CULTURA

Titãs faz show e tem biografia atualizada lançada em Portugal

A jornalista Hérica Marmo relata detalhes de como a banda paulista marcou a história do rock brasileiro

Hérica Marmo, autora do livro
Hérica Marmo, autora do livro "A vida até parece uma festa — a história completa dos Titãs" - (crédito: Carlos Delagusta/ Rockpress)
postado em 02/11/2023 10:31 / atualizado em 02/11/2023 10:31

Lisboa — Vinte anos depois da primeira edição, A Vida até parece uma festa — a história completa dos Titãs ganhou uma edição ampliada que só confirma a importância da banda paulista para a história do rock brasileiro. O livro, de 456 páginas, será lançado nesta quinta-feira (02/11) na capital portuguesa, um dia antes de o grupo se apresentar para os fãs que prometem lotar a Arena Altice. Sete dos oitos integrantes que lançaram o Titãs em 1982 estarão no palco com o aclamador show Encontro.

Autora do livro, ao lado de Luiz André Alzer, a jornalista Hérica Marmo conta que a ideia da biografia surgiu durante uma apresentação da banda. A cada canção, ela descrevia a Alzer um pouco da história de como a música surgiu. O amigo, então, lhe perguntou por que ela não escrevia sobre a trajetória da banda. A partir dali, a vontade de se aventurar pela literatura foi despertando, até que, semanas depois, após um novo show dos Titãs, Hérica se convenceu de que era a hora de mergulhar na obra do grupo que havia marcado a vida dela. O passo seguinte foi construir a estratégia para convencer os artistas a embarcarem no projeto. E deu certo.

“Comecei achando que organizar essas histórias já valeria a pena, porque, como fã, eu sabia que era uma trajetória única. Uma banda com oito integrantes, todos compositores, cinco vocalistas, nenhum líder, influências diversas, vários discos de sucesso…”, diz Hérica. “Depois, ao longo das entrevistas com os membros do grupo e as pessoas em volta, fui percebendo que tínhamos muito mais para entregar. O livro revela não só os bastidores de uma das mais importantes bandas do Brasil, como uma parte fundamental da história da música brasileira e das transformações que a indústria fonográfica sofreu nos últimos 40 anos”, acrescenta.

A atualização da biografia, duas décadas depois, traz fatos marcantes que se sucederam após a primeira edição do livro, como as saídas da banda de Charles Gavin, em 2010, e de Paulo Miklos, em 2016, e, claro, a luta travada por Branco Mello entre 2018 e 2021 contra um câncer na laringe. Hérica ressalta que, em nenhum momento, houve resistência por parte dos artistas em revelar histórias não conhecidas pelo público. Até mesmo André Jung, primeiro baterista do grupo, que foi expulso depois de um show de réveillon no Rio de Janeiro, falou. “Ele não escondeu a mágoa, mesmo anos depois, mas não se recusou a falar”, ressalta.

Fã assumida dos Titãs desde os 12 anos de idade, a jornalista afirma que, depois da nova versão de A vida até parece uma festa, tem planos para outras obras, mas não biográficas. Ela reconhece que é muito difícil viver apenas da escrita. “Eu não considero que tenha uma carreira literária. Sou, sim, jornalista e biógrafa. Também tenho trabalhos como roteirista. E o que eu posso dizer é que acho muito difícil viver da escrita. Lamento muito a romantização que há em torna da precarização do trabalho de escrita. Também lamento ver tanta gente boa desistindo. Mas não dá para dizer que não compreendo”, enfatiza. Hérica está fora do Brasil há sete anos e diz que aqueles que fazem cultura no país são verdadeiros heróis.

Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista que ela concedeu o Correio.

Como surgiu a ideia do livro sobre os Titãs?

A ideia do livro foi do Luiz André Alzer, o meu amigo com quem eu escrevi a biografia. Fomos juntos ao show de lançamento de “A melhor banda de todos os tempos da última semana” e, a cada música antiga do repertório, eu contava um pouco da história que conhecia dela. E aí o Alzer perguntou por que eu não escrevia a biografia da banda, já que eu sabia muito sobre eles. Acho que ele estava com vontade de escrever um livro, mas isso nem passava pela minha cabeça. Semanas depois, vimos um novo show dos Titãs, espetacular, na Praia de Ipanema. E aí o Alzer acabou me convencendo de que era uma boa ideia contar aquela história. Sentamos num banco no calçadão e começamos a pensar na estratégia que usaríamos para tentar convencê-los do projeto que estava nascendo ali.

Em momento você percebeu que valia a pena contar a história do Titãs?

Um dos motivos que me fez hesitar na ideia do livro foi uma visão inocente de que não havia nada para revelar aos fãs. Já que, na altura, eram 20 anos de longas entrevistas para os veículos do Brasil inteiro. Comecei achando que organizar essas histórias já valeria a pena, porque, como fã, eu sabia que era uma trajetória única. Uma banda com oito integrantes, todos compositores, cinco vocalistas, nenhum líder, influências diversas, vários discos de sucesso... Depois, ao longo das entrevistas com os membros do grupo e as pessoas em volta, fui percebendo que tínhamos muito mais para entregar. O livro revela não só os bastidores de uma das mais importantes bandas do Brasil, como uma parte fundamental da história da música brasileira e das transformações que a indústria fonográfica sofreu nos últimos 40 anos.

Você já curtia o grupo? Era fã?

Muito. Não há quem tenha estudado comigo no colégio ou na faculdade que não saiba o quanto eu era fã dos Titãs. Mas a banda só soube disso no segundo evento de lançamento da biografia. A partir do momento em que entrei no projeto, bloqueei o meu lado de admiradora para dar lugar à jornalista. Achava que misturar as coisas poderia interferir no resultado final. E estava seriamente comprometida em fazer um livro à altura da banda.

O que lhe surpreendeu durante a apuração para o livro?

Foram muitas surpresas. Em primeiro lugar, a quantidade de informações novas. Apesar de ler tudo o que saía sobre a banda desde os meus 12 anos, tinha muita coisa que eu — como os outros fãs — não fazia ideia. Como o papel de gestor que o Marcelo Fromer exercia em questões com gravadora e empresários; a relação de amizade e rivalidade com os Paralamas do Sucesso; e os mecanismos internos que eles criaram para gerir crises e manter a harmonia numa banda com tanta gente. Também me surpreendeu perceber que é uma história que vai além do interesse por música. A trajetória dos Titãs é muito rica como história propriamente. Tem todos os elementos de um ótimo roteiro. Protagonistas complexos e diferentes entre si, altos e baixos, conflitos, dissidências, mágoas, reviravoltas...

Pensou em desistir em algum momento? Por quê?

Deu muito trabalho, mas nunca foi uma opção não terminar, porque tínhamos um compromisso com a editora, com eles e com nós mesmos.

Essa é a versão atualizada do livro. O que mudou?

Acrescentamos cinco capítulos com o que aconteceu nos 20 anos seguintes à primeira edição. Também atualizamos o encarte de fotos.

Qual o momento mais marcante da banda, na sua avaliação?

São tantos... A capacidade de reverter situações adversas é algo que admiro muito nos Titãs. Para citar um exemplo, a prisão de Tony Bellotto e Arnaldo Antunes por porte de drogas, em 1985, poderia ter causado o fim da banda, que ainda não tinha convencido a gravadora de que era um bom investimento. E eles responderam a esse episódio traumático com "Cabeça Dinossauro", até hoje reconhecido como um dos principais discos do rock brasileiro. Depois disso, engataram uma sequência de álbuns de sucesso. Em outra fase, revolucionaram o formato acústico, com artistas convidados, orquestra e gravação com plateia. A catarse que a turnê “Encontro” tem causado atualmente demostra bem a grandeza do legado dos Titãs. Dá para dizer que eles estão também agora no meio de um momento marcante, com uma celebração à altura da relevância que o grupo tem para a história da música brasileira.

Houve conflitos entre os integrantes do grupo em relação ao livro? Alguém se recusou a falar?

Todos falaram. Inclusive André Jung, primeiro baterista, que foi expulso depois de um show de réveillon no Rio de Janeiro. Ele não escondeu a mágoa, mesmo anos depois, mas não se recusou a falar. Também entrevistamos, nas duas edições, os integrantes que já haviam saído na época da publicação.

Como tem sido a repercussão do livro?

Muito boa. Ficamos felizes de ver o livro ser reconhecido como um documento da história da música brasileira. E também do carinho que os fãs têm pela biografia. Especialmente no lançamento de São Paulo da nova edição, ouvimos muitos relatos emocionantes da importância do livro para quem acompanha de perto a carreira dos Titãs. Muitos, inclusive, levaram as duas edições do livro para autografarmos.

Já tem planos para novas obras?

Planos de continuar escrevendo. Mas não, necessariamente, biografias.

É possível viver de literatura no Brasil?

Eu não considero que tenha uma carreira literária. Sou, sim, jornalista e biógrafa. Também tenho trabalhos como roteirista. E o que eu posso dizer é que acho muito difícil viver da escrita. No geral, é preciso trabalhar muito tempo de graça até conseguir ganhar algum dinheiro. E quem é que tem esse tempo para investir sem ter um retorno financeiro? Lamento muito a romantização que há em torna da precarização do trabalho de escrita. Também lamento ver tanta gente boa desistindo. Mas não dá para dizer que não compreendo.

Como vê hoje a cultura brasileira?

Desde que passei a morar fora do Brasil, há sete anos, ficou ainda mais evidente para mim a potência da nossa cultura. É algo muito importante da nossa identidade, com uma pluralidade que reflete a diversidade do país. E tenho muito orgulho de ver os nossos artistas reconhecidos mundo afora. Mas, quanto mais me aproximo de quem trabalha com cultura no Brasil, mais admiro. Porque é também um trabalho de resistência. No geral, muito pouco reconhecido. Nos últimos anos, ainda menos, com tanta gente com poder tendo orgulho em expor a ignorância. Felizmente, as coisas nesse sentido estão mudando. Cada projeto social ou programa de inclusão ligado à cultura que eu descubro, me dá um pouquinho mais de esperança.

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