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A perspectiva de efeitos devastadores da pandemia do coronavírus sobre a economia levou os investidores, em meados de março, a tomarem o caminho que se faz em momentos de crise: buscar segurança. No campo dos investimentos, isso significa ir atrás do que é o porto seguro: o dólar.
Já em julho, no entanto, a moeda americana enfraqueceu — mesmo em um contexto de incertezas, em que ninguém consegue prever o tamanho da crise que o vírus vai deixar.
O índice DXY, que mede a variação do dólar americano em relação a várias outras moedas — como euro, iene e libra — caiu para menos de 95 mil pontos e atingiu em julho o menor patamar desde 2018.
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No Brasil, o dólar chegou a R$ 5,40 em julho, mas teve uma queda de 4% no mês. No início de agosto, a cotação do dólar comercial já está acima de R$ 5,30.
A BBC News Brasil ouviu economistas no Brasil e no exterior sobre os motivos para a perda de força no dólar no mundo e por que esse tombo da moeda americana não foi sentido com mais força no país.
O que aconteceu com o dólar?
As taxas de infecção de coronavírus, resultados econômicos ruins e incertezas com relação às eleições presidenciais dos Estados Unidos estão entre as razões do fraco desempenho do dólar nas últimas semanas.
O economista Andrés Abadia, da consultoria Pantheon Macroeconomics, no Reino Unido, cita a propagação da covid-19 nos Estados Unidos, que têm 4,7 milhões de casos confirmados e mais de 155 mil mortes.
"As taxas de infecção nos EUA, em comparação com outras economias desenvolvidas, permanecem relativamente altas, diminuindo as expectativas em relação à reabertura da economia no curto prazo", diz o economista.
Arquivo Pessoal 'Os números recentes da economia americana acenderam um alerta', diz Zeina Latif
A economista Zeina Latif, que é consultora econômica e foi economista-chefe da XP Investimentos, diz que "os números recentes da economia americana acenderam um alerta", citando tanto dados da covid-19 quanto da atividade econômica.
Os Estados Unidos divulgaram no fim de julho que o PIB do país despencou: houve uma queda de 9,5% no segundo trimestre em relação ao primeiro. Na comparação anual, a retração foi de 32,9%.
"Os dados de atividade, que surpreenderam em um primeiro momento, tiveram leve ressaca, mostrando que a vida é mais dura — vai ter recuperação, mas a última safra de indicadores gerou dúvidas em relação a essa velocidade", diz a consultora.
Latif lembra que, para entender a flutuação do dólar, é fundamental ver a situação dos Estados Unidos em comparação com o resto do mundo. E cita a China. "É fato que há um descompasso. Nos Estados Unidos, houve certa decepção — nada exagerado, mas houve — e, do outro lado do mundo (China), temos uma dinâmica mais positiva (nos dados de saúde e da economia)."
Para a economista Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute, em Washington, "o mercado está se dando conta de que a situação é mais grave do que imaginava".
"O cenário é de convivência com a epidemia por muito tempo e essa economia daqui (EUA) será severamente abalada por isso. O quadro de retomada que o mercado tinha em mente não vai acontecer. E isso está começando a ficar mais evidente e tem um movimento de reprecificação do dólar atrelado a isso."
Divulgação Monica de Bolle: 'O Brasil tem um governo que absolutamente não respondeu à altura da crise e que até agora está batendo cabeça'
Outro fator de instabilidade, segundo os economistas, é a eleição americana. "O presidente Donald Trump pediu o adiamento das eleições de novembro, o que afetou a moeda nos últimos dias", diz Abadia.
O tuíte sobre adiamento das eleições, aliás, foi publicado minutos depois de os Estados Unidos anunciarem o que foi o pior resultado de seu PIB na história.
"Com a votação universal por correio, 2020 será a eleição mais imprecisa e fraudulenta da história. Será um grande constrangimento para os Estados Unidos. Adiar a eleição até que as pessoas possam votar de maneira adequada, segura e protegida???", postou o presidente, sem acrescentar qualquer prova do que estava dizendo.
De Bolle diz que o próprio presidente Trump é um fator de instabilidade que se reflete na força da moeda americana. "Tendo em vista essas circunstâncias absolutamente temerárias para a reeleição dele, ele já está criando o fantasma de uma crise constitucional neste país", disse.
"Quanto mais estreita a margem do resultado da eleição, maior a chance de crise constitucional neste país, porque Trump claramente vai questionar o resultado das eleições e jogar este país numa crise constitucional", diz ela, considerando um cenário de vitória do democrata Joe Biden.
Abadia citou, ainda, o nível dos juros nos Estados Unidos como fator que explica a perda de força do dólar. Na última semana de julho, o Federal Reserve (banco central dos Estados Unidos) decidiu manter as taxas de juros do país na faixa entre 0% e 0,25% e disse que vai manter os juros próximos a zero pelo tempo necessário para a economia se recuperar das consequências do surto de coronavírus.
Quanto mais baixa a taxa de juros, menos atrativo é o investimento naquela moeda. Por outro lado, a redução de taxas de juros tem sido feita em diversos países como tentativa de estimular a economia internamente.
Quanto tempo vai durar?
A desvalorização do dólar em relação a outras moedas deve ter vida curta, segundo Latif. "Mesmo com a piora de número de casos, acredito que tendência da economia americana é surpreender de novo positivamente."
E as economistas também não veem chances de o dólar perder o posto que tem mundialmente.
"Quando a gente pensa em uma moeda perdendo relevância, tem que pensar: quem vai substituir? E hoje não tem. Não vejo como substituir", diz Latif.
De Bolle diz: "O dólar acaba revertendo porque no fim do dia é o porto seguro por excelência. As notícias do PIB ainda estão muito frescas, as pessoas ainda estão fazendo revisão de cenário, então esse movimento de reprecificação que vemos hoje ainda tá sendo processado. Uma vez que tenha sido processado, as coisas voltam a se ajustar".
E por que a taxa de câmbio não caiu muito no Brasil? REUTERS/Adriano Machado No início de março, o ministro da Economia, Paulo Guedes, foi questionado sobre a possibilidade de a cotação do dólar chegar a R$ 5 e respondeu que, 'se fizer muita besteira, pode ir para esse nível'
Foi-se o tempo em que pensar no dólar acima de R$ 5 era algo distante.
No início de março, o ministro da Economia, Paulo Guedes, foi questionado sobre a possibilidade de a cotação do dólar chegar a R$ 5 e respondeu que, "se fizer muita besteira, pode ir para esse nível" e que "se fizer muita coisa certa, pode descer".
Poucos dias depois, no meio de março e com o avanço do coronavírus, o dólar ultrapassou os R$ 5.
E a expectativa do mercado financeiro é que a taxa de câmbio termine o ano acima desse patamar: em R$ 5,20, segundo o Boletim Focus, do Banco Central, divulgado na segunda-feira (03/08). A projeção é a mesma há sete semanas.
Embora a economia brasileira já estivesse aquém do esperado antes da chegada da pandemia, o coronavírus agravou a situação.
Se os Estados Unidos lideram o ranking de mortes e casos confirmados de covid-19, o Brasil é o segundo da lista — e sem as condições financeiras da maior economia do mundo para lidar com essa crise.
Ao comparar a situação da pandemia nos dois países, de Bolle diz que, de um lado, o Brasil tem um sistema público de saúde, que os EUA não têm. De outro lado, afirma que "evidentemente o Brasil tem economia muito mais frágil, com muito mais gente vulnerável e sendo afetada diretamente pela epidemia e pela crise econômica".
"O Brasil tem um governo que absolutamente não respondeu à altura da crise e que até agora está batendo cabeça a respeito da gravidade da crise", diz ela.
A economista diz que a medida mais eficaz até agora foi o auxílio emergencial, aprovado pelo Congresso Nacional.
"De resto, o governo não fez nada. A situação que estamos vendo no quadro econômico brasileiro tem a ver com a ineficácia e a incompetência do governo Bolsonaro e a falta de experiência do Paulo Guedes para enfrentar uma crise dessa magnitude", critica a economista.
Já Latif diz que o mercado reconhece riscos maiores no Brasil e isso, na avaliação dela, tem a ver, em primeiro lugar, com a situação fiscal do Brasil. Além disso, ela destaca que há muita incerteza e que o Brasil está "fazendo relaxamento do isolamento sem número confortável — baixo — de novos casos".
"Eu não vejo o governo com capacidade de propor uma agenda econômica estruturada, sólida, de ajuste fiscal. A gente está discutindo no país flexibilizar regra do teto (de gastos). A agenda está muito desestruturada. O debate público está pouco técnico, emocional demais. Então acho que os fatores de risco vão ficar aí por muito tempo", diz Latif.
De Bolle discorda que o problema esteja na política fiscal. Para ela, "todo mundo já sabe" que será necessário mexer no teto de gastos. "A piora fiscal futura está na conta de todo mundo", diz.
Especialista em América Latina, Abadia diz que outras moedas da região tiveram desempenho "relativamente bom em julho" devido principalmente ao aumento dos preços das commodities e à melhoria das expectativas econômicas da economia chinesa. Ele pondera, no entanto, que é muito cedo para apostar em uma recuperação econômica prolongada.
Sobre a moeda brasileira, o economista destaca a fraqueza. "O real permanece excepcionalmente fraco, em um contexto histórico, e as perspectivas de novos cortes na taxa de juros, ou mesmo taxas nos níveis atuais por mais tempo do que o esperado, manterão a moeda sob pressão. Além disso, o risco fiscal permanece relativamente alto, o que continua pressionando o real."
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