Bastante atuante no teatro, e com dois longas-metragens no currículo (Todo o clichê do amor e Gata velha ainda mia), o diretor Rafael Primot, ao lado de Otávio Pacheco, conduz a série Chuva negra, para a tevê e o streaming (Canal Brasil e GloboPlay). Dar protagonismo para um ator com síndrome de Down foi meta, na construção do roteiro da trama transcorrida em 10 episódios. Primot fez questão de não relegar um papel coadjuvante para o intérprete de Lucas (o jovem João Simões). "Fizemos muita pesquisa com famílias que tinham pessoas com síndrome de Down. O João acabou sendo o ator da série e virei um pouco parte da família dele porque a gente escalou ele bem antes, e acompanhou muito o dia a dia dele", conta. Na quarta, a série pode ser vista às quintas, às 4h45, e às sextas, com episódios inéditos, às 22h30.
Chuva negra revela um cotidiano alterado para os irmãos Lucas, Zeca (Marcos Pitombo) e Vitor (Primot), junto com a esposa desse, Julie (Vanessa Giácomo). "Longe de ser uma série panfletaria — trata de amor fraterno e familiar, além de vir com toque de suspense que acaba agradando a todo tipo de público, e, no meio, ainda vamos falando sobre os excluídos", adianta o diretor. Nascido no interior paulistano, foi, no grande centro, que ele, da comunidade LGBTQIA , encontrou fio de identidade.
Antes de formado pela Faap, cursou teatro com Zé Celso Martinez Corrêa e Antunes Filho, além de figurar no grupo Tapa. "Metade do Brasil ainda é bem conservadora e retrógrada. A série entra até na casa das famílias mais conservadoras porque, nela, a gente dissolve temas de maneira sutil, e o espectador se percebe gostando daqueles personagens, ainda que não sejam tipos que permeavam até então a família dele. A gente desliza com alguns temas", observa.
Transexualidade (por meio da personagem de Leona Jhovs, Micha) e um policial dono de relação homoafetiva ilustram as narrativas. "A série é sobre as transformações das famílias brasileiras: começamos com a família tradicional, branca e classe média, e ela começa a ser atravessada por uma nova sociedade — anexamos, daí, essas novas pessoas e formas de amor; formando assim uma família nova, mais moderna e real", conta o diretor. Como realizador, Primot se vê na missão de lidar com narrativas diversificadas e que estipulem normalização, descoladas "de fatores de estranhamento, ou que causem repulsa". Num "lugar ideal", Primot espera ver uma atriz trans, futuramente, fazendo uma personagem cis. Mas, por enquanto trata de incluir profissionais novos no mercado para que "a sociedade se transforme aos poucos".
Espectadores preparados
Na mente de Rafael Primot, as pessoas têm que assimilar o sentido das transformações. Depois de enfrentar riscos profissionais para revelar sua sexualidade, aos 38 anos ele se mostra mais tranquilo. "Cresci sem ter modelos (meus) felizes nas representações. Quando você não se vê representado, você não existe, é invisível. Quero que os espectadores saibam: 'Posso ser um casal, que posso querer adotar um filho, posso querer ter uma vida heteronormativa, ou não, e também posso ser feliz", enfatiza.
Longe do modismo da inclusão, Primot se rendeu à profundidade. "Ao tratar de diversidade e do diferente e da diferença, isso deve ser incorporado ao ambiente de trabalho, por exemplo. Não adianta você somente querer falar sobre preto, sobre trans, se não souber lidar com alguns temas", diz.
Discutir eventuais problemas no roteiro, disparates em relação à realidade, e assuntos inconvenientes à atriz Leona Jhovs foi um cuidado, a fim de não gerar uso superficial ou apropriação inadequada de universos. "A série fala de amor familiar e abordamos temas de maneira delicada e sutil", conclui.
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