importantes no combate ao racismo.

Mudanças

Olhando para o Brasil de hoje, Brito enxerga avanços no movimento pelos direitos da população negra, e atribui isso a conquistas como as cotas raciais no ingresso das universidades públicas, mas ressalta: “Foi a comunidade negra organizada que gerou os questionamentos e as exigências que culminaram na adoção de políticas afirmativas, não um partido só”.
Na história, Walter lembra que o pós-abolição foi um período de grandes dificuldades para a população negra, que se viu abandonada assistindo as oportunidades de trabalho serem ocupadas por imigrantes europeus recém-chegados entre os séculos 19 e 20. “Por isso os negros são maioria entre os analfabetos, desdentados e descalços, e minoria no Congresso Nacional, por exemplo. É urgente que haja mais negros na política fazendo um trabalho pensando na nossa comunidade”, avalia.

*Estagiário sob a supervisão
de Fernando Jordão


Vidas negras importam: memórias de uma família negra brasileira

Walter Brito. Letra Capital. 211 Páginas. Preço: R$ 36.

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