Crítica

Confira a crítica do filme 'A jaula', com Chay Suede

Em tempos de exaltação, o longa de estreia de João Wainer convida à reflexão em torno de relações humanas

Civilidade, acorda!

Frases como "É cada um por si, e Deus acima de todos", ao lado de uma torrente de agressões verbais e o deboche com "a porra dos direitos humanos" delimitam o espaço do perverso jogral que acompanha os protagonistas do filme nacional A jaula: o contraventor Djalma (Chay Suede) e o doutor Henrique Ferrari (Alexandre Nero).

Preso dentro de um carro, que ele mesmo arromba, para fazer selfie e até urinar dentro (numa virtual garantia de propriedade), Djalma se encontra num caso "fora dos padrões", como reforçado por profissionais de um programa de tevê sensacionalista que acompanham o desfecho de um confinamento violento e involuntário para o marginalizado rapaz que habita Capão Redondo (SP).

Adaptando 4x4 (filme argentino escrito por Mariano Cohn e Gastón Duprat), o estreante em ficção João Wainer consegue mobilizar um debate pertinente, a partir de trama em que ameaças parecem estar invertidas. Com direito a cena de linchamento, que desperta aplausos de populares, A jaula contrapõe o chamado "maloqueiro" ao autoproclamado "cidadão de bem". Asfixia, sede e outras limitações achatam Djalma, sujeito a torturas psicológicas e físicas, quando se vê preso num carro com vidros polarizados e transformado em bunker.

Em condições exasperantes, que trazem um quê dos longas Um dia de fúria e Ônibus 174, A jaula discute arrogância, selvageria e a indiferença. Num embate com direito a atores afiados, o longa, por momentos, exagera nas tintas do drama e do teor de suspense. Mas, nos tempos que atravessamos, não deixa de cair bem o exame de civilidade, seja ele alheio, ou de própria lavra. Ah! Com direito ao andamento de uma enquete televisiva tosca, nem os meios de comunicação passam incólumes.