CINEMA

Isolamento é tema de uma leva de filmes brasileiros e internacionais

Filmes que tratam do isolamento mobilizam esforços de cineastas do Brasil e do mundo. Encenações por videochamadas estão entre os desafios

Ricardo Daehn
postado em 16/06/2021 06:00
Cena do filme brasileiro A Nuvem Rosa -  (crédito: Bruno Polidoro /Divulgação)
Cena do filme brasileiro A Nuvem Rosa - (crédito: Bruno Polidoro /Divulgação)

Mesmo escrito entre 2016 e 2017, o longa nacional A nuvem rosa, com estreia prevista para o segundo semestre, traz incríveis pontos em comum com a atual realidade: do sofrimento da impossibilidade de abraçarmos parentes e amigos às incertezas da duração da pandemia, passando pela lacuna das informações do novo coronavírus. “Mesmo tendo acesso à internet, o contato virtual não preenche vazios. Para a minha geração, essa pandemia é o mais próximo que já vivemos de uma sensação de guerra. No início, era tão inacreditável que parecíamos estar vivendo dentro de uma ficção científica”, observa a cineasta Iuli Gerbase, responsável pelo filme.

Um isolamento forçado e a criação de uma intimidade apressada, que não reverbera em real conexão, toca o cotidiano de Giovana e Yago, personagens do longa, que pretendiam apenas passar uma noite juntos. “Provavelmente, eles não se veriam de novo, não fosse a nuvem rosa (elemento misterioso que toma os céus do mundo). Daí, há o convívio complicado entre ambos. É perceptível que a nuvem afeta mais Giovana do que Yago. É como se a nuvem estivesse mais do lado dele e de uma sociedade tradicional, levando o personagem dela a fazer coisas que não desejava”, adianta a diretora sobre possíveis olhares feministas em cima da obra.

A ótima receptividade estrangeira tem animado a equipe do filme que estreou no Festival de Sundance (EUA), em janeiro. “Seja nos Estados Unidos, na Rússia ou na Suécia, parece que o filme tem conseguido emocionar público e os críticos”, destaca a diretora estreante. Atuações dos atores bem elogiadas têm aguçado a curiosidade do público brasileiro.

Fluxo corrente

O convívio inesperado das 24 horas por dia nutre a relação de outro casal de protagonistas de Fluxo, o mais recente filme de André Pellenz, reconhecido pelo estrondoso sucesso de Minha mãe é uma peça. No filme, um casal se relaciona de forma real, mas interage com a intermediação de vídeo com outras pessoas.

“Até mesmo uma ‘traição virtual’ acontece. Enquanto novidade, o contato exclusivo pelo vídeo foi encarado, como algo até divertido. Porém, com o tempo, passa a ser algo frustrante, até por ser justamente uma conexão virtual que lembra aos envolvidos que eles estão, na verdade, isolados”, avalia o diretor do filme, que mostra o casal em crise, durante a pandemia.

Com relacionamento na vida real, os atores Bruna Guerin e Gabriel Godoy interpretam, respectivamente e advogada Carla e o terapeuta motivacional Rodrigo, que começa o filme fragilizado. “Ele não tem onde morar, acabou de levar um fora (de Carla), está profissionalmente em crise. Porém, ao longo do tempo, a honestidade com que ele encara a própria situação o fortalece, ao mesmo tempo em que a personagem feminina, tão forte e tão confiante no início, passa a ver que seu desejo de independência e liberdade pode acomodar novos elementos”, explica o diretor.

Em preto e branco, Fluxo impôs um modo simples de ser realizado, com filmagens feitas em São Paulo, Rio de Janeiro e Fortaleza. “A linguagem é inspirada em Michelangelo Antonioni, com a exploração dos espaços vazios para compor a emoção do momento”, conta o diretor. Enquadramentos fundamentados na arquitetura de um apartamento, que jamais conheceu, instigaram o diretor, ao lado da proposta de encenações por videoconferência.

Legado afetivo

Aos 60 anos de idade, e há dois viúva do dramaturgo Domingos Oliveira, a atriz Priscilla Rozenbaum segue na ativa, lidando em cinema com o tema que, pela vida, permeia suas incursões nas artes: o amor. Presente no longa Me sinto bem com você, criado pelo diretor brasiliense Matheus Souza, e disponível na plataforma do Amazon Prime Video, ela conta que o filme tem cinco histórias de amores vividos na quarentena. Sem ir ao set, ela filmou de casa (no Rio) para não viajar para São Paulo, onde o resto da equipe estava.

Fora do campo da ficção, a atriz tem a certeza de que “o isolamento não rima com nada”, em termos de uma poética na vida, e completa: “Estamos numa situação muito nova. Não sei como serão as relações pós-pandemia. Vamos poder falar sobre isso quando voltarmos a nos relacionar”. Medo da distância interferir nas relações, ausência de toque entre personagens e o cotidiano áspero com a onipresença, dada a pandemia, estão entre as abordagens do filme estrelado por Manu Gavassi e Clarissa Müller. Sobre os temas do filme, Priscilla avalia: “Acho difícil amar a distância, mas acho difícil conviver, diariamente, com o seu amor no meio de uma pandemia, numa conjuntura isolados; a dois”.

Confira também

Feito em casa - Antologia de curtas organizada por Pablo Larraín, que dirige um curta, em meio a obras de colegas como Naomi Kawase, Nadine Labaki (Cafarnaum), Ladj Ly (Os miseráveis), Johnny Ma (Viver para cantar) e Paolo Sorrentino. Dezessete obras trazem fricção social, encontros inusitados, comédia e as incertezas do futuro de uma gama de personagens. Em exibição na Netflix.


Locked down - O diretor Doug Liman isolou os astros Chiwetel Ejiofor e Anne Hathaway numa trama exibida pela HBO Max e que mostra um casal decadente, um motorista e uma empresária, que planeja assalto na consagrada empresa Harrold. As filmagens foram em fins de outubro de 2020. Do catálogo da HBO Max.

Distanciamento social - Série da Netflix, criada por Jenji Kohan e Hilary Weisman Graham, trata de temas como solidão, paternidade e inconsequência juvenil. Com oito episódios, está no catálogo da Netflix.

A voz humana - Em um dos mais esperados curtas-metragens do ano, Pedro Almodóvar investe numa dramaturgia em inglês para adaptar obra teatral de Jean Cocteau. Estreou no Festival de Veneza, e traz Tilda Swinton como uma mulher emocionalmente descontrolada. Ainda sem data de estreia, no Brasil está negociado para o Now, Sky Play, iTunes, Apple TV, Google Play e YouTube. Foi atração do 7 Festival Brasil de Cinema Internacional, em abril.

Songbird - Filme de Adam Mason, com produção de Michael Bay mostra a evolução da fictícia Covid-23, estabelecida em 2024, quando doentes seguem para campos de concentração. Estrelado por KJ Apa, na pele de um motoboy que vive complicada relação virtual. Disponível no Amazon Prime Video.

The end of us - Criado por Steven Kanter e Henry Lowner, tem interpretações de Ali Vinginiano, na pele de Leah, que estrutura financeiramente a relação junto ao ator desempregado Nick (Ben Coleman). Depois de quatro anos, ambos têm que coexistir na Califórnia recém-atingida pela pandemia. Exibido há três meses no South by Southwest Film Festival.

 

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação

CONTINUE LENDO SOBRE