Crítica

O pastor e o guerrilheiro aponta para branda e silenciosa revolução

Filme dirigido pelo brasiliense José Eduardo Belmonte discute a democracia, a responsabilidade coletiva e os limites da liberdade

Ricardo Daehn
postado em 14/04/2023 07:12
Em O pastor e o guerrilheiro, Zaqueu é interpretado por César Mello -  (crédito:  Arapuá Filmes/Divulgação)
Em O pastor e o guerrilheiro, Zaqueu é interpretado por César Mello - (crédito: Arapuá Filmes/Divulgação)

Crítica // O pastor e o guerrilheiro ####

Há um determinado ponto do novo filme do brasiliense José Eduardo Belmonte em que os personagens do título, O pastor e o guerrilheiro confabulam: um crê que o outro deva se envolver em política, ao passo em que o outro acredita que o colega de cela (ambos estão presos) deva buscar a religião. Com roteiro sólido e sério (pelas mãos de Josefina Trotta, José Rezende Jr. e Nilson Rodrigues), o filme revela truculência à época da ditadura, mas costura uma visão algo otimista, reforçada por Ainda há tempo, rap de Criolo, usado na trilha sonora.

A partir de uma leitura de livro escrito por engajado ex-estudante, a protagonista vivida por Julia Dalavia, Juliana, dialoga com tempos distintos, revestidos de cargas ideológicas, e que afetarão a decisão dela em torno de uma herança familiar. "A memória é resistência" é das assertivas enfatizadas pelo filme que engendra uma paisagem de reconciliação.

"Devolver o Brasil para os brasileiros" já era pauta, desde 1968, no filme cujo enredo também acopla ações de 1973 para diante. Alguma liberdade na direção de arte, que não rejuvenesce a UnB situada no enredo do passado, só faz reforçar o teor de atualidade do drama que alinha as vidas do evangélico Zaqueu (César Mello, em participação convincente) e do comunista Miguel (Johnny Massaro). A cena do caído corpo de Miguel, no meio do nada, depois de se ver atacado por malária e perdido na ação da floresta, sem prejuízo da gana revolucionária, rende das mais belas sequências do filme que encoraja a recompensa para os destemidos.

Atores como Ana Hartmann, no papel de Helena, e Túlio Starling, que vive Diogo, trazem boas participações coadjuvantes em O pastor e o guerrilheiro, no mesmo caso de Similião Aurélio. Apoiado no livro de Mateus, o grosso do longa-metragem propaga conceitos de renovação e perdão, reclamando a interferência de elementos como tempo e acaso. Não é a toa que Brasília, no ano novo da virada para 2000, acolhe um dos momentos mais expressivos da trama.

Na destruição da democracia (e na reconstrução desta), pesa ainda o discurso do livro de Efésios — citado no longa de Belmonte, que trata do enfrentamento direto do poder. O roteiro traz ainda da estrutura que dá brecha à venda de fé e do potencial das lutas armadas. Com moderação, se discute ainda o alcance da liberdade, e, de soslaio, a mobilização pelas cotas raciais. Remorso e consequências de atos tenebrosos também ganham bom destaque. Além de todas essas qualidades, O pastor e o guerrilheiro ainda é complementado pelo talento de Sascha Kratzer na trilha sonora.

 

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