Crônica

Em nome do padre e do padrinho

Embora nascido na primeira geração da Capital do Rock, musicalmente sempre transitei mais pelo samba

 Orlando Pontes,  jornalista  -  (crédito:  Arquivo Pessoal)
Orlando Pontes, jornalista - (crédito: Arquivo Pessoal)


Por Orlando Pontes—

ojpontes@gmail.com


Participar da construção de Brasília, no final da década de 1950, não foi tarefa para fracos. Imagine qual não deve ter sido a dificuldade dos casais que ainda se aventuraram a ter filhos em meio àquela confusão! Foi nesse burburinho que eu cheguei ao mundo, pouco mais de um mês antes do primeiro aniversário da Nova Capital.

Desembarquei na Vila Planalto. Minha mãe Maria, cearense arretada, que viajou 18 dias na carroceria de um pau de arara junto com meu pai Mundico até chegar na Cidade Livre, quis homenagear a vila onde eles haviam morado quando aqui aportaram, batizando-me de Amauri.

Mas meu padrinho, apaixonado por futebol, alegou que eu precisava ter nome de craque. Virei Orlando. Na pia batismal, antes da bênção, Padre Roque – pioneiro cujo corpo foi sepultado na igreja São João Bosco, no Núcleo Bandeirante – questionou que o menino não tinha nome de santo. Assim, de Amauri Ribeiro Pontes tornei-me Orlando José Pontes. Nome de jogador combinado com o do santo e sem o sobrenome da mãe.

Embora nascido na primeira geração da Capital do Rock, musicalmente sempre transitei mais pelo samba. Curti até desfile de escolas na W-3 e participei da charanga do Brasília Esporte Clube nos jogos no antigo Pelezão.

Mas, na semana passada, disposto a enviar lembranças para três sobrinhos que moram nos EUA, estive pela primeira vez num espaço que merece ser conhecido por todos. Como pensei em comprar alguma coisa que lembrasse Brasília, afinal os meninos também são candangos, optei por mandar camisetas com estampas da cidade.

E fui às compras no sábado à tarde. Orientado pelo Google, cheguei à lojinha Verdurão, no espaço Infinu, na 506 Sul. Encontrei muitos jovens circulando, barzinhos com chope gelado e bons tira-gostos, barraquinhas vendendo souvenirs brasilienses e rock pesado rolando na galeria. Um programa com a cara de Brasília e um alento para a decadente Avenida W-3.

Aquele agito me fez pensar em o quanto é rica a cultura no Quadradinho, embora não a conheçamos adequadamente. Os apreciadores do samba, por exemplo, têm um circuito próprio e até um calendário anual não só no Plano Piloto.

No Gama, há mais de uma década rola o Samba da Camisa, sempre em dezembro, na área externa do estádio Bezerrão. A festa reúne centenas de pessoas. Em Taguatinga, também já é tradição o Samba de Natal, no dia 24 de dezembro, no Cartórios Bar, que também sedia, toda semana, a Segunda Resenha, às segundas-feiras.

O pagode rola toda terça com o 7 na Roda, no Calaf (Setor Bancário Sul). Aos domingos, o grupo Doze por Oito sobe a pressão na Praça dos Prazeres (202 Norte). Quinzenalmente, ninguém pode se esconder do Samba no Buraco do Tatu, ou da Tia Zélia, na Vila Planalto.

São histórias que certamente mereceriam ser contadas pelo eterno titular deste espaço, Paulo Pestana, que, como diria o saudoso Fernando Lemos, seu contemporâneo no Correio, “cometeu a deselegância” de se retirar antes da hora e deixou Brasília mais triste desde o início de março.

Assim, infelizmente, no seu 64º aniversário Brasília não será reverenciada por uma das brilhantes crônicas de Paulo Pestana, um pernambucano que a adotou como mãe e que recebeu da cidade o tratamento de um filho. Paulinho, melhor do que ninguém, sabia colocar tempero nas palavras para dar aos seus textos um gostinho especial com sabor de Brasília.

Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Ícone do whatsapp
Ícone do telegram

Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br

postado em 12/04/2024 11:35 / atualizado em 12/04/2024 11:35
x