FESTIVAL DE CINEMA

'Morte e vida Madalena' abre a mostra competitiva do Festival de Brasília

Morte e vida Madalena, dirigido pelo cearense Guto Parente, abre a mostra competitiva do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. O filme é movido por uma série de crises que atingem a personagem

A vida imitando a arte e a sentença em vice-versa estão enraizadas na trama da comédia Morte e vida Madalena, produção cearense que abre a mostra competitiva do 58º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Reconhecido em eventos de cinema norte-americanos, espanhóis, suíços e dos Países Baixos, para além dos brasileiros, o diretor Guto Parente traz um filme movido pelas crises que se avolumam na vida da personagem de Noá Bonoba (dramaturga, preparadora de elenco e atuante em frentes para pessoas trans e travestis), que, na telona, dá vida a uma produtora de cinema. O desgoverno alastrado no filme B que traz esforços extras profissionais de Madalena se implanta no dia a dia dela: o pai morreu há pouco e, sim, ela está no oitavo mês de gravidez.

Filmado em Fortaleza e na Praia da Lagoinha (litoral de Paraipaba), o longa-metragem de Guto Parente demandou quatro semanas e meia de set, com verbas de edital de Arranjos Regionais da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará em parceria com a Ancine e o Fundo Setorial. Com estreia internacional no FidMarseille (França), o filme venceu o prêmio Cine+, trampolim para distribuição nos cinemas franceses. A exibição no Festival de Brasília tende à render uma noitada de completa descontração. "Existem cenas bem engraçadas no filme, que, naturalmente, eu tenho a expectativa de que as pessoas riam. Se o riso das pessoas sacudir o Cine Brasília, será lindo", comenta Guto Parente.

Com carreira integrada por filmes de teor satírico e delineados por deboche, entre os quais O clube dos canibais e Inferninho, Guto Parente (um dos criadores e criaturas presentes no emblemático Estrada para Ythaca, de 2010) antecipa que não pendeu para situações desconcertante ou para imagens de explícito impacto na nova produção. "O filme vem carregado de vários recados, e acho que cada espectador vai encontrar o seu. Já o meu recado é 'vejam o filme!'". Além do ator Tuan Fernandes, Nataly Rocha (a Dalva de Vale Tudo, vista ainda em Motel Destino), Tavinho Teixeira (de Batguano e Aquarius), Marcus Curvelo (do curta Mamata) e Carlos Francisco (premiado por Suçuarana, em cartaz nos cinemas) emprestam os talentos, no elenco.  

Entrevista // Guto Parente, cineasta

Você tece muitos elementos de morte, de relações com o fantástico e de retomadas de laços, em filmes anteriores. Neste, pesa a gravidez e a abertura a uma nova vida? Há uma virada de página no enfoque?

Eu nunca começo a pensar num filme a partir de um tema, sempre penso primeiro na história, nas personagens, muitas vezes, em cenas, e, aí, só depois de um tempo escrevendo, eu vou entendendo qual o tema que transborda das páginas. E de fato, nos meus filmes a morte está sempre presente, sempre rondando, em quase todos eles. Se eu fizesse análise talvez estivesse olhando mais para isso. Mas gosto também de não entender muito bem porque faço as coisas, porque certos temas me interessam mais que outros, acho mais divertido trafegar num território não tão mapeado. E todo filme vira alguma página e nos lança em outra de alguma maneira, esse é o grande barato de fazer cinema.

Com Morte e vida Madalena, você explora as crises de uma produtora de cinema. Consegue se ver refletido nela?

Vejo muitas produtoras que eu conheço refletidas na personagem, porque o filme é inspirado em vários acontecimentos reais, alguns mais próximos, outros mais distantes, alguns mais banais, outros mais delirantes. Mas vejo principalmente uma personagem que ganhou vida própria na interpretação da Noá Bonoba, com uma personalidade super singular e marcante. A Noá teve a iniciativa de observar de perto o trabalho da Ticiana Augusto Lima, que é a produtora do filme, para trazer um lastro de realidade maior para a personagem. Acho que ela fez um belíssimo trabalho.

Qual sua perspectiva sobre personagens femininas escritas por roteiristas (homens)?

A minha perspectiva sobre personagens femininas escritas por roteiristas homens é a de um roteirista homem escrevendo personagens femininas. Acho algo natural. Não consigo ver propriamente uma questão nisso.

Como você percebe a associação de muitos de seu cinema com um cinema de fundo B? Você consegue notar o hierarquizar da arte e um vetor de direcionamento de público?

Eu acho que essa definição de cinema A ou B é algo que tem a ver com orçamento — o que consequentemente determina a estética do filme —, e não com qualidade artística ou relevância histórica. O cinema B é aquele que está o tempo todo inventando novas formas de transformar suas limitações financeiras em soluções criativas. É um cinema que inventa. Nesse sentido, eu me sinto fortemente filiado ao cinema B, sim, porque de fato até hoje só realizei filmes de baixo orçamento. Se os filmes são melhores ou piores que filmes feitos com muita grana, se são mais ou menos relevantes, isso cabe ao público e ao tempo dizer.

Você tem ídolos em cinema? O que te move?

Tenho vários ídolos sim, diretores e diretoras que de vez em quando eu preciso rever seus filmes para reanimar a fé e lembrar porque um dia eu escolhi essa vida. Tenho um HD externo chamado “Meus amados” com as filmografias desses santos e santas, para quem eu tento rezar todos os dias. E pra não ficar aqui citando uma penca de nomes, vou citar apenas a Santíssima Trindade: Buñuel, David Lynch e Fellini.

O Ceará pressupõe e gera artistas intimamente ligados ao humor. Qual a tonalidade de seu filme e que recado crê comunicar?

Pois é, tem isso do Ceará ser a terra do humor. Eu, particularmente, não me considero uma pessoa muito engraçada, mas tenho injetado cada vez mais humor nos meus roteiros, não sei bem porquê. Só que, dessa vez, eu decidi fazer uma comédia mais declaradamente comédia. Não acho que ela seja necessariamente parecida em termos estéticos e de tom com outras comédias que são produzidas aqui. No humor existem várias vertentes e aqui no Ceará também existem várias formas de trabalhar esse humor. A pluralidade também tem se mostrado nossa força. Talvez esse seja um bom recado.

Qual a responsabilidade de abrir o festival de cinema e quais são as questões mais urgentes para o audiovisual?

Olha, eu acho bom abrir o festival porque mata logo a ansiedade que eu estou de exibir o filme. Os dias seguintes, com certeza, vão ficar bem mais leves. Sobre as questões mais urgentes, eu elencaria três: a regulamentação dos streamings, a regulamentação dos streamings e a regulamentação dos streamings.

Em que medida crê que seu filme seja político?

Eu acho que todo filme manifesta posição política, visão de mundo e ideologia de quem faz. Se é uma manifestação mais explícita ou mais subliminar, mais à esquerda ou à direita, mais implicada ou mais isentona, aí é de cada filme. Filme político não é só aquele que tem a política como tema ou que levanta alguma bandeira. Eu acho que meu filme, por exemplo, é um filme político que não levanta nenhuma bandeira. Mas é um circo de pulgas atrás das orelhas.

FILMES DA NOITE No Cine Brasília (EQS 106/107), às 21h, exibição do longa Morte e vida Madalena, de Guto Parente. Sessão acompanha os curtas: Logos, de Britney, e Safo, de Rosana Urbes. Ingressos, R$ 20 (inteira), a partir das 14h, na bilheteria, ou por ingresso.com No Complexo Cultural Planaltina, às 19h45, a mesma programação terá entrada livre.

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Lingar Acácio/ Divulgação - Diretor Guto Parente nos bastidores do longa Morte e vida Madalena
Divulgação - 2025. Diversão & Arte. Filme Morte e vida Madalena, direçao Guto Parente.