MEIO AMBIENTE

Em sintonia com mudanças climáticas, Salão Mestre D'Armas chega à 4ª edição

O Salão Mestre D'Armas chega a 4a edição e consolida Planaltina como um polo da arte contemporânea. As inscrições se encerram em 20 de outubro

Às vésperas da realização da COP 30, em Belém, a conferência sobre o clima, que pretende traçar novos rumos para o enfrentamento do aquecimento global, o Salão Mestre D'Armas entra em sintonia com o debate sobre as ameaças ao meio ambiente. O tema do evento é o patrimônio cultural, material, imaterial e natural. As questões locais abordadas pelos artistas ressoam em problemas nacionais e até internacionais. Se o Parque de Águas Emendadas não for preservado, isso afetará o fornecimento de água para outras regiões do país e o próprio equilíbrio do bioma Amazonas. As inscrições para o Salão Mestre D'Armas se encerram em 20 de outubro.

O Salão Mestre D'Armas é dirigido a artistas do Distrito Federal e ao Entorno. São distribuídas 15 premiações, 12 ganham R$ 2 mil e os três primeiros recebem R$ 8 mil. Com isso, além de resguardar a memória, o Museu Histórico e Artístico de Planaltina tornou-se também um lugar de debate e de criação contemporânea: "É engraçado porque chegam artistas de São Paulo e querem participar", comenta Gabriel Macedo, produtor do Salão Mestre D'Armas. "Mas nós queremos valorizar os artistas daqui e do Entorno para que eles sejam reconhecidos. Por isso, a gente fala em ocupação".

Arquivo Pessoal - Memorial da Vela, trabalho premiado na primeira edição do Salão Mestre d'Armas

Anteriormente, o Museu Histórico de Planaltina, sede do Salão Mestre D'Armas, era direcionado a mostras sobre o mobiliário das famílias da era colonial. Porém, nos últimos quatro anos, a curadoria do Salão deu uma guinada rumo à arte contemporânea para que representasse múltiplas linguagens, perspectivas e olhares, explica Gabriel.  "Com isso, o Salão abriu espaço para objetos tridimensionais, vídeos e performances. Isso tornou possível contar essa história com uma amplitude maior".

Como patrimônio material, é possível citar a Igreja de São Sebastião do setor tradicional de Planaltina, a Casa da Câmara, a cadeia, a Casa do Artesão ou a Pedra Fundamental de Planaltina. Na condição de patrimônio cultural, podem ser mencionadas a Folia de reis ou o Vale do Amanhecer.  E, como patrimônio ecológica, os parques de Águas Emendadas ou do Sucupira: "A interação acontece na leitura do artista com esse patrimônio por meio de vídeos, performances ou da criação de objetos. É nesse lugar que os artistas eles se inspiram para conceber as obras que apresentarão no salão."

A artista plástica Isabela Couto fez uma intervenção em uma rodovia, próxima a Planaltina, ao  fechar a pista com folhagens e árvores do Cerrado para denuncia que a duplicação da via poderia contaminar as nascentes de Águas Emendadas, uma região que abastece Planaltina,  cidades ao Norte do Distrito Federal e vários estados do país. "Os artistas são livres para criar a partir dos temas sugeridos", ressalta Gabriel. "A arte é um dos principais instrumentos de sensibilização sobre essas questões. Ela tem o poder de tocar. Para além da Cop 30, vemos no dia a dia como o meio ambiente está sendo afetado e chega perto das nossas vidas. No ano passado, sofremos com 180 dias sem chuva. Não é algo distante, retratamos o cotidiano que sentimos em nossa pele".

Gabriel lembra de outros exemplos de obras apresentadas no Salão Mestre D'Armas.   Um coletivo concebeu 80 figurinhas  em tampinhas de ferro com imagens do patrimônio histórico, do Lobo-Guará e do Vale do Amanhecer para tematizar a identificação com a história do Centro-Oeste.  E outro trabalho reconstruiu brinquedos de madeira para também falar sobre o pertencimento: "Todas as obras têm um diálogo muito especial com Planaltina, mas colocam questões que transcendem as circunstâncias locais".

Arquivo Pessoal - Obra sobre o Cerrado, de João Angelini

Polo da arte

Com o Salão Mestre D'Armas e com a abertura da galeria Espaço Pé Vermelho, Planaltina tornou-se um polo de produção de arte contemporânea. E um dos responsáveis por esse movimento é o artista plástico João Angelini. Ele acumula várias distinções. Ganhou o prêmio do 1o Salão Mestre D'Armas, o Prêmio Vera Brandt e o Prêmio Rumos do Itaucultural.  

A obra premiada foi resultado de uma pesquisa financiada pelo projeto Rumos do Itaucultural, na qual fazia uma sobreposição de cinema com vídeo: "No Brasil, essa tecnologia é utilizada no espetáculo circense Monga – A mulher-macaco. Sopreponho uma imagem videográfica sobre um objeto, que forma uma chama acesa e se desdobra em reflexões.'

Em seguida, Angelini se envolveu nas comissões de premiação e nos júris dos prêmios em que havia sido agraciado. Ele queria entender como funcionava o sistema: "Eu quis me aproximar da produção e da curadoria para apontar lacunas e equívocos. A perspectiva do artista é diferente. Interessava-me ser júri para conhecer o que estava acontecendo na produção, especialmente na arte cerratense".

A emergência de um polo de arte contemporânea em Planaltina é consequência de um levante contracolonial que ocorre em diversos lugares do país, segundo Avelino. Ele cita o Museu de Artes Simões Filho e o Acervo da Lage, na região metropolitana de Salvador, o Sertão Negro, de Goiânia, o Barranco Ateliê, de Anápolis, a Piliastra, do Guará e a Risofloras, na Ceilândia: "São espaços pulsantes. E Planaltina teve a mobilização dos artistas para a realização do Salão Mestre D'Armas e do Espaço Pé Vermelho. Toda a periferia brasileira está se articulando e tomando as rédeas das narrativas em um levante contra a emancipação do sistema sudestino de arte."

Os artistas estão diretamente afetados pelas mudanças climáticas e pela destruição ambiental. É esse caráter de urgência que colocou a questão na pauta dos artistas e das instituições que lidam com a arte. Angeline lembra que existem refugiados climáticos no Rio Grande do Sul que não conseguiram retornar às suas casas. "No ano passado, sofremos com as nuvens de fumaça todos os dias. Por isso, o meu trabalho incluiu a fuligem. Planaltina entra muito forte nessa história, pois, com a bacia de Águas Emendadas, somos a caixa d'água da América do Sul. O santuário de Águas Emendadas é de importância crucial para  a vida de nossa região e de nosso país. O agronegócio drena a água do subsolo e joga na atmosfera toneladas de metal pesado. As nossas obras discutem essas questões diretamente.  É uma parada urgente. Não é mais uma escolha."

Patrimônio natural ameaçado

Adeilton Oliveira é professor do Instituto Federal de Brasília. Atualmente, ele realiza uma pesquisa para transformar a bacia de Águas Emendadas em Patrimônio Natural e Cultural da Humanidade. E, nesta entrevista, ele fala sobre a relevância de Águas Emendadas para o DF, para Goiás e para o Brasil.

Qual é a relevância de Águas Emendadas para o abastecimento de água de Brasília e do Brasil

Águas Emendadas fornece água para a Bacia do Paraná, ao Sul, e Tocantins e Araguaia, ao Norte.  Se somar as duas bacias, dá 7,500 quilômetros. Em extensão é maior do que o Rio Amazonas, mas não em volume.  Ela influencia em todo o complexo hídrico brasileiro da América do Sul, Paraguai e Argentina e Uruguai. É um fenômeno único, se a gente perder, não tem outro no mundo, é insubstituível

Quais são os problemas e as ameaças que pairam sobre Águas Emendadas?

Olha, existem alguns problemas, as plantas invasoras, os cachorros que as pessoas abandonaram, que passaram a caçar animais da região. O problema todo é impacto da urbanização sobre Águas Emendadas. Está pressionada por todos os lados. Foi criada em 1968, atendia ao novo código florestal. Em 1950, vivendo ao redor de Águas Emendadas, hoje, temos 1. milhão e 500. Cidades importantes que fazem essa pressão antrópica sobre Águas Emendadas.

E quais são as soluções para proteger Águas Emendadas desse impacto?

É a que estamos propondo: o compromisso do DF e das cidades ao redor. Se perdermos Águas Emendadas, teremos sérios problemas hidrícos. Teremos de buscar água longe. O nosso subsolo abastece o aquífero Guarani (o maior do mundo),  o aquífero Bambuí e o Urucuia, com reserva absurda de água. Sem a preservação do  Cerrado,  a gente impede que o solo absorva a água. Ele faz o inverso da Floresta Amazônia, puxa para o subsolo, enquanto ela cria os rios voadores. O Cerrado complementa o ciclo da Floresta Amazônica. A gente precisa conhecer Águas Emendadas para valorizar.   O Instituto Federal de Brasília me dá a possibilidade de trabalhar esse contexto. Os meus estudantes divulgam Águas Emendadas, essa conscientização é fundamental.

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Ed Alves/CB/D.A Press - 20/10/2022. Crédito: Ed Alves/CB/D.A Press. Cidades. Unidade de conservação Aguas Emendadas.
Arquivo Pessoal - Memorial da Vela, trabalho premiado na primeira edição do Salão Mestre d'Armas
Arquivo Pessoal - Obra sobre o Cerrado, de João Angelini