Remando contra a superficialidade empregada para atrair potenciais espectadores e com a paciência de se aprofundar em temas complexos, examinar histórias de vida que despertem interesses amplos e estimulem debates sólidos, diretores têm apostado na entrega seriada de informações e vivências de personalidades chamativas que, de fato, tenham algo a dizer. No conjunto de atrações da tevê e do streaming, há exemplos claros como o da série Meu amigo Bussunda (Globoplay), que rememora, 15 anos depois da morte, o humorista vitimado por infarto, aos 43 anos.
“Bussunda (Cláudio Besserman Viana) é um cara que merece ter a história contada. A série é muito boa de se assistir, tanto por ele ser muito engraçado quanto por trazer muita emoção. O formato do documentário está plenamente atendido lá, pela quantidade de pesquisa que a gente fez e pela validação de dezenas de pessoas que a gente mistura (Zico, Débora Bloch e Maria Paula são alguns) e, pelo papai aqui, que também esteve presente em grande parte do que foi contado”, observa Claudio Manuel, ex-integrante da equipe do Casseta & Planeta e que divide a direção do programa com Micael Langer e a filha de Bussunda, Júlia Besserman.
Langer, codiretor da série, assumiu o respeito ao legado do Bussunda, primando por uma obra leve, bem-humorada e dinâmica. Estender a responsabilidade de retratar não só o humorista ganhou corpo. “Queríamos retratar o próprio grupo Casseta & Planeta e uma geração inteira que viu na redemocratização do país, na década de 1980, uma oportunidade única de assumir o protagonismo no cenário cultural brasileiro”, observa.
Desvendando a origem do apelido Bussunda, em versões oficial e folclórica, a série confirma e reforça uma impressão do grande público: “Ele era realmente esse cara gente boa, engraçado, bonachão, de bem com a vida e que todos gostariam de poder chamar de amigo”, pelo que demarca Micaeil Langer.
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Um time a favor de esclarecimento
Gravadas as três temporadas da série dirigida por Daniel Augusto Incertezas críticas, ao alcance de 10 milhões de assinantes da tevê paga (canal Curta!), elas encerraram o pensamento de personalidades como Noam Chomsky e Zygmunt Bauman, e, numa futura fase, com exibição em agosto, o foco estará em intelectuais brasileiros, entre os quais José Miguel Wisnik, Maria Rita Kehl, Marilena Chauí e Djamila Ribeiro. Pesa, na humanização dos entrevistados, um artifício do entrevistador Daniel Augusto: “Faço perguntas sobre a obra deles de modo que favoreçam respostas acessíveis ao espectador iniciante, nos temas abordados e complementares aos que já conhecem o trabalho dos autores”.
Ao tratar de aspectos de arte, política, livros, economia e relações internacionais, Daniel Augusto estimula a receptividade dos entrevistados por ser leitor voraz e conhecedor das obras abordadas. “O objetivo da série é indicar perspectivas no pensamento crítico contemporâneo, de modo a auxiliar a compreensão do mundo atual, daí conversar com filósofos, sociólogos e psicanalistas”, avalia o diretor.
Temas como a destruição do planeta, as feições do capitalismo, os governos autoritários, a internet e a depressão vêm à tona, com fundamentos de anos de pesquisa e reflexão. “Acho que todas as pessoas buscam explicações para o mundo em que vivem. Uma parte da população se contenta com soluções imaginárias: fake news, misticismos variados, assim por diante. No entanto, tais soluções imaginárias não ficam em pé diante da realidade”, observa o diretor que exalta os esclarecimentos das ciências e da filosofia.
Daniel Augusto acredita numa maior curiosidade pelo programa, na conjuntura da pandemia. “Ela trouxe de novo a divisão entre os que buscam soluções imaginárias e os que buscam conhecimento sólido. Tal divisão, porém, é anterior à pandemia. Atravessa a história”, conclui.
Garimpar a relevância cultural e reafirmar conquistas de cineastas como Helena Ignez, Carla Camurati, Laís Bodanzky e outras 67 artistas, levou a diretora Tata Amaral à realização da série As protagonistas (na CineBrasil TV, com acesso pelas plataformas divertenet e Oi Play). Aos sábados, às 21h, há sempre estreia na lista de 13 episódios que ficam disponíveis em streaming. “Na minha opinião, a grande inovação do cinema brasileiro recente está no cinema feito por pessoas negras e indígenas. Considero que a arte se renova quando novos segmentos sociais trazem suas narrativas e maneiras de produzi-las. As mulheres negras são protagonistas desta atuação”, conta Tata, que trouxe para a série teor de experiências pessoais, uma vez que narra cada episódio.
» Duas perguntas // Tata Amaral
O que de surpreendente revelaram as pesquisas para a série?
Solange O. Farkas, diretora da Associação Cultural Videobrasil, me fez ver o papel das mulheres pioneiras da videoarte na produção audiovisual brasileiras e considerá-las como parte desta produção. Em geral, fazíamos uma distinção entre cinema e videoarte, entre videomakers e cineastas. Essa diferenciação não faz nenhum sentido hoje. Por exemplo, durante a década de 1970, havia uma forte repressão e moralismo. No entanto, o corpo das mulheres nunca foi tão exposto. Uma das respostas mais potentes é o filme curto Marca registrada, de Leticia Parente, onde ela costura (literalmente) as palavras “Made in Brazil” nos próprios pés. Tereza Trautman, Ana Maria Magalhães, Ana Carolina, Tizuka Yamasaki e Susana Amaral dentre muitas outras, criaram representações próprias, singulares e o corpo da mulher nuca mais foi representado da mesma maneira.
Há um avanço na proposta de enfoque de cineastas negras?
A cineasta Viviane Ferreira aponta dois motivos para o surgimento do que alguns chamaram de “levante do cinema negro” da geração de 2014, que foi protagonizado por mulheres: por um lado, a realização, durante décadas, do Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul — Brasil, África, América Latina, Caribe e outras diásporas, fundado por Bulbul.
Ao longo dos anos, o encontro contou com uma geração de cineastas e profissionais de cinema que se formaram por meio de oficinas de cinema e vídeo. Por que não eram considerados cineastas? Por que considerar cineastas apenas aqueles oriundos da universidade? Apontavam ali um dispositivo de exclusão classista e racista que precisava ser desmontado em favor de um audiovisual plural. Em 2014, a primeira geração de cotistas estava em plena atuação profissional no audiovisual, trazendo suas narrativas e questionando a restrição dos espaços existentes para o cinema negro. Há de se destacar a recuperação histórica das pesquisas da doutora Edileuza Penha de Souza (da UnB) e importância da curadoria de pesquisadoras como Janaína Oliveira.