Desde que foi retomado, o Cinebeijoca exibiu três filmes nacionais com diferentes temáticas e abordagens: Ladrões de cinema (1977), Tudo bem (1978) e São Bernardo (1972), respectivamente. A quarta sessão do projeto de professores e alunos da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (FAC/UnB) traz a obra Bang bang, dirigida por Andrea Tonacci e lançada em 1971.
Presente na lista dos 100 melhores filmes nacionais da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), Bang bang é tido como um dos filmes mais radicais do cinema brasileiro. Para enriquecer o debate acerca da obra, o cineasta ceilandense Adirley Queirós, autor de filmes como A cidade é uma só, Branco sai, preto fica e o recente Mato seco em chamas, marca presença no Cine Brasília, amanhã, às 19h.
Bang bang é mais um dos filmes setentistas exibidos pelo Cinebeijoca nas últimas sessões. Nele, o ator Paulo César Pereio entra na pele de um protagonista urbano anônimo que vivencia uma série de situações absurdas — incluindo uma corrida maluca de táxi, um encontro com um trio de bandidos bizarros e muitos tiroteios. As cenas carregam a energia anárquica única que representa a vanguarda do cinema marginal brasileiro da década de 1970.
A aluna do curso de audiovisual da UnB Paula Hong explica que, devido ao contexto da produção do longa, marcado pela planificação do fazer artístico do setor cultural brasileiro durante a ditadura militar, o diretor Andrea Tonacci respondeu a essas tentativas abraçando o que era considerado depravado.
"Bang bang é importante para o cinema brasileiro não somente por ser um marco dentro do Cinema Marginal e da historiografia do cinema brasileiro, mas também porque permite lançar luz sobre novas formas de realizações cinematográficas, tendo em vista que do fim dos anos 1960 para cá, as exigências mercadológicas no cinema não mudaram tanto", afirma Hong.
O filme contrasta com as produções audiovisuais contemporâneas por deixar lacunas abertas à interpretação. Apesar de não ter a intenção de desmistificar a complexidade das obras de Andrea Tonacci, o Cinebeijoca busca estimular a formação de conhecimento cinematográfico e a valorização de obras brasileiras. "Acredito que essa forma bastante clássica cineclubista (sessão seguida de debate) permite estimular olhares que lerão o cinema com mais cuidado, com mais apreciação e atenção", afirma Paula.
"Ela permite, também, muito à luz dos propósitos do cinema marginal, enxergar outros cinemas e expandir os horizontes, não se contentando apenas com o que é fornecido em larga escala nas salas de cinema comerciais."
Cinebeijoca exibe o filme Bang bang
Amanhã, às 19h no Cine
Brasília (EQS 106/107)
Entrada gratuita
Andrea Tonacci ou o Cinema visto de dentro
Por João Lanari
Andrea Tonacci é dessas personalidades que trazia uma luz interior, uma luz que se revelava nos tempos suspensos de um olhar, de um gesto, de uma risada. A fortuna daqueles que se aproximavam dele era compartilhar essa interioridade, uma iluminação inteiramente diáfana, sem truques ou forçadas de barra – a imagem tem de vir de dentro, repetia ele. Interior da imagem: não se trata de um subterfúgio metafísico ou artefato de verdade, se trata de instalar a prática material do fazer cinema no lugar da configuração possível dos olhares e apreensões, das alteridades que configuram o olhar – o olhar de Tonacci é o olhar do outro.
Não é casualidade que esse olhar interior tenha se esbaldado no belíssimo projeto que foi Serras da Desordem, de 2006, com montagem de Cristina Amaral: e é menos ainda casual que esse olhar tenha se interiorizado pelas mãos dos Arara, que receberam a câmera das mãos de Andrea e ingressaram na ordem das alteridades que configuram o olhar, no documentário Os Arara — concluído em 1983, na companhia de Sidney Possuelo.
Andrea Tonacci era italiano, e veio jovem para São Paulo, ingressando na (des)ordem urbana paulistana. Seu companheiro de linguagem nesse momento foi Rogério Sganzerla, para quem assinou a fotografia de Documentário, em 1966. Na sequência, roda seu primeiro filme, o curta Olho por Olho, montado por Rogério, e logo em seguida, em 1968, o magnífico Blábláblá — uma obra-prima, dizia Luiz Rosemberg, um filme que opera “a desconstrução radical do discurso político, alinhando por tabela uma metáfora revolucionária”.
E veio em 1971 Bang Bang, filme-ícone que projetou o nome de Andrea definitivamente na ordem do cinema. Exibido na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes, um espasmo de humor, Bang Bang mal passou nas telas e aterrissou em grande estilo no mundo pós-internet.
A memória de Andrea é, sobretudo, de generosidade. Uma de suas viradas é o mergulho no espaço ameríndio. Com o apoio da Fundação Guggenheim, viaja aos Estados Unidos, México, Peru, Bolívia, em 1978 – e é desse alargamento da visualidade que introjeta novos mundos em seu olhar, como no singular Conversas do Maranhão, concluído em 1983. Um descentramento radical da visualidade cartesiana, a empresa de Tonacci é a anulação do campo do sujeito na inserção no mundo, pela exposição generosa que permite da organização do saber cinematográfico — transferido sem rodeios ao olhar do outro.
Saiba Mais
*Estagiário sob a supervisão de Severino Francisco
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