Com velório, hoje, no Rio de Janeiro, Jabor é lembrado por amigos

O cineasta, cronista, ensaísta e comentarista Arnaldo Jabor terá última homenagem, hoje, no MAM (RJ). Um filme inédito, Meu último desejo, será mostrado no segundo semestre deste ano

Ricardo Daehn
postado em 16/02/2022 00:01 / atualizado em 16/02/2022 08:02
 (crédito:  Bruno Veiga/Divulgação)
(crédito: Bruno Veiga/Divulgação)

"A morte do Jabor foi uma das mais tristes notícias que recebi, nestes tempos de consternação que atravessamos, o de um Brasil em que está difícil atravessar. Acho que ele morreu de tristeza, de revolta do que está acontecendo no país, e não é de hoje", observa o diretor paraibano, radicado em Brasília, Vladimir Carvalho. Do cinema novo, "feito de pessoas extraordinárias", entre as quais Walter Lima Jr., Joaquim Pedro de Andrade, Eduardo Escorel, Paulo César Saraceni e Glauber Rocha, "talvez o poeta mais sensível fosse Arnaldo Jabor", desabafa.

Diretor, premiado e ferrenho crítico da sociedade, Arnaldo Jabor morreu, ontem, aos 81 anos, em decorrência de complicações de um Acidente Vascular Cerebral que, em meados de dezembro passado, o levou à internação no Hospital Sírio-Libanês paulistano. Familiares, como os filhos João Pedro, Carolina e Juliana, junto com amigos, puderam se despedir de Arnaldo em velório realizado em São Paulo. Hoje, haverá velório no Museu de Arte Moderna (RJ). O corpo do cineasta será cremado.

Na visão de Vladimir (assistente de Jabor nos filmes Rio, capital do cinema e Opinião pública), o cineasta fez inimigos, à direita e à esquerda. "Ele estava acima dessas coisas. Tinha um agudo senso crítico, não só como cineasta, mas com a grande sensibilidade em termos de tratamento do cinema brasileiro. No jornalismo, Jabor foi militante, no melhor dos sentidos, em crônicas que eram extraordinariamente sintonizadas. Sabia do que estava falando e foi uma pessoa que sentia o Brasil, numa postura de lucidez fulminante, além de ser ferino", avalia o autor de Conterrâneos velhos de guerra.

Jabor, segundo Vladimir, foi quem o apresentou a possibilidade de executar o cinema direto. À época, se escrevia texto para ser sobreposto às imagens. Não se tinha aparelhagem que acoplasse, simultaneamente, imagem e som. "Ele foi um grande mestre que tive. Nele, havia a espontaneidade e a descontração, nas filmagens. Na ambientação do documentário Opinião pública, parecia que Jabor já conhecia tudo dos entrevistados, e ia falando. Era um homem bonito, e extraordinariamente natural com seus entrevistados. Foi o mestre dos mestres, no cinema direto, e ficou uma amizade", comenta.

Olhar de lince

A promoção de um seminário, no início dos anos de 1960, impulsionado por Vinícius de Moraes e Manuel Diegues (pai do celebrado cineasta Cacá), a partir do nascimento do Cinema Novo, trouxeram ao Brasil o diretor sueco Arne Sucksdorff. Neste cenário, ainda poeta, Arnaldo Jabor desponta, como intérprete do curso. Assim sendo, a tradução e -- indiretamente --, o compasso e régua para a eclosão do cinema direto no Brasil devem muito a Jabor: parte do sustento tecnológico do cinema novo veio com dois aparatos cedidos ao Mam (RJ), por Suckdorff. Um Nagra (gravador portátil, de fácil transporte) e a moviola (em que foram montados Vidas secas e Deus o diabo na terra do sol) estão no legado do sueco trazido por Jabor. "O Joaquim Pedro de Andrade e o Eduardo Escorel estiveram nesse curso. Começaram, assim, a sair muitos dos filmes 'de rua' do cinema. Mais adiante, Jabor passou a ser o maior tradutor da obra do Nelson Rodrigues, isso dito pelo próprio Nelson. Foi o cineasta que mais se aproximou daquele universo", observa o cineasta Joel Pizzini. Estudioso da obra de Glauber Rocha e amigo de Jabor, Pizzini detecta no longa Tudo bem (1978), um dos maiores títulos assinados por Jabor. "O filme continua muito atual. É um microcosmo do Brasil -- há uma falta de perspectiva nos personagens, existem todas as diferenças (sociais) e se apresentam todas as dificuldades de se conciliar tantos caminhos. Ali está, num todo, o retrato do Brasil, quando se pensa em classes e desejos", explica.

 

O que eles disseram

"Desde minha adolescência assisti a filmes do Jabor, ele faz parte de minha formação como cineasta e produtor. Foi uma felicidade aceitar fazer um filme dele (o inédito Meu último desejo), um desafio ter essa figura mítica de grandes filmes, filmes transgressores, de uma potência como poucos, diretor obrigatório de nossa cinematografia.

Ele sobrevive da forma como queria -- no nosso imaginário, na tela do cinema.

André Montenegro, produtor de Meu último desejo, filme de Jabor que estreará em 2022

"Arnaldo pode ser apresentado, por dois cês: era sinônimo de clareza e de coragem. São duas grandezas que o acompanhavam e ele levou pela vida inteira. Ele se revela, de maneira muito forte, inicialmente no cinema e, em seguida, passa a cronista e jornalista. Falando sobre a classe média, basicamente. No cinema, ele traz a polêmica ao apresentar aspectos do Brasil, da sociedade e do pensamento brasileiros que não eram muito vivos. Coisas que as pessoas não conheciam, ou conheciam de modo inconsciente. Jabor foi um bom conscientizador da sociedade brasileira, além de cineasta maravilhoso, e que fez cinema para história"

Orlando Senna, cineasta

 "Minha cabeça foi feita pela geração do Jabor, que é um cineasta seminal na minha formação. Ele faz a crítica da classe média, logo depois do golpe, com Opinião pública (1967), primeiro filme verdade do Brasil, com análise do comportamento social. Quando o Brasil trilha um circuito excessivamente moralista, Jabor vai para Nelson Rodrigues, crítico em relação aos padrões morais. Ele foi uma figura absolutamente fundamental no cinema brasileiro e na cultura brasileira: implacável, no preconceito contra o preconceito.

Silvio Tendler, cineasta

"Jabor é um dos pilares do Cinema Novo. Ele, na militância cinematográfica e política, como jornalista, teve por característica principal a paixão. Os mundos da ficção e da realidade ele abraçava como com a mesma paixão. Os filmes dele ficaram para sempre, não sendo datados. A preocupação de Jabor era muito grande com o Brasil."

 

Luiz Carlos Barreto, produtor

 

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