Dia dos Povos Indígenas

O grito da arte: Conheça artistas indígenas para celebrar o 19 de abril

O Correio conversou com artistas para que o Dia dos Povos Indígenas transcenda as memórias de violência a que datas como essa são vinculadas

Pedro Ibarra
postado em 19/04/2023 10:00 / atualizado em 19/04/2023 14:38
 (crédito: Mônica Bello/Divulgação)
(crédito: Mônica Bello/Divulgação)

Dia dos Povos Indígenas é comemorado nesta quarta-feira (19/4). A data foi criada em 1943 por orientação realizada no Congresso Indigenista Interamericano e assinada no formato de decreto pelo então presidente Getúlio Vargas. O dia tem como mote celebrar a diversidade da população indígena presente no Brasil, mas é muito marcado pela memória da violência que os povos originários sofrem desde que os portugueses chegaram ao Brasil em 1500.

Apesar da violência e da tentativa de dizimá-los, os indígenas estão em todos os lugares e não trazem apenas lembranças de um passado triste e sangrento. A arte dos povos indígenas fala sobre o passado, a  ancestralidade, mas vai além. Encontra um público muito maior do que as tribos e etnias próximas. Uma arte que move indígenas e não indígenas e que é muito mais representativa para este dia do que a dor do que sofreram.

Um dos nomes que mais furou a bolha e chegou aos ouvidos de não indígenas foi o da cantora Kaê Guajajara. A artista de 30 anos tem músicas que passam das centenas de milhares de reproduções no Spotify e, recentemente, tem ganhado notoriedade por participações especiais em álbuns como o do jazzista Jonathan Ferr. Na concepção dela, consumir a arte indígena é consumir a história do povo. "Dentro desse contexto que estamos no Brasil, a arte indígena sempre será informação. Então, se querem tanto estar conscientes da realidade desse território, terão que escutar músicas indígenas, e acessar artes indígenas no geral", aponta Kaê que indica os nomes de Djuena Tikuna, Brô Mc's e Edivan Fulni-ô como boas introduções.

Ela acredita que para fazer arte precisa superar muito mais obstáculos que os não indígenas, porque o tratamento com os povos originários é muito superficial e repetitivo. "Nem sempre uma porta aberta é sinônimo de representatividade, muitas pessoas acham, que estão abrindo portas, mas só enquanto estamos falando sobre a natureza, mitos, ou para reforçar estereótipos. E aí quando começamos a falar sobre como estamos vivendo hoje após essas consequências da colonização, as portas se fecham. Então, cheguei até aqui entrando pela janela, usando a música e minha voz que tanto elogiavam, para denunciar o inimaginável", explica a artista. "Nesse trajeto, a gente engole muitos racismos para que consigamos ser minimamente escutados num lugar de visibilidade. Muitos acreditam que nossa meta é chegar no topo, mas sob que condições? Uma vez que nós povos originários prezamos justamente pela terra e a raiz dela. Não queremos estar em um topo desse, que segrega, que exclui e principalmente destrói sonhos em nome do dinheiro", critica.

São séculos de injustiça, de racismo e de exploração física e intelectual dos povos indígenas. Então, ainda falta muito para que algo concreto seja feito para que os indígenas sejam notados,  em qualquer área. "Faltam 523 anos, para o passado. E aí construímos toda essa história a partir de nós, já que desde o passado estamos sendo roubados em nossas melodias e em nossas artes", afirma Kaê. "A cultura brasileira é um 'frankenstein' de roubos e apropriações. Aportuguesadas para o paladar europeu. Estaríamos todos nós nos holofotes se estivéssemos cantando sobre ouro, drogas, monogamia, armas, frases bíblicas, pensamentos coloniais no geral. No entanto, assim como eu, muitos artistas indígenas usam sua arte como uma flecha nessa guerra que já dura séculos, para dar visibilidade para a luta indígena, para o bem viver que queremos, e que coexiste com a natureza, e não que a mata", explica.

Contudo, ela também assume que alguns passos curtos foram dados em direção a um futuro melhor. "Recentemente, o nome do dia dos povos indígenas foi mudado, e espero que o que ele representa siga na mesma tendência de conscientização, quebra de preconceitos e que parem de fantasiar as crianças nas escola e que comecem a chamar pessoas indígenas para pensar um novo modelo de educação, que, nesse território, deveriam, desde o início, ter sido indígena, e não europeu" comenta a artista que acredita que aos poucos a visibilidade também vem. "Ainda não é um costume, confesso, pois dentro do espaço que existe, o que tem pra nós é pouco, e com menor alcance. Agora que está aparecendo mais na mídia e nos grandes veículos, espero que aumente a visibilidade para a luta dos povos originários", pede.

A arte indígena tem valor, tem estudo e também tem sabor. Twry Pataxó é uma talentosa chef de cozinha que já cozinhou para nomes como Alex Atala e Marcos Palmeira, além de chefes de estado. Ela é especializada na culinária medicinal ancestral dos indígenas, baseada nos temperos, verduras e legumes que curam e fazem bem para a saúde segundo a cultura e a ancestralidade indígena. "A maioria das pessoas desconhece as propriedades medicinais e nutricionais de cada alimento o que pode evitar a complicação de muitas doenças comuns na atualidade", conta Twry.

A artista da gastronomia explica o que faz: "Eu trago receitas que foram passadas de geração para geração e também utilizo as Pancs (Plantas Alimentícias Não Convencionais) nas nossas receitas, trazendo para a nossa mesa alimentos saudáveis com receitas deliciosas", argumenta a chef, que é humilde quanto ao que faz: "Eu apenas mostro um pouco da riqueza que nasce naturalmente em cima das nossas terras levando saúde e conhecimento do mato à mesa com ajuda do conhecimento herdado de nossos ancestrais". Ela aproveita para lembrar que paçoca, beiju, pirão, chimarrão, bolo de milho, banana assada, canjica, pamonha, mingau são alguns exemplos de comidas de origem indígena.

  • Glicéria veste o manto tupinambá: restauração da história Jéssica Quadros/Divulgação
  • Cantora Kaê Guajajara: a arte como flecha de guerra Thamires Andrade/Divulgação
  • Cena do filme A terra negra dos Kawa, de Sergio Andrade Arthur Dalla/Divulgação

Twry aproveita o espaço para falar sobre a importância de expor o que aprendeu com os próprios antepassados. "Acredito que todo trabalho voltado para o reconhecimento dos povos indígenas brasileiros contribui para a valorização da nossa cultura o que pode melhorar não só a qualidade de vida dos meus parentes, mas o respeito aos povos originários", fala. "Além disso, quando resgatamos a memória de nossos antepassados estamos honrando nossos ancestrais e conquistando mais espaço. Pois, ninguém valoriza aquilo que desconhece. O povo não indígena precisa aprender a valorizar a riqueza da nossa cultura e dos nossos saberes em vez de destruir a natureza para arrancar as riquezas que estão no nosso subsolo", alfineta. "Queremos mais oportunidades para mostrar aquilo que sabemos e a riqueza da nossa música, da nossa medicina, da nossa sabedoria e da nossa culinária. É essa memória que queremos ter dos nossos ancestrais, tudo de bom que queremos trazer dos nossos ancestrais", completa

A arte indígena está em um limiar com a antropologia. Célia Tupinambá é a prova viva disso. A indígena é uma artista, pós graduada e mestranda da área da antropologia e vencedora do prêmio da Funarte com a exposição A volta do grande manto Tupinambá. Célia, nome artístico de Glicéria, recuperou esse artefato ancestral para o próprio povo. "A ideia era de um de um protesto de um ato político na verdade. E eu me comprometi em fazer o manto", conta a artista.

O trabalho artístico dela fala de "desapropriação e apropriação", como ela mesmo classifica. Ela fez com as próprias mãos e muita ajuda um manto sagrado Tupinambá. Teve um contato direto com o próprio passado e teceu nele um novo futuro. "Consegui com a comunidade, as crianças, as mulheres e o território as penas o qual fui aplicando e o resultado foi essa surpresa e tanto para mim, quanto para as pessoas que viram o manto,  completo,  passando a existir", enfatiza.

Para Célia, o trabalho que fez passa uma mensagem sobre o equilíbrio da natureza e do mundo, sobre como tudo tem o próprio lugar, o próprio limite e como precisamos usar dos recursos o suficiente e não explorar até o fim. "A gente tem que caminhar em equilíbrio. E o que vem a ressurgir é um manto é essa voz que precisa ser dada e que sempre foi colocada à margem da sociedade", conclui.

Em busca da terra

Na passagem do Dia dos Indígenas, o filme A terra negra dos Kawa, dirigido por Sérgio Andrade e pela pesquisadora e ativista Altaci Rubim, terá sessão de pré-estreia, no Cine Brasília, nesta quarta-feira (19/4), às 19h30. Depois da exibição, haverá debate com os diretores, mediado por Cecília Barroso, crítica do Cenas de Cinema. O filme narra a história de um grupo de cientistas que empreende escavações em terrenos no interior do Amazonas em busca de uma terra preta fértil, usada para a atividade agrícola. Mas, à medida em que se aproximam do sítio dos indígenas Kawa, eles constatam que a terra adquire poderes energéticos e espirituais. Altaci Kokama Rubim é pesquisadora e ativista, com doutoramento em linguística pela Universidade de Brasília e mestrado pela Universidade Federal do amazonas. Ela é a primeira professora indígena a integrar o corpo docente da Universidade de Brasília.

 


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