Os nomes de Ivan Lins, Marcos Valle e Joyce Moreno se destacam entre as referências do cancioneiro brasileiro. Melodias sofisticadas e letras antológicas sempre apreendem o momento e a cultura, em linhas e entrelinhas. E não foi diferente com essa união inédita, Casa que era minha, que reuniu o trio de cariocas. Neste trabalho, combinaram de maneira natural o que têm em comum, a MPB e o amor pelo Rio de Janeiro, e, assim, compuseram uma ode ao lar e à pátria.
A música foi lançada nas plataformas digitais e conta também com um encontro simbólico e virtual, selado em videoclipe disponível no YouTube. Apesar de ter um encerramento solar, que remete à esperança e à união, a música também é um lamento carioca ao árduo momento que vive o país. Por consequência, ao que também vive a cidade-mãe reverenciada por meio da música.
É intrínseca a curiosidade sobre os bastidores de criação dos grandes artistas. Especialmente nas novas configurações, nas quais o encontro é intermediado pela tecnologia e a produção é caseira. De seu estúdio, na Serra de Teresópolis, Ivan Lins falou ao Correio como se deu a parceria inédita e os processos na pandemia.
“Eu adoro o Marcos Valle e por puro acaso ainda não tínhamos uma parceria. Acho que porque cada um deu atenção às próprias composições e tínhamos nossos parceiros de costume, já com a Joyce os dois haviam trabalhado antes. A pandemia nos deu mais tempo e nossa forma de trabalhar foi bastante criativa, pragmática e prática. Eu trabalho há alguns anos no meu estúdio em casa, foi bastante fácil e muito prazeroso de fazer”, conta o artista.
A canção é um prato cheio para os amantes da MPB clássica e fãs dos três decanos, pois carrega, na composição, a identidade artística de cada um. Ivan Lins criou a primeira parte da melodia e, à versão final, empresta a voz e os arranjos de cordas, sintetizadas no teclado. Joyce Moreno, além de cantar, toca os acordes de violão e assina a letra. Marcos Valle, que por sua vez compôs a segunda parte da melodia, canta e toca o estimado Fender Rhodes setentista, além de ter emprestado a banda para fazer a cozinha — como se chama o conjunto de baixo, tocado por Alberto Continentino; bateria e percussão de Renato “Massa” Calmon; e o flugelhorn (trompete) de Jessé Sadoc. O trabalho, no entanto, é também uníssono, o que se evidencia na junção das três vozes nos versos finais.
A escolha de um estilo bossanovista para inaugurar a parceria é bastante compreensível, já que compartilham as origens no gênero e na cidade do Rio de Janeiro. “A canção é de amor, mas traz certa melancolia pelo que o Rio está vivendo, que é consequência do que o Brasil vive na política, no social, na saúde, na educação e na cultura. Vivemos também um momento de pandemia cultural, patrocinada pelo Estado. Portanto, a mensagem se estende a todos os cantos do país. Ao fim, ela nos convida a continuar tentando melhorar, a abrir uma janela para o sol entrar. Acho que é essa proposta literária que dá a filosofia da música. E ficou muito bonito, espero que as pessoas adorem”, finaliza Ivan Lins, que completou 50 anos de carreira em 2020, sem uma grande festa devido à pandemia. No entanto, ele diz que não se prende aos números exatos e que pretende celebrar quando for possível.
Marcos Valle também descreveu com alegria os detalhes do processo de composição conjunta com o amigo, de quem também é fã. Ele explicou como traduz a mensagem da canção ao momento de crise política, sanitária e das artes. “Quando eu faço a segunda parte, que é bem melódica, a Joyce joga versos de esperança na letra. No fundo, eu penso sempre com otimismo. Será mesmo que não tem jeito? Porque se você perde a esperança, você perde tudo. Nós passamos por fases e fases, pela época da ditadura com a censura, e nunca paramos de compor, evitando também a autocensura e o pessimismo. A ideia é utilizarmos o que temos para poder atingir um outro momento. Essa canção traz isso, ela traz o drama, o lamento, o amor — e talvez o amor abranja tudo que falamos — e finalmente traz esperança. Que a arte encontre seus escapes e consiga ajudar de alguma maneira nessa mudança”, diz o músico.
Ele também anunciou a chegada de novas composições com Ivan e até mandou parte de uma melodia para o novo parceiro. Recentemente, Valle lançou o disco Cinzento, pela gravadora Deck, a qual mixou e masterizou o novo single, por meio do produtor Matheus Gomes.
Ao buscarem a poesia e a presença feminina para a canção, o nome de Joyce Moreno veio à mente em comum acordo. Além de intérprete, instrumentista e compositora, ela se destaca como uma das maiores letristas da MPB. Ao Correio, ela conta como chegou à temática, a partir da melodia que recebeu dos conterrâneos.
“A casa era de todos nós. Portanto, há uma certa sensação de perda, ao ver a destruição de tudo o que sempre nos definiu como cidade, e até como nação. Mas esta é uma canção de amor, antes de tudo. De amor ao Rio, nossa cidade. E o Rio tem sido um espelho do melhor e do pior do Brasil. Enxergo o futuro com preocupação, mas a gente sabe que não há mal que dure para sempre. A pátria-cidade, a pátria-casa, a pátria-pátria, pode estar em risco, mas será sempre a nossa ‘patriazinha’. Precisamos zelar por ela”, descreveu a artista.
*Estagiária sob a supervisão de José Carlos Vieira
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Casa que era minha
Canção disponível nas plataformas digitais e videoclipe no perfil da gravadora Deck no YouTube. Produzido por Marcos Valle; com música e arranjos de Ivan Lins e Marcos Valle. Letra de Joyce Moreno; Gravações extras, mixagem e masterização de Matheus Gomes e cozinha de Jessé Sadoc (flugelhorn/trompete); Alberto Continentino (Baixo); e Renato ‘Massa Calmon’ (Bateria e percussão).