Semana de 22

Oswald de Andrade é tema de debate sobre 100 anos da arte moderna no Sebinho

Live do poeta e ensaísta Francisco K dá sequência a ciclo que discute os 100 anos da Semana de Arte Moderna

Severino Francisco
postado em 23/02/2022 10:51
 (crédito: Reprodução do livro 100 Brasil)
(crédito: Reprodução do livro 100 Brasil)

O poeta e ensaísta Francisco K apresenta, nesta quarta-feira (23/2), às 20h, live sobre Oswald de Andrade, dando sequência a uma série sobre o centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, sob a coordenação de Antonio Carlos Queiroz, no Instagram do Sebinho. O ciclo foi aberto com live do professor Daniel Farias, que questionou as vinculações de classe e de poder dos modernistas.

K não se esquiva do debate atual sobre as relações dos grandes artistas surgidos no modernismo de 1922 com a burguesia cafeeira escravista, da qual alguns deles eram filhos e herdeiros. Para K, Oswald era filho das elites, mas um filho rebelde, questionador e sarcástico. O que está evidente em Memórias sentimentais de João Miramar, na Poesia Pau Brasil e no Manifesto Antropofágico.

Embora legítimas, essas críticas, muitas vezes, não alcançam a potência imaginativa da arte modernista antropofágica, que permanece como uma referência fecunda e provocadora no mundo globalizado, com a sua avalanche de informações homogeneizadoras, entende K. A série de debates sobre os 100 anos da Semana de Arte Moderna, promovida pelo Sebinho, terá sequência, na sexta-feira (25/2), às 20h, com live de Fernando Marques sobre Carlos Drummond de Andrade.

A rebeldia, o sarcasmo e o humor são traços que perpassam toda a obra de Oswald. No entanto, o impulso contestador fica muito mais intenso quando ele se torna modernista. Memórias sentimentais de João Miramar mantém um diálogo cerrado com Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, aponta K: “A narrativa em primeira pessoa, com memórias, é de um integrante da elite muito bem posicionado e que expõe as mazelas e a vacuidade dessa mesma elite, mas de maneira muito ambivalente e rica de percepções do mundo”.

K lembra que o pai de Oswald não era dono de fazendas de café, mas, sim, alguém que entrou no mercado imobiliário e acumulou fortuna considerável. Como poeta, ele contesta o dinheiro e dilapida a herança por má gestão: “Depois que perde a fortuna, Oswald começa uma fase de militância comunista, sem perder o sarcasmo e o anarquismo. Com o fim da ditadura Vargas, ele se volta para as ideias antropofágicas”.

As ideias antropofágicas de Oswald tiveram o momento explosivo com o movimento tropicalista, comandado por Caetano Veloso e Gilberto Gil. Mas K enfatiza que essa vertente do pensamento modernista alcança grande repercussão internacional, na atualidade, por meio das interpretações de Eduardo Viveiro de Castro, o antropólogo brasileiro mais conhecido no exterior. “O índio de Oswald era muito abstrato, apreendido nos livros. Eduardo Viveiro de Castro juntou a antropologia indianista e a antropofagia oswaldiana e suscitou novas virtualidades dessa ideia-matriz, que teve a manifestação mais recente no movimento Mangue Beat.”

A crítica de que Oswald estetizou os índios e ignorou os negros é rebatida e matizada por K. Segundo ele, o índio do formulador da antropofagia passa do bom selvagem para o mau selvagem. Oswald valoriza o índio belicoso, mas aberto às trocas simbólicas e à alteridade. Já o negro está mais presente na Poesia Pau Brasil: “Tem denúncias da escravidão muito fortes, ele mostra o negro resistente. O próprio Oswald se envolveu na incipiente organização dos movimentos negros dos anos 1930. Claro que eles não conseguiram fazer muitas coisas, mas que nem a própria esquerda da época fez. Embora não tivesse colocado algumas questões, o projeto cultural modernista permitiu que elas aflorassem mais tarde. A representação do negro, por exemplo, no cinema do Glauber Rocha, é algo complexo, que pode ser interpretada como decorrência do modernismo”.

K reconhece que as revisões do modernismo são importantes e não considera nenhum autor intocável. Mas uma das críticas que faria é a da negação da linguagem artística como um meio do conhecimento e um despertar de novas possibilidades de transformação do mundo: “A obra de arte não é só documento, como dizia Walter Benjamin. Ela é uma potência para pensar o mundo.”

A grandeza de Oswald de Andrade está no fato de ele ter sido um inventor, segundo K. Diferentemente de Carlos Drummond ou de Manuel Bandeira, autores de obras essencialmente poéticas, Oswald foi poeta, dramaturgo e ficcionista original: “A Poesia Pau Brasil influenciou a geração marginal de Chacal e Nicolas Behr. Tem um lado de descontração que nem sempre chega a resultados apurados. O crítico João Ribeiro reconheceu a novidade da poesia de Oswald, mas antecipou que ele seria facilmente banalizado, o que ocorreu com parte da poesia marginal. Os romances são profundamente inovadores, brincam com a estrutura da narrativa tradicional da ficção”.

Para K, a ideia de antropofagia permanece extremamente atual no mundo globalizado, como um fator de filtro, reinvenção e singularidade das culturas periféricas: “É uma maneira de pensar um diálogo com a cultura internacional e com o próprio excesso de informação, sem cair nas formas amorfas do mundo globalizado. Oswald concebe o índio tecnicizado. Tem um mundo de coisas na internet, que, se não for transformado por um processo criativo, acaba se reduzindo a uma pobreza. Eu acho maravilhoso os índios se apropriarem dos instrumentos tecnológicos para se expressarem. Eles são os índios tecnicizados que Oswald prefigurou. A antropofagia permite o aflorar das diferenças dos que estão na periferia do mundo desenvolvido”.

 

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