Música

Banda mineira Black Pantera toca versos antirracistas

A banda mineira Black Pantera rasga a bolha do gênero musical com versos antirracistas desfechados de maneira contundente

Anajú Tolentino*
postado em 28/11/2022 06:01 / atualizado em 28/11/2022 06:20
 (crédito: Fábio Fernandes)
(crédito: Fábio Fernandes)

Antes de mais nada, o rock é, essencialmente, negro. O gênero  foi criado, aprimorado, afirmado e desenvolvido por artistas negros, homens e mulheres, na metade do século passado.

Gerado a partir de um fundamento transgressor, das guitarras e da dança, teve a força e a afirmação negra como gênese. No Brasil, algumas bandas perpetuam essa premissa. É o caso da Black Pantera, alia a tradição à sintonia com as inquietações contemporâneas, como é possível  perceber na célebre canção Fogo nos racistas. A plenos pulmões, ouvimos  muito essa provocação por aí. Black Pantera entoa e é animada pelo espírito de inconformismo do verso. Com o foco em todo discurso antirracista e em protestar contra a opressão de corpos dissidentes, a banda de Uberaba, município do interior de Minas Gerais, amplia cada vez mais o seu público.

Ao contrariar o sistema para lavar a alma do rock nacional, o trash-hard-metal do trio, formado pelos irmãos Charles Gama (guitarra, vocal) e Chaene da Gama (baixo) e o baterista Rodrigo "Pancho" Augusto, manda o recado de forma direta e crua.

Com quase 10 anos de estrada, a banda tornou-se figurinha carimbada nos festivais do país. "Desde o começo da banda, a gente sempre tocou em festivais alternativos, com outros tipos de gêneros. Já tocamos com Criolo, Baco Exu do Blues, e em diversos lugares que outras bandas de rock não vão", afirma Chaene.

O mais interessante é que, mesmo tocando em circunstâncias específicas como o Dia do Metal no Rock in Rio, a banda atinge panoramas mais amplos, estourando a bolha em que muitas vezes o próprio gênero do rock nacional se encerra.

"É incrível tocar em diversos lugares assim, porque a gente quer que a nossa música e a mensagem antirracista consiga acessar todo mundo, seja o cara fã de Duda Beat, Pabllo Vittar, Tuyo. A gente quer agregar geral no nosso show e propagar a ideia. Tem muitas bandas de rock, como a gente, que não conseguem entrar nesse circuito. Mas  conseguimos e não pretendemos sair, nosso rolê não é só para headbangers", reitera o baixista.

O peso doom e groove ímpar do trio está presente no disco Ascensão, lançado este ano. Com frases potentes no enfrentamento do racismo, tanto fora quanto dentro da indústria musical, o álbum só comprova a força dos metaleiros.

O projeto mais recente da banda mineira também agrega uma proposta de coletividade. Com participações de especiais de Rodrigo Lima (Dead Fish) em Dia do fogo, faixa crítica às políticas do governo Jair Bolsonaro para a Amazônia, e de Tuyo em Estandarte, uma canção anti-homofóbica, o álbum ganhou novas camadas graças às perspectivas de todos os envolvidos na produção dele, de acordo com Charles.

"Compusemos o disco pensando em ambas as participações, vindo com o questionamento de preencher essa lacuna. Ao contrário dos outros dois discos, Ascensão veio grande e queríamos pessoas tão maiores quanto".

As letras do álbum são tão contundentes quanto os monumentais facões segurados por Ana Francisco e Carolina Antônio, as duas moçambicanas retratadas na capa da obra, em foto de Victor Balde, com dito por Chaene. "Ascensão não fala apenas do povo preto, ele fala da insubmissão do povo indígena, dos LGBTQIA , das mulheres, ele fala de diversos povos que são subjugados nesse sistema brutal. E a capa sintetiza tudo isso porque significa muitas perspectivas nesse registro."

Encorpado com um discurso antirracista poucas vezes visto no rock nacional, a banda mantém a proposta concisa, a veemência da contestação pode ser melhor apreciada ao vivo. "Expomos nossos ideais, e fazemos questão de levar isso no dia a dia. Esse tipo de empoderamento reacende muito com a banda e, para quem a ouve, compondo junto, escutando as pessoas. Graças aos nossos orixás, a galera tem entendido bem o recado", complementa Charles, vocalista.

Ao abordar a perspectiva de se posicionar sempre que possível, Chaene expõe a história que eles fazem com o próprio repertório. "Todo mundo sabe que somos três caras pretos ali fazendo rock'n'roll. A gente é uma banda política e isso não vai mudar".

*Estagiário sob a supervisão de

Severino Francisco

 

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