Jornal Correio Braziliense

LANÇAMENTO

Biografia de Roberto Carlos aborda a trajetória do Rei com olhar crítico

‘Querem acabar comigo’, de Tito Guedes, chega às livrarias com narrativa construída a partir da visão dos críticos sobre a obra de Roberto Carlos

Mesmo sendo um ídolo da música popular brasileira, nem sempre Roberto Carlos, por razões diversas, foi uma unanimidade por parte da crítica especializada. Houve períodos em que restrições eram maiores e mais frequentes à música e ao posicionamento do cantor e compositor capixaba. O fato de ele se posicionar contra a exibição, no Brasil, do filme Je vous Salue Marie, de Jean Luc Godard, filme de 1985; e sua decisão autoritária de impedir o lançamento da biografia dele, escrita por Paulo César de Araújo, foram vistas como, no mínimo, controversas.

Embora as questões ligadas à produção musical de Roberto, desde o início da carreira na Jovem Guarda, até a fase mais recente — a de Esse cara sou eu — sejam predominantes, outros aspectos da trajetória do artista são destacados em Querem acabar comigo — Da Jovem Guarda ao trono, do jovem pesquisador Tito Guedes. O livro foi escrito sob a perspectiva da visão dos críticos sobre a obra do Rei, abrangendo mais de 50 anos.

O autor, que atualmente trabalha no Instituto Memória Musical Brasileira, é formado em estudos de mídias pela Universidade Federal Fluminense, onde começou a desenvolver a pesquisa sobre Roberto Carlos. Para chegar a Querem acabar comigo, garimpou centenas de resenhas publicadas desde os anos 1960, que mostram uma relação difícil do artista com a crítica, “pouco generosa em suas análises e na contramão da crescente popularidade do ídolo”, na avaliação dele.

Guedes destaca na obra que os raros momentos de trégua ocorreram quando grandes nomes da MPB abraçaram o cantor, citando Caetano Veloso, na Tropicália; Nara Leão, ao gravar o LP E que tudo mais vá pro inferno, em 1978; e Maria Bethânia, lançando As canções que você fez para mim, em 1993. “A mesma crítica que, no início da carreira de Roberto, defenestrou o iê-iê-iê e seus primeiros sucessos românticos, décadas depois exaltaria canções dessa fase”.

Na contracapa, Arthur Dapieve, autor do livro O Trovador Solitário, sobre Renato Russo, escreveu sobre Querem acabar comigo: “Tão importante quanto relacionar o artista e os críticos, a obra de Tito Guedes os insere em seus tempos. Surgem o embate inicial entre a Jovem Guarda e a MPB — favor jamais confundir a sigla com a totalidade da música popular brasileira — em meados dos anos 1960; a intercessão da Tropicália no processo de apaziguamento; as concessões que Roberto Carlos fez à aceitação alheia e ao próprio amadurecimento, passando a líder de uma tal juventude transviada a ícone da canção romântica de meia-idade”.

Entrevista // Tito Guedes


Quando teve o interesse despertado pela trajetória de Roberto Carlos?
Veio da infância, da minha memória afetiva, já que meus pais ouviam muita música em casa (incluindo os discos do Roberto). Conforme fiquei mais velho, e, sobretudo, depois que entrei para a universidade, passei a me interessar também pela trajetória de Roberto enquanto objeto de estudo, para entender e analisar seu papel na cultura brasileira.

O gosto pela obra do cantor foi determinante para isso?
Com certeza. Foi o fato de eu gostar de suas músicas, que me despertou um interesse mais profundo para a sua trajetória. Primeiro veio o gosto pessoal, depois o intelectual.

Por quanto tempo se debruçou em pesquisas de matérias e críticas de jornalistas?
Venho pesquisando sobre esse assunto desde a faculdade. Essa pesquisa começou em 2018. Embora eu tenha apresentado o trabalho no final de 2019, até o início deste ano continuei colhendo novos materiais para a feitura do livro, que é uma versão ampliada do trabalho acadêmico original.

Qual é sua avaliação sobre o ponto de vista dos críticos?
A visão dos críticos reflete o período histórico em que viveram. Através desses discursos, podemos analisar como cada época entendeu a música popular brasileira. Além disso, foi possível perceber, também, que os críticos sempre se guiaram por um padrão avaliativo muito específico, que era a produção da MPB e da bossa nova. Quase tudo que fugia disso, eles torciam o nariz.

No processo de apuração, qual das fases da carreira de Roberto lhe chamou mais atenção?
O período dos anos 1960, sobretudo o que vai da época da Jovem Guarda até o disco de 1969. Na época, esses álbuns foram ignorados ou majoritariamente rechaçados pela crítica especializada. Anos depois, contudo, sobretudo nos anos 1990, esses mesmos discos foram reavaliados pela crítica musical como “obras-primas” ou como o “período áureo” da carreira de Roberto. Esse é um fenômeno significativo da relação de Roberto Carlos com a crítica musical.

Querem acabar comigo é nome de uma das canções do ídolo. Vem daí a escolha do título, ou teve outra motivação?
Essa canção não foi feita especificamente para os críticos musicais, mas era um desabafo do Roberto de 1966, então líder da Jovem Guarda, contra uma série de pessoas que o acusavam de desvirtuar a música brasileira naquele momento. É uma expressão muito contundente, que acabou servindo para expressar o que foi sua relação com a crítica especializada ao longo das décadas seguintes também.

Maria Bethânia sugeriu ao irmão Caetano Veloso ouvir a música de Roberto, que veio obter o respaldo dos tropicalistas. No seu entendimento, isso foi importante para ele ter a obra mais valorizada?
Com certeza. O Tropicalismo defendeu Roberto em um período de muito radicalismo, em que a turma da Jovem Guarda era vista de forma muito pejorativa pela MPB e pela intelectualidade de forma geral. O apoio dos tropicalistas ajudou muitas dessas pessoas a reavaliarem (mesmo que parcialmente) a posição de combate. Como disse Caetano em Baby, muitos passaram a ouvir “aquela canção do Roberto”.

Gal Costa cantou Roberto no LP Fa-Tal; Bethânia gravou o álbum As canções que você fez pra mim; enquanto Roberto compôs para Caetano, então no exílio — Debaixo dos caracóis dos seus cabelos. Como avalia esses fatos?
A interação de Roberto com esses e outros artistas do universo da MPB ajudaram a crítica musical, ao longo do tempo, a reavaliar ou olhar de forma mais generosa (mesmo que pontualmente) a sua obra. Em muitos casos, foi como uma espécie de “aval” para que a crítica pudesse reconhecer novos valores na obra de Roberto.