No enredo de Triângulo da tristeza, há, cheio de pompa e circunstância, um jantar com o comandante de um luxuoso iate; há também um casal de beldades em crise, diante de mesquinharia e ainda cabe, em tudo isso, uma denúncia à estupidez da guerra. Indicado aos prêmios Oscar de melhor filme, roteiro e diretor (no caso, Ruben Östlund), o filme, que contabiliza títulos como a Palma de Ouro (no Festival de Cannes) e a distinção de melhor filme europeu do ano (pelo European Awards), traz uma ponte de coprodução estabelecida entre 10 países.
Numa narrativa repleta de excentricidade, dentro de um microuniverso (o iate) atopetado por tensão e injustiça social, um casal de beldades, aparentemente protagoniza a fita: Carl (Harris Dickinson) e Yaya (Charlbi Dean). A relação de ambos, desde o início, se revela minada — discussões sobre generosidade e igualdade (de gêneros) terminam em levianas acusações sobre ganância e apego a dinheiro. Inesperadas são as intromissões de coadjuvantes — como o motorista de táxi anônimo — que alerta Carl para lutar a fim de não ser escravizado pela pretendente.
Condutas inapropriadas passam daí a se espalhar na trama: Yaya, influenciadora digital, vive de aparências, sem provar dos refinados pratos (que posta); Paula (Vicki Berlin), a mais graduada tripulante do iate se esforça pela sobriedade do comandante beberrão (Woody Harrelson); e um casal de idosos passageiros se gaba de ostentar a garantia da democracia, liderando justo a indústria de armamento. Num ambiente pretensioso, em que bem se difere o potencial de marcas de roupas elitizadas como a Balenciaga do que seja popular (caso da sueca H&M), pouco a pouco, um rico constrangimento se alastra.
Impressionar, no começo e no fim da jornada dos ricaços que habitam a embarcação, vai justamente contra a defesa de que "todos sejam iguais", operante num discurso forte de alguns personagens. Num completo registro de instabilidade social, Triângulo da tristeza se aproxima do teor crítico, extremamente cáustico, empregado pela diretora Lina Wertmüller (de Por um destino insólito e Pasqualino sete belezas). O diretor Ruben Östlund, aliás, se prova fiel ao espírito dele, visto em filmes como The square: A arte da discórdia (2017), candidato sueco ao Oscar de melhor filme internacional, em 2018.
Entre citações a Martin Luther King e ao ex-presidente Ronald Reagan (entre outros anticomunistas) e epígrafes a Mark Twain, o roteiro não se perde, mesmo diante de eventos estrambóticos. Inominável, há uma cena de escatologia sistemática que até incomoda pela duração, é bem verdade. Extravagâncias tirânicas da dita alta classe incluem, por exemplo, o desejo de ver cada funcionário do iate usar um tobogã e, por muitos momentos, alguns acreditam que todo e qualquer problema se resolva à base da abertura de garrafas de champanhe.
Mulheres tratadas como presas sexuais e outras atitudes descompensadas de tipos broncos como Jarmo (Henrik Dorsin) e Dimitry (Zlatko Buric) não passarão incólumes na trama. Numa das melhores cenas, os personagens entram todos em quadros, tortos, numa noite de gala, dada a revolta do mar. Para compensar muitos episódios degradantes, atente para a esperta presença da silenciosa Abigail (Dolly De Leon). Simplesmente inesquecível.
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