Música guardada no coração

O álbum Elza Soares & João de Aquino, registro histórico inédito, gravado na década de 1990, será lançado em CD e vinil

Irlam Rocha Lima
postado em 06/02/2022 00:01
 (crédito: Batucada Comunicação/Reprodução)
(crédito: Batucada Comunicação/Reprodução)

Filha do Planeta Fome, cantora do milênio, mulher do fim do mundo estão entre os codinomes atribuídos a Elza Soares. Antes de tudo, porém, a artista nascida em Vila Vintém, favela do subúrbio de Padre Miguel, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, foi uma guerreira que lutou contra tudo e contra todas as adversidades. Dona de voz metálica, intérprete versátil, embora tenha ficado conhecida como sambista, passeou com igual brilhantismo pelos mais diversos estilos.

Isso ficou bem claro no legado que deixou, reunido em mais de 30 discos. Um deles é Elza Soares & João de Aquino, registro histórico da década de 1990, inédito até recentemente, quando chegou às plataformas digitais, e que será lançado em breve pela Deck nos formatos CD e Vinil. Gravado numa única sessão de estúdio, o álbum reflete a maneira do canto dela e o tipo de repertório -- bem diversificado a que se dedicou ao longo 60 anos de carreira.

Esse projeto evidencia também a intimidade musical entre Elza e João de Aquino. O violonista foi produtor de importantes discos, como o Negra Elza, Elza negra, e parceiro de palco da cantora desde a década de 1970.

Quando da inserção do Elza Soares & João de Aquino nas plataformas digitais, empolgada com o trabalho, a cantora ressaltou: "Foi chegar no estúdio e deixar fluir. Com o João sempre foi assim. Acho que dá para perceber como estávamos à vontade, não é mesmo?. Para nós, é uma alegria o público conhecer esse álbum".

Carioca do bairro de São Cristóvão, atualmente morador do subúrbio de Pilares, João de Aquino iniciou a carreira tocando em boates, gafieiras e casas noturnas do Rio de Janeiro. Como compositor, é autor de incontáveis temas instrumentais e tem em Viagem e Canário da terra, parcerias com Paulo César Pinheiro e Aldir Blanc, respectivamente, as músicas mais conhecidas. Enquanto produtor e arranjador, trabalhou com vários artistas. Mas foi ao lado de Elza Soares que mais atuou, tanto em estúdio quanto em palcos do Brasil e do exterior. Com problemas na retina, deixou de fazer apresentações, mas está sempre tocando violão, seu velho companheiro.

Em entrevista exclusiva ao Correio discorreu, com detalhes, sobre a trajetória de 60 anos no universo da MPB e sobre a parceria com Elza Soares.

Entrevista / João de Aquino

Já são quantos anos de carreira?

Estou ligado à música há 60 anos. Comecei bem jovem, tocando guitarra em gafieiras e casas noturnas no subúrbio e na Zona Sul do Rio de Janeiro. Ia para esses lugares de ônibus, levando o instrumento e o amplificador. Era difícil, mas tinha que correr atrás do ganha-pão e, depois, do sustento da família.

Quando começou a compor?

A primeira música que compus foi em 1964, na época da ditadura militar. Foi uma parceria com Paulo César Pinheiro, intitulada Canção de nome proibido, para uma peça encenada no Teatro Opinião. Na verdade, deveria se chamar Liberdade, mas essa expressão era proibida naquele período, em que vivíamos sob a ditadura militar.

Viagem, um clássico da MPB, outra parceria sua com Paulo César Pinheiro, é da mesma época?

Sim. O Paulo César era adolescente quando escreveu a letra. Viagem se tornou conhecida pelo público oito anos depois, ao ser gravada por Marisa Gata Mansa. Muito ouvida no rádio, logo se transformou num grande sucesso.

Desde quando vinha trabalhando com Elza?

Passei a trabalhar com Elza depois que voltei do México, onde me radiquei por quatro anos, na segunda metade da década de 1970. Toquei com Elza em shows no Brasil, inclusive em Brasília, e no exterior, fiz arranjos e gravei vários discos com ela. Neste, que leva o nome de nós dois, gravamos em 1996, no extinto estúdio Haras, na Lapa, definimos o repertório de comum acordo. A acompanhei em todas as faixas, às vezes dobrando o violão, e inseri alguma percussão. É um disco diferente de todos o que ela fez. Naquele momento, Elza estava em plena forma, cantando muito com aquela voz poderosa. Por aquele estúdio passaram músicos e cantores famosos como Ed Lincoln, Orlandivo e a orquestra de Cuba.

Chegou a conversar com

ela, depois que o disco foi lançado nas plataformas digitais?

Batemos um papo e ela mostrou-se muito triste com a situação do país e disse que o disco era o seu presente de Natal. Me falou que estava indo para São Paulo gravar um DVD e me convidou para almoço, na volta ao Rio, o que acabou não ocorrendo.

De que forma tomou conhecimento da morte de sua amiga?

A Eliana, minha mulher soube acessando a internet. Aí, ligou a televisão e a Globo News estava noticiando. Foi um baque para mim. Chorei bastante, pois Elza e eu sempre fomos grandes amigos. O nome de Elza hoje faz parte, com o merecido destaque, da história da música e da cultura brasileiras. Quanto a mim, a guardarei para a sempre no meu coração.


CD de Elza Soares

& João de Aquino

Álbum da cantora
e do violonista, com

12 faixas, lançamento da
Deck, disponível nas plataformas digitais.

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