PATRONO DA EDUCAÇÃO

Paulo Freire: centenário do pernambucano é celebrado em exposição no Itaú Cultural

A ocupação revela como o pensamento de Paulo Freire influenciou a saúde, a segurança pública, o meio ambiente e as artes visuais

Severino Francisco
postado em 19/09/2021 06:00 / atualizado em 20/09/2021 17:25
 (crédito: Maurício Novaes)
(crédito: Maurício Novaes)

O educador pernambucano Paulo Freire é um dos intelectuais das ciências humanas mais estudados no mundo. A Finlândia é uma referência internacional em educação de qualidade. Freire é um dos pensadores que está por trás da pedagogia que orienta o ensino no país nórdico. Existem 20 institutos dedicados à propagação das ideias do educador pernambucano no mundo.

Mas, para Claudiney Ferreira, gerente do Núcleo de Audiovisual e Literatura do Itaú Cultural e integrante da equipe curatorial da exposição, Paulo Freire é mais importante ainda para os brasileiros. Por isso, na passagem do centenário de nascimento do educador pernambucano, o Instituto Itaú Cultural elegeu Freire como personagem de uma ocupação cultural, que se desdobra em exposição, publicação de ensaios e eventos virtuais: “Paulo Freire tem um pensamento de educação que é a cara do lado bom do Brasil, o lado amoroso, o lado que procura a boniteza, para usar uma expressão dele”, comenta Claudiney: “Ele é de uma profundidade e de uma acuidade impressionantes.”

A ocupação revela como o pensamento de Paulo Freire influenciou a saúde, a segurança pública, o meio ambiente e as artes visuais. Todas as quartas-feiras, pesquisadores releem a obra de Freire sob o olhar de múltiplos saberes: “Freire não buscou isso, o seu pensamento é que despertou as pessoas para esses aspectos,” comenta Claudiney.

O hot site permite o acesso a vídeos, textos, imagens e podcast. A vida de Freire é reconstituída de maneira cronológica. O primeiro momento é o da nordestinidade, as fotos de família em Jaboatão e no Recife. Em seguida, a vida estudantil, a experiência seminal para a formulação de sua pedagogia em Angicos, o exílio, a consagração internacional e a volta para ocupar o cargo de secretário de educação de São Paulo. O percurso fecha com uma instalação sobre Paulo Freire no mundo, que mostra os lugares onde recebeu o título de doutor honoris causa e a repercussão de suas ideias: “O Instituto Paulo Freire na Alemanha ajudou na recepção aos imigrantes”, observa Claudiney.

O que permanece no pensamento de Paulo Freire na sociedade virtual do século 21? A busca do rigor, a autocrítica, o diálogo, a ideia de que a curiosidade não deve ser domesticada, a pedagogia do oprimido e a pedagogia da esperança, responde Claudinei: “Freire enfatiza o diálogo, o saber escutar, os saberes indígenas e das culturas oriundas de África. Ensina a respeitar os saberes dos outros. Ele propõe uma pedagogia antiopressiva.”

O horizonte utópico de Paulo Freire não é o do sonho da impossibilidade; é um sonho do projeto. Precisa ser construído e ter um final: “Freire quer chegar a um resultado. É um sonho planejado. Vale dizer que ele escreve muito bem, os textos dele são lindos.” Se vivesse nos tempos virtuais, Paulo Freire teria muitos seguidores? “Uma coisa importante, Paulo Freire não queria seguidores”, responde Claudemir: “Quero pessoas que me reinventem, ele dizia. O livro Pedagogia da esperança é uma autocrítica. A BBC fez uma matéria mostrando que Freire é muito respeitado em todo o mundo, mas ele não é uma unanimidade. Isso não importa, ele é referencial.”

A arte-educadora Ana Mae Barbosa conheceu Paulo Freire em 1955, quando fez um curso na Escolinha de Arte do Recife, da qual ele era presidente. Ana optou pela área da educação porque era a única profissão que a família considerava digna. Freire pediu que todas as alunas escrevessem por que escolheram ser professoras. Ana fez uma redação em que enumerava por que não queria ser professora. Freire pediu uma conversa pessoal: “Ele explicou que educação é libertação. Comecei a me encantar. As aulas dele eram maravilhosas. Não escreveu sobre arte, mas dava aulas com obras de arte.”

Para Ana, os livros de Paulo Freire permanecem, dramaticamente, atuais. Parecem mágicos. Ensinam que você só aprende alguma coisa se estabelece uma ligação com a própria vida. Você busca algo fora e inclui nos seus conhecimentos. “O conhecimento do aluno dialoga com o que você quer que ele aprenda. Antes de alfabetizar, tem de levar a pessoas a ler o mundo a seu redor.”

Ana Mae considera que o pensamento de Paulo Freire é essencial para uma época de polarização dogmática, como a que vivemos no Brasil. Lembra que ele distinguia sectarismo e radicalismo. Não considerava o radical, necessariamente, negativo.

O radical ouve o outro e dialoga, enquanto o sectário sempre está certo, é o dono da verdade, não escuta o que o outro fala: “A campanha de desqualificação de Paulo Freire é, na verdade, uma campanha contra a educação pública de qualidade. Querem reduzir o aluno a ler, escrever e contar. Não interessa a educação para a liberdade, defendida por Paulo Freire. Quanto menos o povo pensar, melhor, será mais fácil manipular.”

Ângela Antunes, diretora do Instituto Paulo Freire em São Paulo, concorda que atacar Paulo Freire é atacar o direito à educação e a sociedade democrática e solidária. Porque, para Freire, a educação precisava ser comprometida com a ideia de justiça social: “Para entender o pensamento de Freire, primeiro é preciso é compreender que a educação é um ato político. Não existe educação neutra. Não existe projeto de mundo dissociado de educação. Se quisermos viver em uma sociedade justa e igualitária, precisamos construir essa possibilidade com um projeto de educação. Ele defendeu uma educação crítica, propositiva e criativa.”

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Quase um candango

O ano do centenário do educador tem um significado especial para a capital federal. Aqui, o patrono da educação brasileira, que acumula o título de cidadão honorário de Brasília, implementou uma das primeiras experiências dos círculos de cultura — técnica fundamental para a elaboração do método freiriano de ensino.

Foram 300 círculos realizados no Gama e em Sobradinho, nos idos de 1960, no governo do então presidente João Goulart. O educador pernambucano veio a convite do presidente para auxiliar na elaboração do Plano Nacional de Alfabetização. A proposta selou uma relação muito próxima de Freire com Brasília e com a Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (Unb), onde seu
trabalho fincou raízes.

O professor da UnB Erlando da Silva Rêses — educador popular, sociólogo, mestre e doutor em sociologia — é um dos frutos desse trabalho. Ele conta que foi beneficiado com toda efervescência intelectual promovida por Paulo Freire na UnB. Ele conta que alguns dos professores que tiveram a oportunidade de atuar ao lado de Freire se transformaram em amigos e disseminadores de sua pedagogia, como o professor de comunicação Venicio Arthur de Lima e os educadores Renato Hilário dos Reis, Maria Luiza Pinho Pereira, Laura Coutinho e Erasto Mendonça Fortes.

Ele lembra que Freire atuou como integrante do conselho diretor da Fundação da Universidade de Brasília (FUB). “Ele foi muito atuante em Brasília. Antes do exílio, em 1964, enfrentou as restrições da ditadura militar e quando retornou ao Brasil, em 1979, manteve a relação com a capital federal”, destaca.

Erlando afirma que as experiências com os círculos de cultura no DF compõem a matéria prima que fundamentou uma das obras de maior referência do pensador, Pedagogia do Oprimido. A obra é uma das mais relevantes para a educação contemporânea, no Brasil e no mundo.

No DF, a epistemologia do educador se perpetua por meio de ações específicas, como o trabalho realizado pelo Centro de Educação Paulo Freire (Cepafre), em Ceilândia, e pelo Centro de Cultura e Desenvolvimento do Paranoá e Itapoã (Cedep). Além do Fórum de Educação de Jovens e Adultos e do Grupo de Trabalho Pró-Alfabetização, vinculados à UnB.

Para Erlando, a obra de Freire continua atual e provocativa. “Ele partia de uma educação que buscava despertar a criticidade do aluno, de qual era o seu papel no mundo e não simplesmente aceitar a realidade. Essa abordagem dificulta a manipulação das pessoas, porque permite que o indivíduo identifique a opressão que pesa sobre ele e atue para mudar. Isso certamente desagrada espíritos autoritários e que desejam a submissão”, explica.

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