Festival de Cinema

Temas polêmicos e produção local marcam 55ª Festival de Brasília de Cinema

De volta ao formato presencial, em novembro, a 55ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro promete trazer temas incendiários e discussões acaloradas no Cine Brasília

Ricardo Daehn
postado em 27/10/2022 06:00
 (crédito: Fotos: Autorias Produções Cinematográficas/Divulgação -De Bubuia Cine/Divulgação - Leticia Marottaa/Divulgação - Oublaum/Divulgação- Luba Filmes/Divulgação -  Afronte Faz/Divulgação)
(crédito: Fotos: Autorias Produções Cinematográficas/Divulgação -De Bubuia Cine/Divulgação - Leticia Marottaa/Divulgação - Oublaum/Divulgação- Luba Filmes/Divulgação - Afronte Faz/Divulgação)

Um "conjunto orgânico de filmes", pelo que descreve a consultora e produtora Sara Rocha, vai embalar a 55ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, que, de volta ao formato presencial, será abrigada, entre 14 e 20 de novembro, no Cine Brasília (EQS 106/107). Na quarta participação na coordenação do evento, Sara Rocha se tornou a primeira diretora artística do festival orçado em R$ 3 milhões, e que terá programação estendida para as regiões administrativas de Samambaia e Planaltina (com sessões gratuitas). "Temos que nos reconectar, depois de tantas perdas e traumas vindos com a pandemia. É preciso transformar traumas recentes em coisas construtivas", pontua Sara, ao tratar dos critérios para a seleção dos seis longas e dos 12 curtas que estarão alinhados pela disputa do troféu Candango.

  • Rumo Afronte Faz/Divulgação
  • Mandado Luba Filmes/Divulgação
  • A invenção do outro De Bubuia Cine/Divulgação
  • Canção ao longe Leticia Marottaa/Divulgação
  • Troféu Candango retoma a habitual casa: o Cine Brasília Reprodução
  • Mato seco em chamas Oublaum/Divulgação

Quem complementa o clima de entusiasmo com a festa do cinema, feita numa amostragem extraída do universo de 213 longas e 937 curtas inscritos para a seleção, é o secretário de Cultura, Bartolomeu Rodrigues. "Há a alegria, depois de dois anos sem interrupção do evento, mesmo com a pandemia. É bom ressaltar que ela ainda não acabou, mas temos condições de partir para o presencial, pelo crescimento na vacinação. O Festival de Brasília não tem amarras. Nossa orientação do evento, financiado pelo Estado, é a de não trazer limites para os trabalhos da organização. Disse: 'Façam de tudo para recolocar o festival entre os grandes dedicados ao cinema brasileiro que passa por um momento de muita dificuldade'. Precisamos discutir o futuro do cinema independente — o momento é de se repensar. Quero muita debate, aplausos, gritos e vaias (no evento)", comentou o secretário, na apresentação do evento, feita no saguão do Cine Brasília, ao final da manhã de quarta-feira (26/10).

Contemplar a diversidade com filmes das cinco regiões nacionais segue como meta, apontando a fixação no regionalismo da produção e reafirmação de questões identitárias. Como diz Bartolomeu Rodrigues, "o festival é uma trincheira de resistência permanente". Incendiária promete ser a abertura, dada a exibição de Mato seco em chamas, filme de 153 minutos, feito pelo ceilandense Adirley Queirós e a portuguesa Joana Pimenta. Na fita, detentora do Grande Prêmio da 44ª edição do festival de documentários Cinéma du Réel (Paris), há escrutínio de personagens marginalizados, num cenário balizado pelo comércio ilegal de gasolina, com ampla visibilidade para personagens femininas. Vencedora do prêmio Saruê (atribuído pelo Correio, na edição de 2017 do festival), a mesma dupla do filme Afronte, Bruno Victor e Marcus Azevedo, comparece na competitiva, com o longa Rumo. Num filme de concepção híbrida, desponta a discussão das cotas raciais, instituídas há 20 anos.

Numa luta por estrutura mais "perene e estável" para o festival, a diretora Sara Rocha celebrou a candidatura de 39 longas feitos em Brasília e os mais de 300 curtas inscritos — dados que, segundo ela, refletem "os editais objetivos e consistentes" concebidos pela Secretaria de Cultura. Aspectos "conceituais, técnicos e artísticos", observa Sara, resultaram na seleção de dois longas concebidos na capital. A comissão de seleção foi integrada pelo jornalista e crítico André Dib, o pesquisador e cineasta Erly Vieira Jr e pela produtora Rafaella Rezende, além de contar com a curadora Janaína Oliveira. "A percepção de quanto a dimensão política afeta a vida cotidiana e a perspectiva de grito que não carrega a visibilidade, no dia a dia, junto com a alteridade, e a aceitação da perspectiva reforçam o princípio de que todas as vozes precisam ser ouvidas", como destaca Sara Rocha, norteou a seleção dos filmes.

Recentemente à frente do longa Enquanto estamos aqui (feito com Luiz Pretti), exibido na cidade, a diretora mineira Clarissa Campolina trará o filme Canção ao longe, que reestrutura os vínculos amorosos e familiares de uma mulher combativa em instâncias de tradição, gênero e raça. Sempre lembrada pela capacidade mobilizadora, Marielle Franco se fará presente em Mandado, filme carioca de João Paulo Reys e Brenda Melo Moraes. João Paulo, vale a lembrança, teve parte da formação atrelada ao Departamento de Audiovisual da Universidade de Brasília (UnB), além de ter sido forjado na escola cubana de documentários. Em Mandado, está a análise dos tentáculos do sistema penal, num exame da situação que atingiu moradores do Complexo da Maré, meses antes da Copa do Mundo, realizada há oito anos.

Olhar o outro

Também na linha de frente do Festival de Brasília se posiciona A invenção do outro (SP/AM), assinado por Bruno Jorge, e que resgata a atuação do indigenista Bruno Pereira, assassinado em junho passado. Centrado na atuação da Funai em 2019, o longa revela reencontros e o esplendor da Amazônia, ao se tocar em dados da interferência branca na etnia dos Korubos. Por fim, o concorrente, em 2014, com o longa Pingo d´Água, Taciano Valério apresenta o novo Espumas ao vento, filme pernambucano que costura enredo sobre a expansão de templos neo-pentecostais, ao mesmo tempo em que revela o ocaso trágico de uma trupe de artistas. Em cena, atores como Everaldo Pontes, Rita Carelli e Tavinho Teixeira.

Junto com o Dia da Consciência Negra, ao fim do evento, será exibido Diálogos com Ruth de Souza, filme de Juliana Vicente (criadora da Preta Portê Filmes) que reconsidera toda a carga cultural presente na celebração de uma das primeiras damas do cinema nacional (morta em 2019). No mesmo dia da premiação, o veterano Vladimir Carvalho terá projetado Quando a coisa vira outra (de Marcio de Andrade), que examina a trajetória do incansável realizador paraibano. Na festa do cinema promovida em Brasília, e promovida junto à OSC Amigos do Futuro, haverá espaço para a comemoração dos 80 anos do consagrado diretor de cinema Jorge Bodanzky. Duas mostras paralelas, Festival dos Festivais (com obras de Pedro Diógenes, Gustavo Vinagre e Flávia Neves) e Reexistências (com destaque para o teor LGBTQI+ de Não é a primeira vez que lutamos pelo nosso amor, com depoimentos de Alexandre Ribondi), também serão projetadas.

No pacote de curtas estão filmes como Lugar de Ladson (SP), de Rogério Borges, que cerca um menino cego que busca meios para externar o seu amar; Calunga maior (PB), composto de ecos da diáspora africana, e, festejando princípios e motes da anarquia, a produção carioca Nossos passos seguirão os seus... (de Uilton Oliveira). Noutro segmento de competição despontam títulos como Tá tudo bem (sobre recomposição de relações afetivas) e Manual da pós-verdade (que trata das fake news), respectivamente, dirigidos por Carolina Monte Rosa e Thiago Foresti.

Marcando presença

Como observa Sara Rocha, todos os festivais nacionais já realizaram presenciais, depois de contarem com afirmada ponte com o universo das exibições híbridas, fundamentais ao auge da pandemia. "Os meios virtuais envolvem série de acordos com realizadores e distribuidoras que, atualmente, complexificam a abertura da exibição de filmes inéditos na internet", comenta. Daí a linha presencial ter prevalecido, numa edição que terá a retomada de ações favoráveis ao fortalecimento de aspectos econômicos e criativos do mercado do audiovisual. Dedicada atenção, na esfera on-line, circundou a formatação de cursos e workshops voltados a webséries, campo de distribuição de filmes, atuações, assistência de direção e até o segmento dos jogos digitais. Na estrutura, o festival promete afinação junto à acessibilidade, com aprofundamento de recursos para espectadores com deficiência visual e auditiva.

A organização do Festival de Brasília comemorou a reconquista de um parceiro estratégico no cinema de Brasília: a Câmara Legislativa do DF. "Foi uma grata surpresa, depois da falta de definição, eles retomaram a seleção, e o processo (da Mostra Brasília), diretamente, isso além de aumentarem o prêmio (na ordem de R$ 240 mil)", comentou a diretora artística do evento. A Mostra Brasília retoma as sessões em horário nobre (às 18h), com direito a quatro longas.

Com 11 longas no currículo, José Eduardo Belmonte chegará com O pastor e o guerrilheiro (feito com a Mercado Filmes), longa ambientado nos anos de 1970, e que destrinça a relação entre um personagem comunista e um cristão evangélico, torturados em celas, e que marcam um encontro para o réveillon de 2000. Filipe Gontijo, na mostra, conduz Capitão Astúcia, em que um garoto é destacado como assistente para as aventuras do avô que se assume super-herói. Afeminadas, de Wesley Godim, trata do ser feminino, envolvido em jornadas de aceitação e de autoconhecimento; enquanto Profissão livreiro, de Pedro Lacerda, traz duas personalidades locais (Ivan Presença e Chiquinho da UnB) tragadas pela reorganização do mercado editorial e do comércio de obras físicas no Brasil de 2022.

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