Não é comum que biografias de grandes artistas se aprofundem nos aspectos sociais que atravessaram a vida do biografado. O que se cria é a ideia de que todas as escolhas do personagem central foram orientadas em razão do objetivo do sucesso, resultando em crônicas com pouco potencial explicativo. Em A simplicidade de um rei: trânsitos de Roberto Carlos em meio à cultura popular de massa, de autoria do sociólogo Marcos Henrique Amaral, a carreira de Roberto Carlos serve como ponto de partida para a compreensão de processos sócio-históricos, como a notável expansão daquilo que na sociologia pode ser chamado de “indústria cultural”, em um país que buscava (e ainda busca) definir uma identidade para a música brasileira. O livro é resultado do trabalho de mestrado de Amaral na Universidade de Brasília, defendido em 2012.
Marcos Henrique Amaral é professor de sociologia na Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEEDF), pesquisador do grupo Cultura, Memória e Desenvolvimento (CMD) e doutor em sociologia pela Universidade de Brasília (UnB). Suas pesquisas têm como eixo orientador as relações entre cultura popular, memória e economia. Em 2020, defendeu a tese de doutorado Jorge Ben, tradutor do Brasil.
Segundo o autor, o livro tenta mostrar como o Rei conseguiu se manter em um lugar de consagração depois de décadas, ao passo que outros símbolos da Jovem Guarda caíram no esquecimento ou não recebem tantos holofotes quanto ele. Amaral adianta que a disputa entre a MPB, representada nos anos 1960 pelo programa O fino da bossa, e o iê-iê-iê, beneficiou os dois lados, mas que a Jovem Guarda, cujo programa era concorrente direto do que era comandado por Elis Regina e Jair Rodrigues, nunca ganhou o páreo.
“Naquela época, a indústria começava a pensar no público jovem, que, antes da bossa nova, simplesmente não existia. Em meio a essa competição entre Jovem Guarda e a MPB, a primeira foi a que melhor conseguiu atingir esse novo público”, analisa Marcos. De um lado, jovens exploravam o rock’n’roll, gênero importado da gringa, tida como de menor qualidade e pejorativamente chamada de “popularesca” pela intelectualidade. O uso da guitarra elétrica era desprezado pela MPB, que tinha a ideia de cultura popular oriunda de um passado imaculado, de ritmos tradicionais brasileiros, o chamado “folclorismo”. O autor fala de um elitismo, denominado como “etnocentrismo de classe” na sociobiografia, por parte dos MPBistas. “Roberto Carlos é um dos músicos mais regravados e que mais arrecada direitos autorais. Como ele não é reconhecido na história da música nacional como os cânones da MPB são, sendo que ele vendeu tanto?”, questiona o sociólogo.
Segundo Amaral, o período em questão era marcado por uma cultura de massa ainda incipiente, com a chegada do rádio de maneira significativa aos lares brasileiros e o crescimento da televisão. “Existe uma relação simbiótica entre a trajetória de Roberto Carlos e a cultura de massa em expansão, em um país que passava por um intenso processo de urbanização”, assinala.
Saltando para os anos 1990, Marcos destaca a abolição do caráter político da música, quando entra em ação a máxima “arte pela arte”, momento que Roberto Carlos ganha a “carteirinha da MPB”, movimento no qual ele nunca foi inserido, mas com quem sempre dialogou. “Quando Caetano grava e revela a história da música Debaixo dos caracóis dos seus cabelos, canção que demonstra empatia com o exílio de Caetano Veloso durante a ditadura, Roberto ganha capital simbólico (termo usado na sociologia referente a reconhecimento ou valor social)”.
Serviço
A simplicidade de um rei: trânsitos de Roberto Carlos em meio à cultura popular de massa
Marcos Henrique Amaral. Paco Editorial, 305 páginas. Preço: R$ 47,60.
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