Ao reduzir a taxa básica da economia (Selic) de 2,25% para 2%, na última quarta-feira, o Banco Central inaugurou um novo piso histórico para os juros de referência brasileiros. Contudo, nas operações de crédito, eles ainda são elevados, se comparados aos padrões mundiais, mesmo com as quedas recentes do custo em várias modalidades de financiamento.
De acordo com dados levantados por Miguel Ribeiro de Oliveira, diretor executivo de Estudos e Pesquisas Econômicas da Associação Nacional dos Executivos de Finanças Administração e Contabilidade (Anefac), os juros do mercado estão em patamares bem mais baixos do que antigamente, mas ainda são muito altos.
No caso do financiamento imobiliário, segundo ele, a nova taxa anunciada pelo Banco do Brasil, de 6,59% ao ano, é a menor da história. O mesmo acontece com o financiamento de veículos, de 18,16% ao ano, segundo dados de junho. Ele observou que, no comércio, a taxa média, de 73,92% ao ano é a menor desde outubro de 2014.
Para o investidor, por outro lado, a Selic no patamar atual tornou-se um desafio. A taxa básica abriu um cenário de juro real (descontada a inflação) que já está no negativo, algo que só acontecia em nações desenvolvidas. “O país atravessa uma mudança que economias avançadas já viram, que é deixar de viver de renda. Quem quiser ganhar dinheiro vai ter que correr risco”, explicou Ribeiro. Contudo, ele reconhece que ainda é muito arriscado entrar na Bolsa de Valores de São Paulo (B3) no meio de uma recessão que pode impactar fortemente os resultados das empresas listadas no mercado de ações.
Imóveis
Apesar da recessão, um setor que começou a sentir o benefício da queda dos juros foi o da construção civil. Com os financiamentos imobiliários mais baratos, a casa própria é uma alternativa de investimento mais seguro do que a Bolsa. Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregos (Caged) mostraram um saldo líquido positivo de 11,3 mil entre demissões e contratações no mês de junho no segmento da construção.
“Os resultados do segundo trimestre melhoraram, e o setor voltou a contratar, mostrando que estamos começando uma retomada no meio da crise, algo que não acontecia desde a última recessão”, contou o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins. De acordo com ele, além da queda nos juros e carências alongadas nos empréstimos, o confinamento social tem contribuído para esse cenário de retomada. “As pessoas estão ficando mais em casa e descobrindo que é importante ter uma residência confortáve”, disse.
O presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Luiz Antônio França, também vê com bons olhos a queda dos juros. “A redução da Selic é uma conquista histórica para o Brasil. Mas os sucessivos cortes na taxa básica precisam chegar ao financiamento imobiliário”, afirmou. A entidade defende mudanças no modelo de correção do financiamento imobiliário para que os juros e as parcelas caiam ainda mais para o consumidor.
Desconfiança
A economista Juliana Inhasz, professora do Insper, reforçou que o ritmo de queda dos juros do mercado de crédito não tem acompanhado o da Selic e, mesmo ela estando tão baixa, o cenário macroeconômico não é compatível com o patamar atual. “O Banco Central está se agarrando a uma esperança de curtíssimo prazo de retomada da economia, mas ela deverá ser pequena. Há riscos dessa queda da Selic não ajudar na retomada, porque a efetividade dos juros baixos, atualmente, é baixíssima”, alertou.
Juliana lembrou que, devido às desconfianças em relação à economia e ao governo, investidores estrangeiros batem em debandada da bolsa brasileira. Neste ano, até junho, a saída somou R$ 82,8 bilhões, segundo dados da B3. “O cenário atual é muito desconfortável para o governo do ponto de vista fiscal. Em breve, o mercado vai começar a cobrar maior prêmio de risco para os títulos públicos e a Selic vai voltar a subir para atrair o capital de volta”, afirmou a professora do Insper.
O presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), Antonio Corrêa de Lacerda, considerou o corte da Selic positivo, devido ao ambiente recessivo da economia. “No entanto, só isso não é suficiente. As taxas de juros aos tomadores finais seguem proibitivas para o consumo e investimentos”, afirmou. (RH)
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