Literatura

Livro ' Amanhã teremos outros nomes' traz o romance nos tempos dos apps

Novo livro do argentino Patricio Pron investiga impacto da tecnologia nas relações amorosas e traz Brasília para a cena da ficção

Nahima Maciel
postado em 01/11/2021 06:16 / atualizado em 03/11/2021 09:48
 (crédito: Unai Pascual)
(crédito: Unai Pascual)

Patricio Pron tinha pouco tempo quando passou por Brasília em 2018. Convidado pela 4ª Bienal Brasil do Livro e da Leitura, acompanhado do amigo e escritor Gustavo Pacheco, ele passou pela clássica quadra modelo, esteve na Igrejinha, na banca do seu Lourival e na banca da Conceição, comeu pizza na Dom Bosco e almoçou na Tia Zélia, na Vila Planalto. Foram visitas rápidas, mas marcantes, que acabaram por se acomodar no novo romance do escritor argentino. Amanhã teremos outros nomes é uma história de amor nos tempos contemporâneos que se passa em Madri, mas tem Brasília como cenário em determinado momento.

Pron narra o encontro e o desencontro de dois personagens aos quais chama apenas de Ele, um escritor, e Ela, uma arquiteta. O romance é embalado pelo ritmo das redes sociais e pelas novas maneiras de se aproximar e se afastar sob a regência de aplicativos de encontro e de mensagens. A tecnologia pontua a narrativa do início ao fim. "Li muito para escrever esse livro. Toda uma biblioteca de ensaios, livros e centenas de estatísticas", conta o autor, que, inclusive, abriu perfis em aplicativos de busca de parceiros para saber o que poderia acontecer com os personagens quando interagissem nesses espaços virtuais.

O argentino conta que decidiu incluir Brasília no livro porque se encantou por certos aspectos da cidade que vão além da forma. "Fiquei fascinado pela arquitetura, claro, mas também pela forma como essa arquitetura nunca chegou a cumprir sua promessa de uma transformação radical da experiência de viver em uma cidade", explica. "Ela não torceu nem pôde se opor à natureza humana, sendo que foi, na verdade, transformada por ela, convertida em outra coisa, quem sabe até mais interessante. Algo similar acontece com Ela no romance: em Brasília, compreende que nem toda a racionalidade deste mundo nos protege frente à insensatez que somos, frente às coisas que desejamos."

O elemento determinante que dá forma a Amanhã teremos outros nomes, segundo o autor, são os relatos de amigas e amigos que, quando souberam do projeto no qual trabalhava, começaram a contar suas histórias, o que estava acontecendo e o que sentiam. "Sem esses testemunhos, Amanhã teremos outros nomes teria sido um livro muito diferente, embora se trate de um livro de ficção", avisa Pron.

Foram dezenas de entrevistas e horas de investigações para dar forma ao romance, mas mesmo após uma pesquisa minuciosa sobre o assunto, Pron diz que não consegue tirar conclusões definitivas sobre o impacto da tecnologia nas relações amorosas. "Para algumas pessoas, essas tecnologias estão servindo bem. Para outras, não servem", repara. "Mais interessante que isso, no entanto, é que essas tecnologias estão fazendo com que o mundo do trabalho e o que caracteriza esse momento histórico (precariedade, otimização, frustração, anonimização, perda da autonomia, opacidade) penetrem no âmbito das relações amorosas, fazendo com que muitas pessoas atuem mais e mais como objetos de consumo. E isso apesar do fato de que amar e ser amado deveria ser o contrário de consumir alguém ou ser consumido por outra pessoa."

Entrevista: Patricio Pron

O romance contemporâneo precisa dar conta desse uso da tecnologia? Por quê? Como incorporar essa nova linguagem que surge com as redes sociais na literatura?
Não creio que o romance contemporâneo "tenha que" fazer nada em especial. Mas nossas vidas estão neste momento completamente atravessadas por tecnologias e dispositivos aos quais confiamos a gestão de dezenas de coisas, desde nossas contas bancárias até como e onde vamos fazer sexo com alguém, passando pela forma como conduzimos nossos veículos, em quem votamos, onde e como fazemos nossas compras e o que dizemos que somos nas redes sociais. E se o romance contemporâneo não conta essa parte de nossas vidas, corre o risco de fazer com que essa parte se integre ao fluxo dos acontecimentos sem que nada seja questionado, sem que ninguém pense nela nem se pergunte se nossa liberdade e nossa capacidade de tomar decisões não estão sendo muito, muito limitadas por tudo isso.

Por que escolheu não dar nomes aos personagens e chamá-los apenas de Ele e Ela?
Queria dar ao livro uma dimensão universal, quase arquetípica. Ele e ela não são nada em particular, ao mesmo tempo em que são, ou somos, todos nós. O que acontece com eles, por outro lado, não é muito diferente do que se passa com os demais. Mas a diferença substancial entre eles e nós é que eles se detém em pensar no que acontece com eles, e, ao fazê-lo, conquistam uma liberdade e uma autonomia que muitos não parecem recordar que alguma vez tiveram.

Existe um momento no romance no qual os personagens se perguntam o que é um homem e o que é uma mulher. O que isso nos diz sobre os tempos contemporâneos?
Queria dizer que, apesar de todos os seus problemas, nossa época é também uma época de possibilidades, e que há nela batalhas que valem a pena serem lutadas. Por exemplo, a batalha para conquistar novas ideias (e outros nomes) para falar do que é ser um "homem" e que coisa é "uma mulher", para falar de quem somos e do que queremos ser além das imposições e expectativas dos outros.

Serviço

Amanhã teremos outros nomes - De Patricio Pron. Tradutor: Gustavo Pacheco. Todavia, 254 páginas. R$ 64,90

 

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Três perguntas para Patricio Pron

 (crédito: Todavia)
crédito: Todavia

O romance contemporâneo precisa dar conta desse uso da tecnologia? Por quê? Como incorporar essa nova linguagem que surge com as redes sociais na literatura?

Não creio que o romance contemporâneo "tenha que" fazer nada em especial. Mas nossas vidas estão neste momento completamente atravessadas por tecnologias e dispositivos aos quais confiamos a gestão de dezenas de coisas, desde nossas contas bancárias até como e onde vamos fazer sexo com alguém, passando pela forma como conduzimos nossos veículos, em quem votamos, onde e como fazemos nossas compras e o que dizemos que somos nas redes sociais. E se o romance contemporâneo não conta essa parte de nossas vidas, corre o risco de fazer com que essa parte se integre ao fluxo dos acontecimentos sem que nada seja questionado, sem que ninguém pense nela nem se pergunte se nossa liberdade e nossa capacidade de tomar decisões não estão sendo muito, muito limitadas por tudo isso.

Por que escolheu não dar nomes aos personagens e chamá-los apenas de Ele e Ela?

Queria dar ao livro uma dimensão universal, quase arquetípica. Ele e ela não são nada em particular, ao mesmo tempo em que são, ou somos, todos nós. O que acontece com eles, por outro lado, não é muito diferente do que se passa com os demais. Mas a diferença substancial entre eles e nós é que eles se detém em pensar no que acontece com eles, e, ao fazê-lo, conquistam uma liberdade e uma autonomia que muitos não parecem recordar que alguma vez tiveram.

Existe um momento no romance no qual os personagens se perguntam o que é um homem e o que é uma mulher. O que isso nos diz sobre os tempos contemporâneos?

Queria dizer que, apesar de todos os seus problemas, nossa época é também uma época de possibilidades, e que há nela batalhas que valem a pena serem lutadas. Por exemplo, a batalha para conquistar novas ideias (e outros nomes) para falar do que é ser um "homem" e que coisa é "uma mulher", para falar de quem somos e do que queremos ser além das imposições e expectativas dos outros.