MÚSICA

EP e songbook: Marina Lima conta detalhes dos novos trabalhos ao Correio

Spoiler: o EP traz quatro faixas, todas com a assinatura de Marina Lima, sendo duas totalmente autorais, com mixagem e remasterização de Carlos Trilha

Na plenitude dos 65 anos e quatro décadas de carreira, Marina Lima sentiu que havia chegado o momento de reunir sua obra num livro de música e letra. O songbook cobre o ciclo de 21 discos da cantora, compositora e arranjadora carioca, um dos nomes de maior relevância da música pop nacional. Do projeto faz parte também um EP com quatro canções inéditas, intitulado Motim. Todo o pacote acaba de ser disponibilizado gratuitamente nas plataformas digitais.

No decorrer de sua trajetória artística, Marina foi convidada para fazer algo semelhante, mas ela sempre achou que ainda não havia chegado a hora. “Quando comecei a aprender a tocar violão, ainda garota, comprava todos os songbooks que haviam, entre os quais os de Tom Jobim, Beatles e Bob Dylan. Achava que esse tipo de material ajudava muito quem quer se desenvolver musicalmente”, lembra a artista. “Mesmo quando já sabia tocar violão, sempre estudei, fiz aulas, tendo Luiz Bonfá, Baden Powell e Gilberto Gil como referências”, acrescenta.

Para o songbook, foram transcritas 175 canções, entre elas os clássicos Acontecimento, Charme do mundo, Fullgás, Não sei dançar e Pra começar, além de músicas de outros compositores, gravadas por ela. As transcrições foram feitas por Giovanni Bizzotto, músico, professor de violão e parceiro, que acompanha Marina desde a década de 1990, depois de serem integralmente revisadas pela cantora. A ele se juntaram na realização do projeto o cineasta e fotógrafo Candé Salles, responsável pelos vídeos e fotos; e Renato Gonçalves, mestre em comunicação, que cuidou da parte gráfica e revisão das letras.

O EP traz quatro faixas, todas com a assinatura de Marina Lima, sendo duas totalmente autorais, com mixagem e remasterização de Carlos Trilha. Pelos apogeus, que abre o repertório, segundo a cantora, é um retrato autobiográfico de sua trajetória: infância no Rio de Janeiro, ida para os Estados Unidos, volta ao Rio na adolescência, a meia-idade, “quando ocorreram coisas doidas e fascinantes, também”, lembra.

Motim, a segunda faixa, uma balada romântica que fala de encontros, desencontros e paixão platônica, flerta com a linguagem pop, e foi feita com Giovanni Bizzotto e Alvin L, o parceiro mais frequente. Em Kilamanjaro, que aponta para caminhos eletrônicos, ela tem a companhia de Alex Fonseca e Alvin L na criação. “Nunca havia feito algo similar. Quando a ouço, me vem a sensação que músicas de Renato Russo, Beatles e Radiohead me trazem”, observa. Em Nois, com a participação de Mano Brown, Marina fala deste momento, cheio de restrições. Num dos versos diz: “Rezar, pedi, torcer pra tudo passar/ Pra que a gente possa tão logo beijar, abraçar”.

» Entrevista // Marina Lima

O songbook, com toda sua obra pode ser visto como um balanço da carreira?
Em diferentes momentos da minha carreira fui procurada pelo Almir Chediak, que me propôs fazer um songbook. Na primeira vez, só tinha sete discos lançados e expliquei que ainda não se justificava. Ele voltou a falar sobre isso mais duas vezes, mas achei que não havia chegado a hora. Houve uma proposta também da Editora Irmãos Vitalle, que havia lançado livros com a obra de grandes nomes da música brasileira como Ary Barroso e Dorival Caymmi. Agradeci o interesse, mas também não aceitei. Em 2019, vi que tinha 21 discos gravados. Aí senti vontade de, finalmente, reuni minha obra autoral e também músicas de outros compositores que gravei num e-book, por achar que minha obra estava nos meus discos.

Além disso, o que foi determinante para produzir o e-book?
Eu tinha em mente fazer um songbook didático, interativo, simples e gratuito. Aí, o advento da pandemia me obrigou a ficar em casa. Vi que, com tantas restrições, a única maneira de não abrir um buraco na minha vida, era pegar esse tempo que teria e fazer alguma coisa produtiva. Então vi que havia chegado a hora de revisar as minhas músicas, registradas em 21 discos. Ao chegar no 13º, tive um ataque, pois não tenho temperamento de ficar olhando para trás, mesmo não tendo nada contra o que foi feito antes. É porque sempre me surgem ideias para fazer coisas novas. Tentei manter a calma, vi que não tinha saída, e revisei os 21 discos.

Foi depois disso que surgiu a ideia do EP com canções inéditas e autorais?
Pensei em algo visceral para lançar paralelamente ao songbook. Não seria mais um álbum, porque ninguém aguenta baixar 21 discos e mais um. A forma de consumir música hoje em dia mudou. Então decidi escolher quatro das músicas que havia composto mais recentemente, que mostram como sou agora e lançar um EP simultaneamente com o e-book nas plataformas digitais.

Nois, a última das quatro músicas soa como uma reflexão sobre o tempo que estamos vivendo. Seria isso mesmo?
Nois fala desse tempo que tem sido negativo, tenebroso, em todo o mundo, e mais especificamente no Brasil, onde o governo dá um péssimo exemplo, ao lidar de maneira desastrosa com a pandemia, causando seríssimos problemas principalmente para a parcela mais desassistida da população. Não me dou o direito de reclamar, pois tenho casa, tenho comida, ao contrário de muitos brasileiros que perderam a vida; sem esquecer da perseguição aos negros, aos trans e à cultura. Espero que em 2022 haja mudança e que o Brasil possa voltar a sonhar.

Por que quis ter Mano Brown como convidado nesta faixa do EP?
Conheço Brown há algum tempo e tenho muita admiração pelo trabalho dele. Brown também gosta do que faço. Eu ainda não tinha feito a letra nem a melodia de Nois, só a introdução. Aí mandei para ele que ao ouvir disse: ‘Acho da hora’. Depois veio algumas vezes aqui em casa e numa delas gravou um vocalise, antes mesmo de a música ficar pronta. Fiquei emocionada. Parecia um canto de Milton Nascimento e me inspirou na criação da melodia. Nois é uma história sobre nós, sobre o brasileiro, um povo abandonado, que quer a alegria de volta.

O que a levou a trocar o Rio de Janeiro, sua terra natal, por São Paulo?
Em 2010, quando mudei para São Paulo, eu não estava feliz no Rio de Janeiro. Achava que o Rio ficava olhando para o umbigo, para uma beleza já cantada, recontada, requentada, com milhões de problemas, onde não me sentia representada. No Rio, que foi do rock, do pop, da música instrumental, da música eletrônica, só se resumia ao pagode. O Rio estava preguiçoso e então me mudei para São Paulo. Encontrei uma cidade imensa que não conhecia bem, com brasileiros de todas as regiões do país, com mais mistura e possibilidades, e gente querendo ouvir o que eu cantava.

Ter conhecido a Lídice, sua atual companheira, contribuiu para que se fixasse aí?
Por sorte, em 2013 conheci a Lídice. Ela morava no Rio e veio assistir a um show meu e nos encontramos. Ela topou vir morar aqui e é minha companheira há oito anos. Mesmo fixada em São Paulo, não esqueço que nasci no Rio, que é o lugar do meu coração. Não gosto que falem mal do Rio.Espero que essa cidade magnífica se reorganize, assim como o Brasil.todo.

Ao chegar aos 65 anos que lembranças guarda das décadas de 1980 e 1990, quando suas
canções eram ouvidas em profusão no rádio e nas trilhas e novelas?
Aos 65 anos, não vivo o inverno, mas o verão, a idade plena. Passei pelos 30 e 40 anos e não quero viver novamente o que já vivi. Nada de voltar atrás e sim usufruir o que a vida me reserva a partir de agora.

Não poder lançar este novo trabalho presencialmente lhe frustra?
Nada é igual a um show, com a presença do público. Descobri que eu era importante para o Brasil me apresentando em Caxias do Sul, Belém do Pará, Brasília, Rondonópolis, sentido o calor humano de quem ia me assistir. Não vejo a hora de voltar a cantar para as pessoas ao vivo.

Quem, na sua visão, se destaca entre artistas da nova geração, nos diversos segmentos?
Tem muita gente fazendo coisas bem interessantes na música, no cinema, na televisão e na literatura. Tenho prestado atenção, por exemplo, no trabalho e no posicionamento de artistas como Alice Caymmi, uma grande intérprete, o melhor dos Caymmi atualmente; em Liniker, um cantor trans com uma voz linda; e em Maria Casadavall, atriz maravilhosa e uma lição de cidadã.

E-book Marina Lima

Música e Letra, download gratuito em www.marinalima.com.br.
EP Motim disponível em todas as plataformas de streaming.

Candé Salles/Divulgação - Cantora lança nas plataformas digitais um EP com canções novas e também um songbook com sucessos da carreira
Candé Salles/Divulgacao - Cantora Marina Lima.
Candé Salles/Divulgacao - Marina Lima