Uma situação real inspirou Cibele Amaral a escrever o roteiro de Por que você não chora?, segundo longa de ficção da diretora e em cartaz nos cinemas da cidade. Formada em cinema e teatro, ela decidiu, em 2012, fazer uma faculdade de psicologia. Durante o curso, precisou realizar estágio em instituições de saúde mental e ficou marcada pela quantidade de mulheres que apresentavam ideações suicidas.
Era um sofrimento para a cineasta, que conviveu com o problema na própria família. Dessa experiência nasceu o roteiro do longa, que tem Bárbara Paz no papel de uma mulher de classe média alta com transtorno borderline, e Carolina Monte Rosa, como Jéssica, estudante de psicologia de personalidade muito fechada e origem mais humilde. Maria Paula faz o papel da psicanalista integrante da equipe de tratamento de Bárbara.
“Durante o curso, me chamava a atenção colegas de faculdade que vinham de um mundo bem diferente da psicologia e se deparavam com muitas reflexões sobre a própria vida e, às vezes, sem entender direito o que estava acontecendo até com eles mesmos”, conta Cibele. “Foi aí que surgiu a ideia desse personagem da Jéssica, colocada em contato com alguém que, a vida inteira, estava se questionando, se autoconhecendo, que era a personagem da Bárbara. Dentro dessa história coloquei muitas situações reais.”
Cibele queria trazer para o cinema uma reflexão sobre saúde mental que escapasse de estereótipos. “Fala-se muito sobre doença mental no cinema, mas é sempre um assassino, um psicopata, alguém que não melhora, alguém no fundo do poço. E, às vezes, os psicólogos são muito ridicularizados no filme, tem muito estigma”, lamenta.
Ela diz ter encontrado dificuldades na busca de referências e fontes menos estigmatizadas. Ela encontrou no longa Garota interrompida, uma possível referência. O filme de James Mangold, que tem no elenco Winona Ryder e Angelina Jolie, fala sobre um processo de tratamento, mas ainda numa ótica muito manicomial, com pessoas internadas e camisa de força como parte do cardápio oferecido pela instituição psiquiátrica. “Não era isso que eu buscava”, diz a diretora.
Tema delicado
Filmado em Brasília, com imagens que passam longe dos monumentos e se concentram em uma capital mais periférica, Por que você não chora? é também um alerta. Cibele teve o cuidado de consultar especialistas para tratar do tema e quis fazer de Jéssica um personagem cuja fragilidade e vulnerabilidade nem sempre são evidentes. Enquanto Bárbara tem um diagnóstico e segue um tratamento, a estudante de psicologia se inscreve no que Cibele Amaral chama de pessoa normótica.
“É aquela pessoa que, aparentemente, está bem, que você quase não enxerga, muito fechada, que acha que não é importante falar de sentimento, pensar sobre o tipo de relação que tem com a família. É uma estrutura rígida, mas que pode quebrar”, diz a diretora.
Maria Paula, que é psicanalista e atende em consultório há alguns anos, enxerga no longa um reflexo dos tempos atuais. “A gente está num momento histórico, em que a discussão sobre saúde mental ganhou uma relevância enorme”, explica. “Por um lado, é triste, porque o motivo pelo qual isso está acontecendo é porque tem muita gente com transtornos psíquicos, mas, por outro lado, é bom porque amplia o debate sobre o tema.”
Segundo a atriz e psicanalista, muita gente que antes tinha preconceito e achava que procurar ajuda terapêutica era um sinal de fraqueza ou uma consequência de um surto, começou a perceber a necessidade de acompanhamento profissional. “Esses tabus caíram por terra porque todo mundo está percebendo o quanto faz parte da vida de todas as famílias brasileiras ter que lidar com dificuldades relacionadas às emoções”, acredita. “O isolamento da pandemia foi um grande gatilho”.
Episódios de síndrome do pânico e transtornos ligados à ansiedade, segundo a psicanalista, aumentaram consideravelmente no último ano. “Não é só no consultório, mas nas conversas, na escola, com as mães das outras crianças e também nos artigos científicos que estão mostrando que os números aumentaram imensamente. Não só da procura da terapia, mas, infelizmente, até dos casos em que acontece o pior, que é o suicídio. O suicídio entre jovens e até crianças aumentou muito”, diz.
Segundo dados da campanha de prevenção ao suicídio, que serviu de material de pesquisa para o roteiro do filme, houve aumento de 40% nos casos de tendência suicida. “Esse tema é tão relevante, tão importante, por isso, estou feliz de participar desse debate, é uma hora que a gente precisa falar disso. Não pode fingir que a dificuldade do outro é o outro fazendo drama. Não é. O outro está precisando de ajuda”, alerta Maria Paula.
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