Música

Jornada de autoconhecimento resume novo álbum de saint hills

Em entrevista ao Correio, saint hills, cantor brasiliense e trans que reside nos Estados Unidos, fala sobre as nuances do álbum de estreia

Pedro Ibarra*
postado em 28/05/2021 15:58 / atualizado em 28/05/2021 15:59
O cantor saint hills gravou o álbum durante a fase de transição hormonal -  (crédito: Jaime Jobim/Divulgação)
O cantor saint hills gravou o álbum durante a fase de transição hormonal - (crédito: Jaime Jobim/Divulgação)

“Um alienígena procurando o lugar que pertence”: essa é narrativa contada por saint hills em Na saudade, álbum de estreia do cantor brasiliense que busca uma carreira nos Estados Unidos. O músico residente em Oakland, na Califórnia, lançou o trabalho na última quarta-feira (26/5) e o álbum está disponível nas plataformas de streaming.

Gravado entre 2017 e 2020, o disco traz músicas que foram, para saint hills, uma válvula de escape e um caminho para conhecer mais a si próprio durante um período de várias mudanças na própria vida. “Ser imigrante, a mudança nos meus relacionamentos, a procura de identidade, de onde eu pertenço. Eu precisava expressar isso tudo de alguma forma, para processar tudo o que eu estava passando”, afirma o cantor em entrevista ao Correio.

Dessa necessidade de expressão, o músico foi desenvolvendo este alienígena que, assim como o E.T. de Steven Spielberg, só queria chegar em casa. Em um quebra-cabeça de músicas compostas no espaço de tempo de três anos, saint hills encontrou uma fluidez e uma coesão para mostrar quem ele é e quem quer ser. “É legal esse ser meu primeiro grande projeto, porque ninguém nunca na minha vida vai poder falar que eu mudei. Eu sempre fiz de tudo e aqui está a prova viva disso”, pontua.

“Isso tudo é um retrato da minha exploração musical. Tudo que sempre me moveu e me interessou na música são os sons e vibes diferentes”, explica o artista. Ele pontua que o trabalho é uma representação tanto emocional quanto musical do tempo inicial de residência nos Estados Unidos. “Toda minha vivência de me sentir alienado de várias formas. Ver como os meus relacionamentos estavam mudando, tanto os do Brasil, quanto os dos Estados Unidos”, lembra o cantor. “Esse álbum é um retrato daquilo que me encantava nesse meio tempo.”

A escolha do nome do álbum, Na saudade, também tem relação com o fato de saint hills estar entre a cultura brasileira e a americana. “Eu descobri meu som ‘na saudade’. Quando comecei a morar nos Estados Unidos, comecei a incorporar mais a música brasileira ao meu trabalho”, comenta o músico, que mistura influências do house, do indie, do hip-hop, do funk e da bossa nova nas próprias músicas.

O termo saudade permeia todo o disco e é explicado nas músicas em três línguas: português, inglês e espanhol. Esse tema é importante para o cantor, que já havia tratado sobre ele no primeiro EP lançado em 2020. “Eu estou meio que destinado a sempre sentir saudade, porque não tem como eu viver duas culturas ao mesmo tempo”, analisa, ao refletir sobre a ligação com a cultura brasileira e a norte-americana.

As transições do Na saudade

Transições fizeram parte de todo o processo de construção do álbum de saint hills. O cantor escreveu e gravou em outro país, mas também transicionando de gênero. Jaime Jobim, artista por trás da alcunha de saint hills, é um homem trans e as músicas foram gravadas durante o tratamento hormonal. “Ninguém nunca gravou um álbum durante a transição”, afirma o músico, que disse que descobriu o fato quando pesquisava referências de discos gravados durante a transição hormonal.

“Para ser sincero, ouvindo meu próprio álbum eu fico às vezes desconfortável com as mudanças na minha voz, foi um processo muito vulnerável, muito difícil”, conta. Porém, o músico acha que o resultado pode ser um feito importante. “Eu poderia ter gravado tudo com minha voz estabilizada agora, ou tudo antes, e ficaria mais coeso sonoramente, mas, ao mesmo tempo, é importante ter um projeto desse para outros artistas trans no futuro poderem escutar e falar: ‘É mais ou menos isso que vai acontecer’”, reflete.

Ele conta que decidiu não tratar diretamente nas músicas do fato de ser um homem trans ou imigrante porque isso já estava claro em outros aspectos do álbum. “Não dê quatro para as pessoas, dê dois mais dois e deixe elas fazerem a conta”, diz o músico. “Eu não preciso falar em nenhum momento no álbum que sou um homem trans, porque as pessoas acompanham minha transição hormonal nas músicas”, exemplifica.

No final de tudo, após tantas transições, reflexões e processos, saint hills completa a história do alienígena que abre o álbum. “A conclusão do álbum não é o Alien indo de um planeta para o outro”, diz o cantor. “É o Alien percebendo que, no fundo, estamos sempre sozinhos e temos que abraçar esse desconhecido, as incertezas e a jornada em si”, observa.

Na saudade, novo álbum de saint hills


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