Filme dos mais populares na Itália, justo o berço do renovador dramaturgo Luigi Pirandello (no cinema, interpretado por Toni Servillo), A estranha comédia da vida foi bastante premiado na cerimônia do prestigioso David di Donatello (tido como o Oscar italiano). Às vésperas do lampejo criativo do texto Seis personagens à procura de um autor, o autor teatral (morto em 1936), na trama do novo longa-metragem de Roberto Andò, viaja pela Sicília, e é influenciado por agentes funerários, que, inesperadamente, tiram as traças da adormecida criatividade do mestre vencedor do prêmio literário Nobel. Confira a entrevista do Correio com o diretor do filme.
Entrevista // Roberto Andò
A lida com a morte é tão difícil quanto a exposição da metalinguagem e da quebra dos artifícios que tanto encantam espectadores do cinema?
É verdade que é difícil. Mas se você pensar bem, o teatro nasceu desde suas origens, portanto no mundo grego, para conectar o mundo dos vivos e o mundo dos mortos. Lá está o mundo dos vivos, vai ao teatro para encontrar algo do mundo dos mortos. E o ator é o mediador entre esses dois mundos. O teatro é uma cerimônia. Num certo sentido, todas as obras de arte trabalham em torno da morte, porque somos mortais e não podemos deixar de pensar na morte. Mas devemos também sublimá-la para torná-la possível, porque se pensássemos na morte apenas como um fato definitivo, pouco haveria a dizer. E em vez disso continuamos a nos questionar. Então esse filme é sobre a morte e por quê? Mesmo que os personagens de alguma forma narram o fato de que o ator e o personagem são meios, eles são os médiuns e então, como eu estava dizendo, Pirandello, se formos ler todas as histórias, todas as obras de Pirandello, talvez dois temas que o que mais lhe interessava eram a morte e a loucura. O núcleo, o cerne, de toda sua obra é a morte. E o outro é a loucura.
Quem assusta mais: a morte, a operação de criação artística ou o público?
A criação artística é um modo de contestar e negar a morte. Mas acho que existem duas maneiras de encarar a morte. Se eu olhar para as obras de arte, há obras de arte, artistas que são grandes porque contestam a morte e não aceitam a morte. E há artistas que prestam homenagem à morte. Eles estão encantados com a morte. E sempre me impressionou que durante o fascismo na Espanha, os franquistas, isto é, os fascistas, diziam e gritavam "Viva la muerte", ou seja, celebravam a morte. Penso que a nossa tarefa é, em vez disso, contestar a morte. Não aceitá-la. Quando você faz um filme e conta uma história dolorosa, você faz esse filme para garantir que a morte seja derrotada no filme. Há artistas que procuram tirar o prestígio da morte. Há culturas que dão muito prestígio à morte e estão, por assim dizer, quase à mercê da morte. Em vez disso, outros que resistem. Bom, eu acho que os artistas, em particular, são pessoas que contestam a morte.
O que dinamiza Pirandello, a ponto de nunca se apresentar arcaico?
Sabemos de um encontro entre Pirandello e Einstein. E Einstein parece que disse a ele que nunca conseguiria, nunca seria capaz de conceber, ele, que tinha resolvido a relatividade, ou seja, um gênio absoluto, disse ao Pirandello: "Eu nunca teria sido capaz de conceber o que você concebeu." Isso é impressionante porque é como se Pirandello tivesse colocado diante dos nossos olhos algo que já estava presente. O fato de vivermos sempre duas vidas, uma vida real e uma vida imaginária. E este aspecto foi abordado antes dele, claro. Mas ele fez disso o centro da sua obra. Portanto, nós somos feitos de algo real e de algo que é totalmente mental, que nos acompanha continuamente. Em um certo sentido, toda a literatura mundial encontrou em Pirandello um pai.
Qual a qualidade mais gritante do ator Toni Servillo?
Servillo não é difícil. Somos bons amigos. Então, é bom fazer filmes juntos. Como todos os grandes atores, ele adora ser dirigido, ele faz suas próprias coisas. No cinema, ele precisa ser orientado e há um diálogo muito fértil entre a gente. Eu sempre digo que tive um grande professor, que é o Francesco Rosi, o diretor. E ele dizia que existem atores que são criadores e atores intérpretes. E Toni é um ator criador.