Crítica // Entre mulheres // #####
Foi em 2010, que o longa A fita branca venceu a Palma de Ouro no Festival de Cannes, sob os moldes dos antigos e densos dramas dos filmes da vida em aldeias opressoras cravados na sétima arte por Ingmar Bergman. Na mesma linha sufocante, a atriz dos filmes da espanhola Isabel Coixet (Minha vida sem mim e A vida secreta das palavras) e Sarah Polley tem um feito e tanto: traz para a tela, em Entre mulheres, o melhor filme do Oscar, mas que tem poucas chances de real vitória, ainda que tenha produção assinada pelos mesmos profissionais dos valorizados Nomadland e Moonlight. A partir de um romance criado por Miriam Toews, Polley assina um roteiro afiadamente feminino, num contraponto aos de Nada de novo no front e Top Gun: Maverick, títulos de estabelecidos cineastas elencados para o Oscar.
Coletividade é palavra de ordem na trama: num paiol, opera a "fértil imaginação" das mulheres, como alguém tacha, sob escancarado deboche; todas reclamam (e ganham) a palavra. Não cabe muita graça no cotidiano das mulheres que trazem figuras como as das experientes Agata (Judith Ivey) e Greta (Sheila McCarthy). Depois de um ataque selvagem de homens incapazes de "controlar ímpetos", uma votação dá lugar e voz às mulheres que devem decidir entre: nada fazer, lutar ou partir da comunidade em que, momentaneamente, os agressores se encontram distanciados. "Somos mulheres sem voz", pontua Ona (Rooney Mara), que acentua a capacidade das sonhadoras mulheres, com pouca cancha para agir. Em conjunto, reclamam lugar para "pensar, ler e escrever"; isso em pleno ano de 2010.
Seguras, todas estão de que não ficarão de braços cruzados e de que vão potencializar a sororidade. Perdoar a masculinidade tóxica seria uma saída? Testemunha de todas as atrocidades cometidas, a jovem Autje (Kate Hallett) é das que têm posicionamento firme. Junto com a tentativa de se apegar à corrente de "fé, racionalidade e segurança", há opiniões divergentes, como as de Salomé (Claire Foy), um poço de sofrimento reprimido, e da conformada Mariche (Jessie Buckley).
Entre uma torrente de contestação, há consenso em que, na aldeia, se preserve a inocência das crianças. Para não incorrer em generalizações de comportamentos masculinos (vale o reforço de que a violência e os rastros de violência são apenas sugestionados), o dócil personagem do professor August (Ben Whishaw), sem mansplaining, registra a ideologia das "feridas e infecções" criadas pelo ataque masculino.
Com a mesma delicadeza com a qual tratou o tema do Alzheimer, em Longe dela (filme com a brilhante Julie Christie), a diretora Sarah Polley estampa um mito justo ao revés do destino das mulheres de Atenas, no qual o retorno dos homens soa a terror. A sombria coloração das imagens (sob direção de fotografia de Luc Montpellier) e a discreta música (de Hildur Guðnadóttir) rendem maior contorno ao encorajamento de todo o discurso pretendido.
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