Crítica

Woody Allen retoma brilho relativo, em 'O festival do amor'

Ao lidar com corriqueiros temas como hipocondria e traições, tarimbado diretor ainda emplaca uma série de citações de cinema, em 'O festival do amor'

Ricardo Daenh
postado em 06/01/2022 11:11
 (crédito:  Quim Vives/Divulgação)
(crédito: Quim Vives/Divulgação)

Crítica // O festival do amor ###

Ante uma avalanche de filmes vistos num festival de cinema, a transformação é um resultado para todo e qualquer espectador que se afunda nas poltronas das salas, durante algum evento do segmento. Mais do que ciente disso, o cineasta Woody Allen é um privilegiado, há décadas; isso ao ponto de ver a própria concepção da sétima arte mudar de eixo, tamanha a gama de inovações de linguagem que testemunhou. O Festival do amor, a nova criação de Allen, traz ironia (embutida no título), homenagens e uma carga de reflexões e tópicos graciosos. Todo o enredo do filme tem o evento espanhol de San Sebastián, uma grande vitrine de cinema internacional, como pano de fundo.

No novo filme, o ex-professor e aspirante a escritor Mort (Wallace Shawn) frequenta um ciclo pedante ligado ao cinema: a esposa dele, Sue (Gina Gershon), estreita a ponte entre jornalistas e um narcisista cineasta chamado Philippe (Louis Garrel, brilhando). Philippe traz, na bagagem, o risível desejo de fazer um remake de Acossado (do mestre Godard), e ainda acredita que seus filmes possam resolver a crise política do Oriente Médio. Mort alterna entre hostilidade e resignação, diante da ameaça de um forçado ménage à trois, que viria a contragosto dele, tamanha a proximidade entre Philippe e Sue.

Quase 24 anos depois de Desconstruindo Harry, que fazia celebração do clássico Morangos silvestres, Allen retorna a celebrar o cinema de Ingmar Bergman. Mas não particulariza a citação: como numa metralhadora encadeada, presta homenagens a François Truffaut, Luis Buñuel, Claude Lelouche e Orson Welles, entre outros.

Verdade seja dita, há certo desgaste na execução do filme, mas os tópicos do humorista seguem válidos. Crises profissionais, traições amorosas e dados filosóficos (entre os quais, "Em que consiste a vida?") despontam; isso além da exploração de obsessões, como discutir de colesterol a refluxo.

Por mais que aposte em referências sofisticadas (vale a lembrança de que Mort almeja se igualar a Dostoiévski), Woddy Allen traz um dos filmes mais acessíveis, em anos recentes. Melancólico, Mort ganha ânimo com uma reviravolta no filme, ao passar pelo consultório da doutora Jo Rojas (Elena Anaya, de A pele que habito). Auto-referente no plano do desejo e das cantadas (que evocam Vicky Cristina Barcelona), Allen traz frescor, ao entrever um roteiro que resolva, em parte, a crise emocional do protagonista que é, por demais, intelectual.

Com a narrativa afastada de tédio, o cinema de Allen pode ser reconsiderado, e atinge mesmo quem não tem familiaridade com a obra dele. Num dos ápices, uma representação da indiferente personagem da morte (feita por Christoph Waltz) rende das melhores gags na telona.

Para as crianças

No enredo de Sing 2, Redshore é o palco almejado por personagens como a elefoa Meena (dublada por Sandy), a porco espinho Ash, uma roqueira que ganha a voz de Wanessa Camargo, e por um agitado coala. No filme dirigido por Garth Jennings, medos e limites de cantantes personagens despontam, quando todos se unem para convencer um recluso astro do rock a participar de uma celebração da música nos palcos. Com a música Suéltate gravada por Anitta, a versão nacional do longa traz as vozes de Lexa, Fábio Jr. e Fiuk.

O aplaudido retorno do Cine Brasília 

Quase dois anos de inatividade marcaram a trajetória do Cine Brasília (EQS 106/107), durante a pandemia. Agora, com a Mostra de Cinema Egípcio — Cine Brasília 2ª edição, o espaço retoma, por quatro dias, a projeção de filmes internacionais, uma das características que sempre fundamentaram a curadoria da sala.

Com exibição de seis longas, e direito a novo projetor e readequação das instalações para maior acessibilidade, o Cine Brasília adotará, durante a nova mostra, um esquema de acesso mediante doação de um quilo de alimento não perecível. Quem preferir acompanhar a mostra de casa, poderá acessar os filmes, via digital, em cinemaegipcio.com

Na programação, Mawlana (atração das 20h de hoje) traz uma trama de reajuste no rigoroso fundamentalismo da região, a partir da ação de um sheik, que, durante visita à mesquita, assume ares de celebridade, reconsiderando a comunicação com os compatriotas. Amanhã, será a vez do longa Yomeddine, projetado às 20h. No enredo, um coletor de lixo se desconecta do cotidiano numa colônia de leprosos, a fim de reencontrar a família no Egito.

Fotocópia domina sessão dupla, no sábado (às 17h e às 20h30), a partir do retrato do dia a dia de um idoso que, no Cairo, promove uma nova dinâmica na obsoleta revenda de serviços ligados à datilografia e fotocópias. Finalmente, com quase três horas de duração, O elefante azul, conduzido por Marwan Hamed, encerra a retomada do Cine Brasília, no domingo, às 20h.

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