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Risos e alucinações marcam peça protagonizada por Marco Nanini

Em cartaz na Caixa Cultural com 'O traidor', Marco Nanini vive personagem que reflete sobre a própria vida

Maitê Proença e Debora Olivieri em Duas irmãs & um casamento -  (crédito:  DALTON VALERIO)
Maitê Proença e Debora Olivieri em Duas irmãs & um casamento - (crédito: DALTON VALERIO)

As alucinações de um homem numa ilha deserta e as situações hilárias na convivência entre duas irmãs ocupam os palcos da cidade. Com direção de Gerald Thomas e encenada por Marco Nanini, Traidor está em cartaz na Caixa Cultural. No Teatro Royal Tullip, Maitê Proença e Debora Olivieri comandam a comédia Duas irmãs & um casamento, com sessões sexta, sábado e domingo.

Sozinho numa ilha

Marco Nanini compara o ritmo de O traidor ao sistema de arrasta para cima ou para baixo das redes sociais. "Eu não sei se isso é bom, mas vejo como Instagram, não tem enredo, são lâminas de raciocínio, emoções diferentes. É bem contemporâneo", garante. A peça, ele explica, não tem começo, meio ou fim e o cenário é bastante abstrato para evocar essa falta de sequência na linha do tempo. A luz, graças a Gerald Thomas, é "muito bonita", descreve o ator. "É um texto do próprio Gerald, diferente, não tem enredo, não chega a esquetes porque são vários temas que o personagem aborda, ele fala sobre tudo. Somos todos nós no personagem", avisa. 

No palco, quatro atores representam a imaginação do personagem. São jovens que alimentam as fantasias evocadas pelas alucinações do homem. "É indispensável ter esses quatro atores. A luz é muito grande e isso também faz o espetáculo ficar bem ágil", diz Nanini, que havia trabalhado com Thomas uma única vez, há 19 anos, em Um circo de rins e fígados. "Da outra vez, também fiz outro texto dele e também tinha essa alucinação, o estilo dele é esse. Eu já estava habituado com esse tipo de loucura que eu gosto muito, admiro muito as pessoas malucas. E o espectador vai se acostumando", explica.

A contemporaneidade que Nanini garante estar presente o tempo inteiro em O traidor vem, sobretudo, de uma fragmentação intencional. A peça não segue um raciocínio tranquilo e o protagonista é um sujeito atormentado diante do que acontece no mundo. Para construir o personagem, ele parte da emoção genuína que aparece repentinamente na leitura do texto. "O personagem sente essas coisas das quais fala. Não foi muito fácil, porque são temas muito diferentes, tinha que dar uma unidade. É um texto muito versátil, no geral, muito fluente. Gerald escreve bem, dirige bem, ilumina bem", diz o ator.

Três perguntas // Marco Nanini

Você fala muito da luz desse espetáculo. O que ela tem de particular?

Esse espetáculo tem um efeito de luz, porque Gerald é craque em luz, e tem um tom operístico, de certa maneira: as alucinações vão vindo. Não é longo e o público tem gostado. Às vezes, não entende nada. Nem eu entendi. Troca muito de raciocínio

O seu personagem está sozinho  e, nessa solidão, mergulha em alucinações. Tem espaço para improviso no texto de Gerald Thomas?

Teria, mas eu não faço. Não acrescento nenhum texto. Gosto de respeitar a obra do autor. Mas quando o espetáculo é mais livre, como A vida escrachada ou A desgraça de uma criança, eu faço. Saio pelas entrelinhas e vou criando improvisos. Mas aqui, sigo à risca porque tenho que dar deixas para todos os técnicos.

Você diz que o espetáculo e o personagem são muito contemporâneos. Por quê?

Porque é fragmentado, não segue um raciocínio calmo, direto. Ele é aturdido, o que está acontecendo com o mundo todo, então ele reflete um pouco isso, o que todo mundo sente, meio por osmose, por sensação. Ele vai se lembrando de várias coisas, cita Nietzsche. O espectador desfruta do espetáculo a partir da sensação, do que toca o personagem. Ele cria muito, inventa muito.

Para rir e refletir

Duas irmãs na faixa dos 60 anos se juntam para organizar um casamento. Nesse processo, espocam temas como etarismo, envelhecimento, autoestima, desejo e a complexidade dos laços familiares. Na direção, Ernesto Piccolo articula o humor no texto do dramaturgo inglês Peter Quilter com a afiação de Maitê Proença e Debora Olivieri em Duas irmãs & um casamento. Maitê conta que a ideia de montar a peça surgiu em um cenário improvável: o velório do ator Paulo Cesar Pereio.  "A figura de humor mais ácido do meio artístico", descreve a atriz. "Estávamos lá às lágrimas e o Neco (Piccolo) me disse:  vamos fazer uma comediona para todo mundo rir. Eu aceitei sem ler. Quando li, foi uma alegria só porque era inteligente e um 'gargalheiro' de dar gosto", conta. "Neco sabe tudo de humor, as marcas dele, a movimentação no palco, aliadas a um texto impecável, são infalíveis. A gente tem que estar muito fora de forma para o público não rir.  E ele é uma pessoa absolutamente adorável."

A atriz diz que gosta de fazer humor porque é uma maneira de fazer o público se confrontar com questões importantes enquanto ri das incoerências que ele mesmo pratica no dia a dia. "Aquilo vai entrando sem teses chatas, sem dor", diz a atriz, que conversou com o Correio sobre os temas tratados no espetáculo.

Três perguntas // Maitê Proença

Quais são, na sua opinião, as questões mais importantes tratadas na peça?

Tem de tudo ali, questões com as drogas lícitas e ilícitas, vício em sexo, em dinheiro, em valores que parecem trazer, mas não trazem felicidade nem paz de espírito. Tem o atrito entre as irmãs. E tem a questão do meu personagem, uma mulher mimada, em crise e que não se conforma com a passagem do tempo.

Qual o maior desafio de Duas irmãs & um casamento?

Como sempre, manter o frescor, estar com o corpo ágil e disponível, e muito ligado ao público daquele dia. Não repetir o que se fez ontem, mas trazer sempre algo vivo, da hora. 

E como você construiu sua personagem? Quais são as características dela? Quem é ela?

Ela é fútil e superficial, sem papas na língua.  É tensa e diz coisas terríveis.  Começa a peça de um jeito e termina de outro, pelo convívio com a irmã, que está de bem com a vida.

Traidor

Direção: Gerald Thomas. Com: Marco Nanini. Amanhã e sexta, às 20h, sábado, às 17h e às 20h, e domingo, às 19h, na Caixa Cultural (SBS Quadra 4 Lotes 3/4). Ingressos: R$ 15 (meia) e R$ 30, no site https://bilheteriacultural.com.br/. Não recomendado para
menores de 16 anos

Duas irmãs & um casamento

Direção: Ernesto Piccolo. Com Maitê Proença e Debora Olivieri. Sexta-feira e sábado, às 20h, e domingo, às 18h, no Teatro Royal Tulip (SHTN, Trecho 1, Conjunto 1B, Bl. C). Ingressos: R$ 25 a R$ 140, à venda no Sympla. Não recomendado para
menores de 14 anos

 


  • Maitê Proença e Debora Olivieri em Duas irmãs & um casamento: reflexão com humor
    Maitê Proença e Debora Olivieri em Duas irmãs & um casamento: reflexão com humor Foto: Fotos: Dalton Valerio
  • Maitê Proença e Debora Olivieri em Duas irmãs & um casamento
    Maitê Proença e Debora Olivieri em Duas irmãs & um casamento Foto: DALTON VALERIO
  • Maitê Proença: sem papas na língua
    Maitê Proença: sem papas na língua Foto: DALTON VALERIO
  • Maitê Proença e Debora Olivieri em Duas irmãs & um casamento
    Maitê Proença e Debora Olivieri em Duas irmãs & um casamento Foto: DALTON VALERIO
  • Marco Nanini em O traidor, de Gerald Thomas
    Marco Nanini em O traidor, de Gerald Thomas Foto: Matehus José Maria
  • Marco Nanini em O traidor, de Gerald Thomas
    Marco Nanini em O traidor, de Gerald Thomas Foto: Matehus José Maria
  • Marco Nanini em O traidor, de Gerald Thomas
    Marco Nanini em O traidor, de Gerald Thomas Foto: Matehus José Maria
  • Marco Nanini em Traidor, de Gerald Thomas
    Marco Nanini em Traidor, de Gerald Thomas Foto: Matehus José Maria
  • Marco Nanini em O traidor, de Gerald Thomas
    Marco Nanini em O traidor, de Gerald Thomas Foto: Carlos Cabéra
  • Marco Nanini em O traidor, de Gerald Thomas
    Marco Nanini em O traidor, de Gerald Thomas Foto: Carlos Cabéra
  • Marco Nanini em Traidor: fragmentação da experiência
    Marco Nanini em Traidor: fragmentação da experiência Foto: Annelize Tozetto
postado em 02/04/2025 00:01 / atualizado em 09/04/2025 14:23
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