Entrevista

Canções de andarilho: Alceu Valença lança o álbum Senhora Estrada

Trabalho completa uma trilogia de discos produzida durante o confinamento imposto pela pandemia

Artista andarilho, Alceu Valença é um dos cantores brasileiros que mais excursões faz pelo país. Para cada período do ano, costuma criar shows temáticos, especialmente no verão, que culmina com a apresentação no carnaval de Recife; e, no circuito das festas juninas, quando sua agenda fica sempre cheia de compromissos. No seu vasto repertório, há canções para todas essas situações.

Durante a longa quarentena, Alceu utilizou o tempo para se dedicar à produção e gravação de alguns discos intimistas de voz e violão. Sem pensar no amanhã e Saudade foram os primeiros a serem lançados. A trilogia se completa agora com Senhora estrada, álbum que produziu com Rafael Ramos, cujo título remete a um dos aspectos mais relevantes da trajetória desse pernambucano, nascido em São Bento do Una.

Em Senhora estrada, o cantor reuniu 11 músicas. Algumas delas trazem referências que ele guardou do sertão pernambucano — representadas por gêneros como baião, xote, rojão e toada — região onde reinavam dois nomes icônicos da cultura popular brasileira: Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro, que são celebrados neste projeto.

O legado do Gonzagão se faz presente no CD com os clássicos Pau de arara e Numa sala de reboco, ouvidas logo nas duas primeiras faixas do repertório; enquanto Jackson é lembrado por meio de Coração bobo, xote antológico, composto por Alceu, no período que morou em que Paris, na década de 1970, em homenagem ao rei do ritmo.

Com Pelas ruas que andei, outra canção consagrada da obra do compositor, ele celebra o mapa geográfico e poético de Recife. Há também releituras das menos conhecidas Cabelo no pente, Depois do amor, Flor de tangerina, Vai chover e Xote delicado. Já a inédita Senhora estrada foi feita para a trilha de A luneta do tempo, que roteirizou e dirigiu, mas essa acabou deixada de fora.

Na entrevista que concedeu ao Correio, Alceu diz que, assim como em Sem pensar no amanhã e Saudade, o novo CD segue um roteiro cinematográfico, no qual uma música se relaciona com a outra. Após o isolamento em casa com a mulher Yanê, durante a quarentena, imposta pela pandemia, ele fala da alegria da retomada dos shows e do reencontro com com o público.

Entrevista / Alceu Valença

Entre os artistas brasileiros, você foi um dos que melhor aproveitou o tempo durante o longo período da quarentena, determinada pela pandemia da covid-19. Além da produção e gravação de discos, o que fez mais?

Dentro do meu celular, nos últimos tempos, armazenei crônicas, poesias e anotações diversas, que escrevi durante as viagens de avião e não me lembrava. Recuperei várias delas e vou utilizar num livro que pretendo lançar no próximo ano. Percebi também que tinha umas 30 músicas guardadas. Entre elas, há algumas que agora venho gravando.

Como se deu a redescoberta do violão?

Isolado em casa, passei a tocar violão da mesma forma que fazia, quando, na década de 1970, me radiquei em Paris e vivia sozinho. Yanê, minha mulher, ficava ouvindo e ia anotando o nome das músicas. Aí, conversando com o Rafael Ramos, surgiu a possibilidade de gravar essas músicas, ao vivo, com som direto, no estúdio da Deck, tomando todos os cuidados e seguindo as instruções das autoridades sanitárias.

Quando foram feitas as gravações?

Foram feitas entre novembro e dezembro de 2020, geralmente quatro por dia. O  álbum Senhora estrada completa a trilogia, iniciada por Sem pensar no amanhã e Saudade. Mas há outros discos, no mesmo formato, que serão lançados em 2022.

Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro são homenageados por você nesse projeto. Os dois são suas principais referências musicais?

Nasci e morei até os 10 anos em São Bento do Una, cidade localizada entre o agreste e o sertão pernambucano. Lá, na infância, ouvia cantadores de feira. Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro eram referências de todos. Já em Recife, para onde mudei com a família, me tornei fã dos dois. Cantá-los e homenageá-los em meus discos é algo natural. No álbum Senhora estrada, gravei Pau de arara e Numa sala de reboco, de Gonzaga; e o xote Coração bobo, que compus para celebrar Jackson, quando morei em Paris, incluí nesse disco. Tive o imenso prazer de dividir com ele e Geraldo Azevedo Papagaio do futuro, composição minha, no Festival Internacional da Canção de 1972; e de participar do Projeto Pixinguinha, ao lado do meu ídolo, em 1978. Fizemos show inclusive em Brasília.

Na condição de cineasta e de artista andarilho, Senhora estrada poderia sugerir um roteiro de filme?

Ao produzir esses discos da trilogia, imaginei o repertório como um roteiro cinematográfico, com uma música se relacionando com outra, contando uma história. Foi uma ideia que surgiu, antes mesmo de conversar com o Rafael Ramos, o co-produtor do projeto, antes de entrar em estúdio.

Uma das novidades desse álbum é a canção-título. Trata-se de uma composição recente?

Senhora estrada foi composta para a trilha de A luneta do tempo, filme que roterizei e dirigi, lançado em 2014.Mas, como achei que não tinha a ver com o que o filme propunha, acabou ficando de fora. Agora, além de ser gravada, deu título ao disco.

Depois de longa ausência dos palcos, você voltou a fazer shows de voz e violão. Como tem sido a retomada?

Fazer show é uma vitamina para o artista. Trocar energia com o público é algo que me faz muito bem. Obviamente, tenho tomado todos os cuidados, seguindo à risca as determinações sanitárias das autoridades neste retorno aos palcos.  Minha primeira apresentação foi em Pirenópolis. Depois, fiz o show de voz e violão em São Paulo, Brasília, Recife, Maceió, Porto Alegre. Entre dezembro e janeiro, estarei em Portugal e na Espanha.

Vai voltar a cantar no carnaval de Recife e Olinda, onde é sempre muito aguardado?

Espero que sim, mas ainda não tem definição sobre isso; assim como em relação à apresentação no Parque do Ibirapuera, com o bloco Bicho Maluco Beleza.

 

 

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