Artes visuais

Leandro Erlich expõe obras com questionamento da realidade no CCBB

Exposição do argentino Leandro Erlich leva ao CCBB obras construídas com base em ideias como ilusão de ótica e questionamento da realidade

Nahima Maciel
postado em 21/01/2023 06:00
 (crédito: Guyot/Ortiz)
(crédito: Guyot/Ortiz)

A obra mais instagramável do artista Leandro Erlich é uma piscina de fundo azul na qual parte do público que está dentro enxerga a outra parte que está fora. Todos estão vestidos, ninguém está molhado e a ilusão de todos estarem mergulhados na água é o que fascina os visitantes das exposições do artista. Por onde A tensão passou, é possível ver centenas de contas de Instagram ilustradas com fotos da obra. Mas é preciso dizer que as redes sociais nem existiam quando Erlich criou a obra, que desembarca agora no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) de Brasília.

Concebida em 1999, A piscina é um excelente exemplo dos instrumentos conceituais, técnicos e filosóficos operados pelo argentino em todas as obras expostas no CCBB. Tirar o público da zona de conforto ao criar um deslocamento entre o que o cérebro espera entender de uma situação e o que o olho está vendo é a base dos trabalhos. A ilusão de ótica ou uma certa subversão do olhar são mecanismos presentes em trabalhos como Sala de aula, A vista, O jardim perdido e Vizinhos. "O trabalho dele é mais ou menos o mesmo trabalho: criação de situações cenográficas que, de certa forma, fazem com que as pessoas ativem modos participativos", explica Marcello Dantas, curador da exposição. "Ele trabalha com a curiosidade, com o corpo, com uma inclusão física do visitante dentro da obra. E o trabalho não envelhece, obras de 20 anos atrás e de hoje têm mais ou menos a mesma latência. O que muda é a sociedade."

O cotidiano é a matéria prima para o trabalho de Erlich. Situações corriqueiras como a da piscina, olhar por uma janela, tomar um elevador, estar em uma sala de aula alimentam o artista na criação de uma linguagem intrigante e capaz, ele acredita, de disparar o gatilho do senso crítico. "O cotidiano é uma manifestação de nossas próprias existências que habitualmente não chega a uma reflexão profunda. O cotidiano é o que acontece, mas, quando se toma uma certa distância, se pode observar que o cotidiano está carregado de significados que podem ser reinterpretados", garante. Para ele, o cotidiano é uma grande representação da compreensão da realidade. "Mas esquecemos que essa realidade é construída por nós mesmos. Interpretamos o que é real, o que existe, como uma verdade certa, mas participamos de forma coletiva na construção dessa realidade."

Em todas as obras do artista é preciso que haja participação do público para que as sensações de estranhamento se concretizem. É nesse convite para entrar e viver a obra que ele realiza a intenção plantada por trás das situações criadas pelos objetos e instalações. "Algumas obras trazem certas temáticas que me interessam, desde a educação até a mudança climática, situações políticas, mas, fundamentalmente, creio que todas as obras propõem uma experiência onde há uma narrativa poética que apela para despertar o sentido crítico", avisa. Pensar, repensar e questionar são reflexões tão naturais das obras quanto provocadas pelo artista. "Essa ideia da busca da participação desperta o senso crítico e está em todas as obras, independentemente da história contada em cada uma. Há uma sala de aula, uma piscina, um cabeleireiro, uma janela que enquadra o destino, uma janela de avião, todas estão ligadas a reflexões sobre minha própria experiência."

A experiência particular, no entanto, não é necessariamente individual. Erlich lembra que muito da vivência humana é, ao mesmo tempo, pessoal e coletiva. Tomar banhos em piscinas, olhar por janelas, frequentar salas de aula e utilizar elevadores não são ações excepcionais. "Todos nós, socialmente e coletivamente, participamos de uma sociedade com experiências similares e todos os espaços e situações das obras apelam para o reconhecimento da situação, é familiar. E, a partir do momento do reconhecimento do familiar, as pessoas podem construir e reconstruir uma história", acredita.

  • Swimming pool, obra de acrílico, metal, madeira, aço inoxidável, sistema hidráulico, água e luz. Guyot/Ortiz
  • Lost Garden, 2009 | Estrutura de metal, tijolos, janelas, espelhos, madeira, luz fluorescente, plantas artificiais | Dimensões variáveis Exposição do argentino Leandro Erlich no CCBB Guyot/Ortiz
  • Classroom, obra do argentino Leandro Erlich no CCBB Guyot/Ortiz
  • Obra mais conhecida da exposição, a Piscina cria um jogo ilusório e confunde o olhar do público sobre o que está dentro ou fora da água Guyot/Ortiz
  • Lifted lift, 2019 | Estrutura de metal, madeira, aço inoxidável, painel de botões de elevador, espelhos | 225 x 169 x 121 cm Exposição do argentino Leandro Erlich no CCBB Guyot/Ortiz
  • Erlich brinca com a subversão do olhar Guyot/Ortiz
  • Marcello Dantas é o curador da exposição Guyot/Ortiz
  • Suspensão do tempo na nuvem apreendida Fotos: Guyot/Ortiz / Divulgação
  • Em Vizinhos, o público é convidado a observar o outro lado da porta pelo olho mágico © Juliette Bayen

A partir daí, o título criado por Marcello Dantas ganha um sentido fonético com várias implicações. Se A tensão, por um lado, aponta para um estado de atenção, por outro, fala em situações tensas, estressantes, consequências do estranhamento criado pelas obras. "A ideia é de algo que é e não é, e que, para poder ser decodificado e interpretado, necessita de especial atenção", explica Erlich.

A dúvida, destaca Marcello Dantas, é o mecanismo do conhecimento, por isso há tantos pontos importantes na produção do argentino, artista nascido em 1973 e cujas obras têm circulado por alguns dos mais importantes espaços de arte contemporânea, como a Bienal de Veneza, Bienal de São Paulo e galerias e museus em Nova York, Londres, Barcelona e Paris. "Duvidar faz a gente ter curiosidade em explorar o saber. Entre o que você reconhece como sendo signo, seja sonoro, visual ou auditivo, e aquilo que o cérebro, por conhecimento empírico, aceita, pode haver dissociação do sentido", diz Dantas. "Nem sempre o que você está vendo é o que é, mas o que você quer acreditar. Na obra do Leandro, você não acha que é, você está vendo. É um desafio a percepção entre razão e percepção, te faz duvidar dos seus olhos e do seu cérebro. E essa dúvida é o real território da obra dele."

O questionamento é de extrema atualidade para o curador e para o artista. "A piscina te leva para uma metáfora curiosa do tempo atual: a bolha. Cada um vivendo dentro de sua bolha, não se dá conta do que está acontecendo lá fora. Isso não era óbvio em 1999, embora hoje possa ser. Não tinha internet, rede social e nem essa ideia de que a informação pode ser customizada para você ouvir só o que quer ouvir", repara Dantas. Até obras mais recentes, como A sala de aula, de 2017, chegam à contemporaneidade com grande pertinência.

Nessa obra, um jogo de espelhos simula uma sala de aula vazia, preenchida apenas com o público à medida em que adentra a estrutura cenográfica, provocando uma reflexão inusitada sobre as milhares de salas de aulas esvaziadas pela pandemia a partir de 2020. "O algoritmo mudou a forma de nos relacionarmos e também de fazer arte. Há certas situações que vão abrindo novos campos de interoperação. A obra é a mesma que fiz há anos e, no entanto, está carregada de um significado completamente distinto. Isso é a riqueza da arte em geral, essa propriedade de manter-se sempre vigente independente do contexto em que é criada. Sempre deixa em aberto um campo de interpretação", reflete Leandro Erlich.

A tensão

De Leandro Erlich. Curadoria: Marcello Dantas. Visitação até 23 de abril, de terça a domingo, das 9h às 20h30, no Centro Cultural Banco do Brasil Brasília (CCBB SCES, Trecho 2) Entrada gratuita, com retirada de ingresso no site bb.com.br/cultura Classificação indicativa Livre

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