Desvendar parte do "mistério do samba" foi a tarefa do documentário homônimo de 2008, assinado por Carolina Jabor e Lula Buarque de Hollanda, que remexeu num baú de pesquisas de Marisa Monte dedicadas à Velha Guarda da Portela, num filme que contou com as presenças de Paulinho da Viola e Zeca Pagodinho. É assim, reavivando enredos históricos ou registrando para a posteridade fatos geracionais, que o cinema contribui para a cultura nacional. Iniciativas raras no âmbito da cultura trazem momentos como o investimento, em 2001, de R$ 267 mil no restauro do precioso longa Alô, alô, Carnaval (1935), que demarcou a projeção do talento de Carmen Miranda, e contou com personalidades do rádio, em meio a sátiras aos anos de 1930. No filme de Adhemar Gonzaga, despontam números musicais com obras consagradas como Pierrot apaixonado, eternizadas em sons e movimentos.
A dobradinha cinema e carnaval pode trazer o consolo de foliões que vivem momentos dolorosos, nos tempos de covid-19, como a perda do livreiro Tarcísio Pereira, morto, no ano passado, em decorrência de complicações da doença, em Pernambuco. Na irreverência dos festejos no Recife, Tarcísio foi figura de ponta para o bloco Nóis sofre... mas nóis goza — que teve as origens imortalizadas no média-metragem homônimo assinado por Sandra Ribeiro. O carnaval no Nordeste, nas telas, ainda rendeu jovens clássicos como Ó paí, ó, feito em 2007 por Monique Gardenberg, que trouxe elenco de peso comandado por Lázaro Ramos, Dira Paes e Wagner Moura. A ameaça de interrupção numa farra montada por moradores do cortiço de Salvador resulta em união daqueles que cercam Roque (Lázaro Ramos), um aspirante a cantor.
Com pé na realidade, a cinebiografia Trinta é outro título que incendeia, ao acompanhar a involuntária vocação carnavalesca de Joãosinho Trinta (Matheus Nachtergaele), nascida em 1974, à frente da Acadêmicos do Salgueiro. O clima de celebração também alcança passistas, musas e criativas cantoras que imprimem o vigor feminino em Damas do samba (2013), feito por Susanna Lira, a partir de conversas com mulheres da estatura de Tia Surica, Dona Ivone Lara e Alcione. Direto da fonte — em filmes como Axé, canto do povo de algum lugar (2016), que exalta talentos como Luiz Caldas e Bell Marques; Banda de Ipanema (2000), dirigido por Paulo César Saraceni, e Filhos de Ghandy (2000), sobre o bloco fundado em 1949 —, o público pôde se inteirar de personagens pioneiros e da evolução de cenários da mais brasileira das festas. Confira abaixo, como a sétima arte bem reproduziu a energia da massa em filmes memoráveis.
Quando o carnaval
chegar (1972)
De Cacá Diegues.
As composições de Chico Buarque, companheiro, no elenco, de Nara Leão e Maria Bethânia, emolduram o clima de festejos da trupe que experimenta, em deslocamentos pelo país, o sucesso advindo das apresentações musicais nas quais louvam sucessos do rádio. Nos bastidores do trabalho, eles convivem com ambições e paixões, além de sincretismo, nesse filme que traz integrantes da Acadêmicos do Salgueiro.
Dona Flor e seus dois
maridos (1976)
De Bruno Barreto.
No filme colorido e repleto de sinestesia, há na trilha sonora o uso de criação de Ary Barroso (Quindins de Yayá), o que ajuda a ambientar a festiva Salvador dos anos 40, na qual uma cena se torna inesquecível: Vadinho (José Wilker) enfarta, fantasiado, em pleno carnaval. Mas, ele voltará, a fim de infernizar a vida da personagem-título a cargo de Sônia Braga. Sucesso resplandescente de público desbancado (em números) por outros marcos como Central do Brasil e Tropa de elite.
Carnaval Atlântida (1952)
De José Carlos Burle.
No tabuleiro da baiana e Máscara da face são alguns dos números musicais vivenciados por personagens de Eliana Macedo e Oscarito. A trama explora uma pretendida adaptação para a mitológica Helena de Troia, mas tudo com a esperada estrutura festiva do cinema nacional. Um consultor de mitologia é acionado para enriquecer, com requintes de superprodução hollywoodiana, o roteiro do filme pretendido. Mas, por trás do projeto, muitos torcem pela efetiva feitura de mais uma comédia de carnaval, com traços verde-amarelos.
Banana is my business (1995)
De Helena Solberg.
Com carga documental, a carreira e a vida de Maria do Carmo Miranda da Cunha, a Carmen Miranda, criada no Brasil e despontada para o mundo via Hollywood, são revistas, 40 anos após a morte dela, em meados dos anos de 1990. Cenas de arquivos e depoimentos se mesclam a episódios encenados por Eric Barreto e Letícia Monte. A diretora Helena Solberg demarcou a proposta de resgate da identidade cultural de Carmen e o fato da exponencial projeção feminina, numa época conservadora. No Festival de Brasília de 1994, crítica, júri popular e júri oficial (que concedeu prêmio especial) se uniram na consagração do filme.
Cinco vezes favela (1962)
Longa que traz Couro de gato, de Joaquim Pedro de Andrade.
Nesse filme de episódios, Cacá Diegues cerca aspectos comerciais ligados aos festejos de Momo, enquanto colegas como Marcos Farias e Leon Hirszman exploram dilemas da favela. Em 12 minutos, Joaquim Pedro assina o curta clássico Couro de gato, que trata do cenário assustador para os felinos, diante da confecção de tamborins, às vésperas do carnaval.
Berlim da batucada (1944)
De Luiz de Barros.
Buscando conteúdo e atores brasileiros, profissionais do exterior invadem o ambiente do carnaval carioca, a fim de idealizarem um filme colorido, nesta comédia musical que conta com as atuações de Procópio Ferreira e Grande Otelo, além das presenças e vozes de Francisco Alves, Dalva de Oliveira e
Herivelto Martins.
Orfeu (1999)
De Cacá Diegeus.
A peça Orfeu da Conceição, de Vinícius de Moraes, traz o mote do longa estrelado por Tony Garrido e Patrícia França, e que conta com a comunidade da Unidos do Viradouro. Orfeu é um compositor do morro que se apaixona pela nortista Eurídice, e eles montam um calendário para a vida conjugal, mas que dependente das atividades carnavalescas. Cenas na autêntica folia da Marquês de Sapucaí, crises com o tráfico de drogas e uso de mitologia grega formam pilares do longa conferido por mais de um milhão
de espectadores.
Orfeu do carnaval (1959)
De Marcel Camus.
Produção francesa e paulistana ganhadora da Palma de Ouro Cannes, do Oscar de melhor filme estrangeiro e do prêmio de melhor direção no Festival de Berlim. Ciúmes e a morte rondam o amor entre Orfeu (o jogador de futebol Breno Mello) e Eurídice (Marpessa Dawn), que vem embalado por músicas como Manhã de carnaval e por acordos dos personagens com divindades. O filme traz participações de Lea Garcia e de foliões da Portela, Mangueira, Acadêmicos do Salgueiro, Império Serrano e Unidos da Capela.
Samba Riachão (2001)
Documentário de Jorge Alfredo.
Autor de Cada macaco no seu galho e Vá morar com o diabo, Clementino Rodrigues, o artista Riachão, puxa o fio da meada do longa que trata de boemia e da posição de destaque do samba, no apanhado histórico da MPB. Dorival Caymmi, Carlinhos Brown, Tom Zé, Gilberto Gil e Caetano Veloso estão entre as figuras de ponta analisadas no decorrer do longa que venceu prêmios de júri popular e, empatado com Lavoura arcaica, o de melhor filme, pelo Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.
Algumas atrações
HBO Max (streaming)
No 14º episódio da série Turma da Mônica, Fantasia de Carnaval, os endiabrados Cascão e Cebolinha tentam atrapalhar os preparativos da festa por parte de outros personagens criados por Maurício de Souza. O programa Onda boa traz Ivete Sangalo em clima de agito e descontração, ao receber, em cinco episódios gravados no sítio dela, personalidades musicais como Iza, Glória Groove e Vanessa da Mata.]
Irmão do Jorel — Especial Carnaval bruttal (foto) mostra personagens desiludidos com um realidade adulterada, em que a festa de carnaval traz marchinhas repetidas à exaustão e padronização de fantasias.
Canal Brasil
Mangueira em 2 tempos (foto), amanhã, às 18h. A partir do vídeo Mangueira de amanhã, feito há 30 anos, a diretora Ana Maria Magalhães revisita o cotidiano de antigos frequentadores de escola
de samba mirim.
Paulinho da Viola — Meu tempo é hoje, quarta, às 18h. De Izabel Jaguaribe. O discreto Paulinho da Viola tem parte da vida desvendada por Zuenir Ventura, cicerone de uma jornada que inclui encontros com talentos como Marina Lima e Elton Medeiros.
Curta!
(programação, de graça, no site canalcurta.tv.br/viainternet)
Hoje, às 20h30, episódio Ó abre alas da série 101 canções que tocaram o Brasil, comandada por Nelson Motta, examina o percurso das marchinhas clássicas.
Hoje, às 21h, Coração do samba, a diretora Theresa Jessouroun propõe um raio-X no campo da percussão: ela explora o segmento da bateria de uma escola de samba.
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