Bric a Brac celebra o modernismo

A revista de poesia experimental será relançada este ano em homenagem ao centenário da Semana de Arte Moderna de 1922

Giovanna dos Santos
postado em 29/05/2022 00:01
 (crédito: Fotos: Kleber Lima/CB/D.A Press e Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
(crédito: Fotos: Kleber Lima/CB/D.A Press e Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Tradição e inovação, transformações sociais e culturais, experimentação e modernismo. É deste jogo de elementos contrastantes que a Revista Bric a Brac nasceu na capital do país. De 1985 a 1993, o projeto reuniu o melhor da poesia experimental, manifestos, contradições e inventividades nas cores da pós-modernidade, a cada edição. Após hiato de 29 anos, a revista  retorna neste ano, com a edição especial Bric a Brac XXII para celebrar, dialogar e recriar com mira crítica os 100 anos de modernismo.

Segundo o jornalista e editor Luis Turiba, a edição "retoma a tradição de dar espaço para experimentações, inspirada nos grandes poetas e obras que mudaram o rumo da literatura brasileira a partir de 1922". Ao mesmo tempo, valoriza a diversidade cultural e a igualdade de gênero, de raça e sexual. Com a cultura sempre à frente nas transformações sociais, assume a poesia como ação libertária.

A partir de consultas com jornalistas e artistas pelo país, Turiba conta que o projeto pôde virar realidade: nomes como o poeta Augusto de Campos, um dos criadores do movimento da Poesia Concreta — que conviveu na juventude com os modernistas Oswald de Andrade e Mário de Andrade —, Antônio Risério, José Mindlin, Aderbal Borges, entre outros, são atrações do número especial. Ainda não há data concreta para a publicação da Bric XXII, mas a equipe editorial planeja o lançamento para meados de junho ou julho deste ano: "Augusto de Campos escreveu um depoimento precioso, que ocupa oito páginas da revista. Ele colocou tudo que ainda não havia revelado sobre o contato com Oswald e Mário de Andrade. Ficou mais conhecida a admiração que tinha por Oswald, mas Augusto também prezava Mário de Andrade".

A pausa pode ter sido grande, mas o período escolhido para a volta não poderia ser mais oportuno: a Bric XXII chega em clima de comemoração do centenário da Semana de Arte Moderna 1922, com viés crítico e inclusivo, cujo conteúdo reflete a inquietude dos modernistas. A produção, em meados de 2022, de uma nova e única revista com enfoque principal na poesia e arte contemporânea, numa coletânea de ideias, manifestações e universos criativos de uma diversidade de artistas, tem tudo para apontar novos caminhos para a cultura brasileira.

A Bric a Brac  nunca foi uma revista acadêmica; ainda assim, se apoia na herança cultural e poética de 1922 para dar voz a experimentações estéticas brasileiras e construir um caminho de inovação. "Mantendo-se sempre dentro da tradição evolutiva do modernismo, a Bric quebra barreiras e aproxima a poesia experimental de outros campos da arte", comenta o editor da revista.

Luis Turiba conta como reuniu o vasto material da Bric-a-Brac XXII. "Selecionamos material das Brics dos anos 1980/1990 e escolhemos também alguns modernistas de 22. Há um apanhado de poemas, artigos, colagens, textos-memória, cartas, fotografias, entrevistas e até histórias sobre Brasília", explica. "A revista presta uma homenagem a Luiz Eduardo Rezende, o Reza, que fazia a arte gráfica da revista.  Na capa, a foto de uma árvore pau-brasil que parece sangrar, mas é uma resina que sai da própria madeira. A foto é de Xico Chaves."

Na mescla do "poemário" da Semana de 22 com poemas significativos da Bric, passando pela poesia negra, concreta, neo-concreta e cordel, a revista agrega nomes de todo o país, como Walter Silveira, Antônio Cícero, Moacyr de Oliveira, Raquel Campos — neta de Augusto de Campos —, Anelito de Oliveira, Angélica Torres Lima, Tavinho Paes, Julio Mendonça, Xico Chaves e Antônio Risério.

Turiba ainda menciona outros trabalhos da revista: um artigo e falas sobre modernismo de Augusto de Campos, uma história urbana de Belo Horizonte, por João Diniz, uma coletânea de livros sobre o modernismo, extraída da biblioteca de Antonio Secchin, a carta de Paulo José Cunha à Torquato Neto, o texto-memória de autoria do próprio Turiba, do dia em que entrevistou o diretor do Museu de Arte Moderna de São Paulo, Pietro Maria Bardi.

Poesia visual

A revista Bric a Brac recebeu o nome francês dos mercados que misturam produtos novos com antigos, oferecendo um pouco de tudo. Foi inaugurada em 1985, quando o país saía de um período de regime ditatorial e voltava a respirar democracia,  tempo propício a descobertas, invenções, expansão cultural e existencial. "Surgiu assim uma revista viva e pulsante em sua essência, inquieta e modernista em seu conteúdo", comenta Turiba.

A primeira edição foi publicada no contexto de redemocratização do Brasil. A partir de então, abriram-se portas para que os horizontes pudessem se expandir. A Bric a Brac se propôs a ser uma mescla de poesia, grafismos, fotografias artísticas, histórias e entrevistas que entraram para a história do jornalismo, para mostrar as várias linguagens da cultura do país.

Merecem destaque, entre outros conteúdos, a publicação de um poema erótico inédito de Manuel Bandeira, uma alentada entrevista com o poeta matogrossense Manuel de Barros e colaborações de Augusto de Campos.

Brasília foi o palco de criação da revista, mas seu sucesso viajou para muito além da capital: os leitores do Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Minas Gerais, Bahia, entre outros, se encantaram com os frutos da inovação cultural do projeto. O núcleo editorial foi formado por três jornalistas — João Borges, Luis Turiba e Lúcia Leão, além do designer e artista plástico Luis Eduardo Resende, da fotógrafa Regina Bittencourt, entre outros. A equipe produziu seis edições até 1993.

*Estagiária sob a supervisão

de Severino Francisco

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