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Amaro Freitas faz show emocionante e arrebatador no encerramento do Mova

Pianista pernambucano tocou até as 3h desta segunda-feira (6/6) para uma plateia já esvaziada, mas privilegiada por uma exibição de rara destreza técnica, elevada criatividade e beleza transcendental

Fernando Brito
postado em 06/06/2022 13:40 / atualizado em 06/06/2022 17:57
 (crédito: Fernando Brito/ CB/ DA press)
(crédito: Fernando Brito/ CB/ DA press)

Você deveria ter visto Amaro Freitas tocando piano, até as 3 horas da madrugada desta segunda-feira (6/6), no encerramento do Festival Mova, em Brasília. A escassa, mas qualificada audiência testemunhou uma apresentação arrebatadora, conduzida com graça e força por um bruxo africano aos teclados. Duas moças ébrias e apaixonadas gritavam extasiadas em frente ao palco. O músico chegou a fitá-las por um instante, em uma das manifestações mais ruidosas, mas não perdeu o foco e permaneceu absorto, proporcionando um transe catártico às quase 100 pessoas que esqueceram o frio e abandonaram as primeiras obrigações de um início de semana para serem abençoadas por um som mágico — transcendental.

"Esse cara não é deste mundo. Deve ser um extraterrestre. Que show lindo! Genial", disse uma outra moça — distinta e elegante —, na primeira fila, usando o celular para um breve registro daquele momento surreal. A descrição seria perfeita, não fosse por um ligeiro equívoco. Amaro Freitas é filho da Terra, eclodiu das profundezas de uma natureza bravia e selvagem, como um pantera negra, tornou-se espécie rara em um mundo que enaltece os supérfluos saqueadores de caixas municipais, mas segue corajoso desbravando regiões ainda intocadas da música, arquitetando com absoluta contemporaneidade os alicerces de ritmos e melodias do amanhã.

A técnica do artista pernambucano impressiona pelo vigor e criatividade, explorando recursos que parecem infinitos às mãos do gênio negro, vestido com uma colorida bata ancestral e ostentando poderosa cabeleira. Ele viaja dos compositores clássicos às trilhas de desenhos animados, como uma criança que se diverte com desenvoltura com o brinquedo mais familiar. Os amigos que o acompanham ao contrabaixo (Jean Elton) e à bateria (Hugo Medeiros) compõem um power trio de entrosamento campeão, capitaneado por um Pelé do piano — grandiloquente, feroz e sensível .

A imagem de Amaro seduz e fascina. Era um rei no palco, próximo aos palácios governamentais de Brasília. Que bom seria se o eco das músicas que produz vibrasse pelos gabinetes das redondezas, pois o som do pianista é pleno de honestidade, inteligência e faz a beleza inundar a alma. Na plateia, um jovem pacifista fã de Pink Floyd não resistiu, deitou ao chão e contemplou as estrelas, encantado pela magia do maestro, que falou pouco "para poder tocar mais", mas ainda arrancou sorrisos do público em uma breve aula de canto.

Público assiste ao show de Amaro Freitas, no encerramento do Festival Mova, em Brasília - 6/6/22
Público assiste ao show de Amaro Freitas, no encerramento do Festival Mova, em Brasília - 6/6/22 (foto: Fernando Brito/ CB/ DA press)

O sol não demoraria a raiar quando o show terminou. Os heróis da resistência pediram bis e chegaram a se enganar quando Hugo voltou ao palco, mas apenas para recolher os pratos da bateria. Amaro não retornou. Nem precisava. O céu era negro ainda e o ritual estava completo...

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