Em homenagem ao cineasta e documentarista pernambucano Vladimir Carvalho, que completou 86 anos em janeiro deste ano, a Mostra Vlad 8.6, apresentada pelo Cineclube Macunaíma, exibe nesta terça-feira (9/3), às 18h, o filme O país de São Saruê (1979), pelo canal do YouTube da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). O documentário marca a carreira de Vladimir Carvalho e da história do cinema brasileiro como uma das melhores produções nacionais do gênero, segundo a crítica. Após a exibição do filme, o evento conta com um bate-papo, às 19h30, que conta, além do diretor, com o cineasta Silvio Tendler, o crítico de cinema Rodrigo Fonseca e a escritora Inez Cabral de Melo, com mediação de Ricardo Cota.
“Estão realizando várias mostras de cineastas brasileiros com curadoria e apresentação do Ricardo Cota e Silvio Tendler. Me convidaram para apresentar quatro filmes. O país de São Saruê é o primeiro. Depois vão exibir o longa O evangelho segundo Teotônio (1984), o Barra 68 - Sem perder a ternura (2001), e mais o Conterrâneos velhos de guerra (1990). São filmes de boa aceitação por parte do público, o evento ocorre todo virtual e fico muito feliz”, compartilha o documentarista.
A mostra, dentro da versão on-line do tradicional Cineclube Macunaíma carioca, é intitulada Vlad 8.6, como uma homenagem ao aniversário de 86 anos do cineasta, completados no final de janeiro deste ano. Sobre isso, ele brinca: “O foco pode ter sido também o meu aniversário de 86 anos, o que não é muita vantagem. Se eu tivesse feito, invés de 86, somente 80, ou se me levasse de volta para a década de 1970, eu faria mais uns três filmes. Mas essas coisas [mostras e homenagens] são boas, pois injetam uma certa energia e ânimo na gente, principalmente neste momento infeliz que o Brasil está atravessando”.
Quanto à seleção dos filmes para exibição, Vladimir conta que a equipe da ABI já tinha dois dos quatro títulos em mente, e lhe pediu mais duas sugestões.“Começa com O país de São Saruê, que foi o primeiro longa-metragem que eu fiz. Ele ficou retido na censura em 1970, e só foi liberado em 1979. Cumpriu nove anos de prisão e é um filme que deve muito ao pessoal de Brasília, pois foi estreado justamente no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro de 1979. Além disso, recebeu o prêmio especial do júri, o que pra mim foi uma festa. Era o último filme brasileiro em preto e branco, todo o cinema brasileiro já era colorido”, lembra o artista.
Sinopse
A partir de depoimentos reais, O país de São Saruê retrata a vida de lavradores e garimpeiros do Rio do Peixe, que fica entre os estados da Paraíba, Pernambuco e Ceará, mostrando o cotidiano de secas e pobreza da região sertaneja brasileira. O filme começa com um Monólogo sobre o sertão, leitura de um poema de Jomar Moraes. As entrevistas são inseridas aos poucos, contrapostas às cenas da tradição local, fotos antigas e músicas compostas por Luiz Gonzaga, José Siqueira, Ernesto Nazareth. Já o título do longa-metragem é inspirado no cordel do autor paraibano Manoel Camilo dos Santos, que versa sobre uma terra mitológica cheia de riqueza e fartura “toda coberta de ouro e forrada de cristal”.
Um fato curioso é o de que antes de ter sido retido pela censura militar, o projeto também precisou esperar o tempo e resistir ao clima. O documentário começou a ser filmado em 1966, porém, as gravações tiveram de ser suspensas por um ano, pois as constantes chuvas na região modificaram a paisagem. Só em 1967 é que as filmagens foram retomadas. “Eu fiz esse filme em três etapas e sempre respeitando a estação do momento. A estação que eu mais queria era a seca. Porque eu poderia mostrar um aspecto do sertão que as pessoas conheciam, mas era mais dramático e chamava mais atenção. Toda a vegetação, que era o que eu queria mostrar, aparecia no seu espectro queimado, e a terra calcinada”, destaca o diretor.
Bate - papo
Marcado para às 19h30, após a exibição do longa-metragem, um bate-papo com Vladimir Carvalho, acompanhado do cineasta Silvio Tendler, do crítico de cinema Rodrigo Fonseca e da escritora Inez Cabral de Melo, com mediação de Ricardo Cota, abre espaço de discussão sobre o filme e o cinema documental brasileiro. “Quando se exibe [um filme], dedicamos uma parte do tempo para discuti-lo. Mas,naturalmente, estamos abertos para questões mais atinentes ao cinema brasileiro, a evolução do documentário e toda essa pauta que é quase permanente, como as restrições que estamos sofrendo agora”, explica Vladimir.
Ele se refere principalmente às restrições sofridas pela Ancine, que considera uma das instituições mais importantes e um sustentáculo do cinema brasileiro e da produção audiovisual. “De uma tacada só, eles eliminaram diversas produções que dependiam de financiamento. É um absurdo, e não deixa de ser um golpe de censura, por ser demolidor e acabar com o que estava sendo feito. Perdemos o terreno conquistado, e não só por causa da pandemia que assola o mundo inteiro. Tantos jovens fazendo um belíssimo trabalho, os festivais a todo o vapor. Cortaram e desestimularam diversas fontes de fomento e recurso. De forma que não tem como nos conformarmos. O jeito é colocar a boca no trombone. Isso deve permear o debate”.
Por fim, o cineasta concorda que as mostras virtuais e a distribuição on-line têm sido uma forma de resistir aos desafios e está satisfeito em fazer parte do projeto. “Aos poucos estamos descobrindo essa coisa do virtual. Como os cinemas estão praticamente fechados, ainda mais agora nessa fase de lockdown, é a trincheira que temos. É uma forma de resistir até enquanto der. Não só para reafirmar o valor que o cinema tem na cultura, como destacar a formação e o retrato de um povo incrível como é o brasileiro, mas também cumprir com uma obrigação como cidadãos de lutar contra essa história. Eu fico muito feliz de poder participar”, finaliza.
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